InforMEI – Como potência agrícola e referência em biodiversidade, o Brasil ocupa uma posição privilegiada para capitanear a biotecnologia industrial. Quais desafios são necessários superar para o país liderar essa agenda?

Paulo Nigro – São enormes as oportunidades deste segmento, talvez a maior que a atualidade nos oferece, pelo aumento do senso de urgência que a pandemia trouxe aos governos e à população mundial com relação à necessidade de se “descarbonizar” o planeta. Porém, este segmento pode ainda ser comparado a uma startup, por ser inovadora e muitas vezes disruptiva, é difícil de ser comparada e posicionada nos moldes tradicionais de avaliação empresarial e financeira.  Para a biotech industrial brasileira se desenvolver como economia avançada é necessário estabelecer uma estratégia nacional multidisciplinar e de longo prazo, que tenha como ponto de partida um marco regulatório moderno e competitivo. Além disso, o Brasil deve estabelecer uma estrutura que traga segurança jurídica para os que desenvolvem propriedade intelectual em nosso território, bem como mecanismos para a redução de custos para pesquisa e desenvolvimento “verde e amarela”. Finalmente, para que haja verdadeira aceleração, nesta estratégia nacional deverão ser assegurados fundos e linhas de crédito para incentivar investimentos, aperfeiçoamento para tornar o Renovabio competitivo versus mandatos internacionais, assim como um programa moderno de precificação de carbono para que possamos, pelo menos por um tempo determinado, encontrar níveis semelhantes de competitividade de escala que se veem na indústria de base fóssil.

InforMEI – A GranBio desenvolve soluções de energia limpa. Considerando o aumento exponencial da população, qual a importância de unir inovação e sustentabilidade como uma estratégia de competitividade que também impacta no meio ambiente?

Paulo Nigro – Não tenho a menor dúvida que a biotecnologia industrial representa um novo marco para o ciclo mundial de baixo carbono, a fim de garantir a redução de emissões de gases de efeito estufa e o aumento da produtividade industrial. Todos sabemos que será necessário aumentar em muitas vezes a produção industrial na próxima década dado o crescimento demográfico esperado. Isso implicará num grande aumento da demanda global, trazendo pressão sobre os recursos naturais disponíveis. Por outro lado, o compromisso global assumido no Acordo de Paris visa limitar em 2º C o aumento da temperatura até 2050. A pergunta é: como fazer isso acontecer? Quais as soluções efetivas hoje disponíveis que entreguem, de verdade, estes objetivos? Como fazer para chegar em 2050 com o mesmo nível de emissões de gases de efeito estufa de três décadas atrás?  

Foi aí que a GranBio enxergou no etanol celulósico e na nanocelulose uma incrível solução ambiental e social, pois partiu da vantagem competitiva brasileira da grande disponibilidade de biomassa residual da nossa produção agrícola e florestal. A GranBio tem à disposição milhões de toneladas de biomassa como fonte de matéria-prima, cuja alternativa é a de ser deixada no campo evaporando e gerando gases de efeito estufa. Assim, o Brasil tem maior disponibilidade e menor custo de biomassa do mundo para a produção de energia limpa e biomateriais. À título de curiosidade, com a tecnologia da GranBio, o Brasil poderia aumentar em até 50% a produção de etanol sem a necessidade de ocupar um hectare a mais de terra.

InforMEI – Qual papel da bioeconomia em nível global ao levarmos em conta uma sociedade que depende do consumo intenso de carbono fóssil?

Paulo Nigro – Basta olhar para as megatendências mundiais que estão associadas ao cenário de mudanças climáticas para entender que precisamos adotar com urgência um novo modelo de industrialização, o qual eu defino como a Indústria 5.0. Isso significa incorporar o atendimento aos mandatos globais à indústria que está sendo digitalizada 4.0. Não há dúvidas que a bioeconomia é a solução para garantir a sustentabilidade com redução de emissões e aumento da produtividade industrial por meio de tecnologias mais avançadas. Porém, a um custo unitário que, por enquanto, ainda é maior até que a escala atinja os patamares atuais de produção. Antes eu me perguntava se a humanidade estava disposta a pagar por este prêmio. Hoje, eu não tenho a menor dúvida de que não há outra opção. Considerando que as emissões de gases por habitante/dia no mundo precisam cair da ordem de 30 kg para 5 kg de dióxido de carbono, as novas tecnologias são um dos poucos caminhos conhecidos para o atingimento dessas metas.

InforMEI – O Reino Unido já decidiu: a partir de 2030, estará proibida a venda de carros a gasolina e diesel. O que o Brasil precisa fazer para se preparar para esse tipo de transição?

Paulo Nigro – O Brasil tem um potencial gigantesco para a construção de biorrefinarias na próxima década para a produção de etanol, bioquímicos e biomateriais, utilizando uma biomassa hoje descartada e que seria transformada ao menor custo de matéria prima do mundo. Isso representaria um acréscimo ao PIB na ordem de dezenas de bilhões de dólares por ano, ao mesmo tempo que, “sugaria” o carbono celulósico que hoje vai para a atmosfera nas plantações de cana e de milho, por exemplo. Sem contar com os bilhões de dólares em CAPEX de investimento que seriam injetados, além de empregos gerados com as novas biorrefinarias. Parece um desafio impossível, mas não podemos esquecer que o Brasil já fez isso antes com o Pró-Álcool. Para atender a tendência de substituição de carros movidos a combustível fóssil, o Brasil pode fazê-lo novamente para si, além de ser o protagonista mundial nesta transição energética.

InforMEI – A GranBio tem a segunda maior planta de nanocelulose do mundo, em operação no Estados Unidos. Quais são suas principais aplicações e quando a nanocelulose poderá competir em abrangência e escala com a fibra de carbono?

Paulo Nigro – A nanocelulose é um biomaterial versátil e disruptivo. É a menor partícula de biomassa disponível na atualidade tendo como vantagem a sua fonte de matéria prima ser verde. Os produtos a base de nanocelulose oferecem vantagens pelas características físico-químicas de alta resistência e menor densidade, podendo ser aplicada em diversos segmentos da indústria em termos de reforço, transparência, reologia, propriedades de barreira e hidrofobicidade, inclusive substituindo a fibra de carbono de maneira competitiva em custos, performance técnica e ambiental. Podem ser usados para fabricar carros, aviões e pneus mais leves, por exemplo, com menor consumo de combustível, além de cimentos e materiais de construção mais resistentes e simplificados, bem como produtos de higiene pessoal e cosméticos mais naturais.

InforMEI – No início de março, no acumulado deste ano, o litro da gasolina subiu mais de 50% e o do diesel 41%. Quais os entraves que ainda dificultam a produção e distribuição do etanol de segunda geração como alternativa aos combustíveis, como o produzido pela Granbio?

Paulo Nigro – São apenas dois os produtores de etanol celulósico ou de segunda geração no mundo e os dois estão aqui no Brasil, sendo a GranBio um deles. Existe um enorme déficit estrutural na demanda global deste produto. Sabe-se que, se somarmos os mandatos por biocombustíveis avançados apenas da Europa, China e Brasil, estamos falando de mais de 35 bilhões de litros – que hoje teriam mercado garantido caso houvesse produção. Por que não aconteceu ainda? Porque não foi fácil colocar esta tecnologia de pé pelo próprio desafio imposto pela ciência. Não é trivial transformar uma palha seca de cana de açúcar (e cheia de terra), que entra de um lado da planta, e fazer sair etanol puro do outro. Todo este desenvolvimento exigiu capital paciente e enorme capacidade de crença na capacidade científica e visão de longo prazo. O programa do etanol de segunda geração não deveria ser visto como um projeto de uma empresa, mas de país. E deste país para o mundo. Se essas empresas tivessem apoio governamental, poderiam investir em capacidade produtiva e de distribuição, atuando como verdadeiros challengers desses combustíveis do passado, para se tornarem a melhor opção para o futuro, inclusive em relação aos veículos elétricos sobre os quais tanto se fala atualmente.

InforMEI – Na sua visão, como a MEI – atualmente o principal fórum de diálogo entre o setor produtivo e o governo, pode contribuir ainda mais para o aprimoramento e fortalecimento do nosso ecossistema de inovação, a fim de ampliarmos cada vez mais o investimento privado em P&D no Brasil?

Paulo Nigro – Recentemente, tive reuniões com a aceleradora de inovação israelense SOSA graças à parceria realizada com a CNI e confesso que fiquei impressionado com o tipo de interação que vivi e com o grande potencial de alavancagem que esta união pode nos proporcionar. Muitas vezes, as indústrias e startups brasileiras têm dificuldades de serem inseridas no eixo de desenvolvimento global, e parcerias como esta permitirão acesso a novos ecossistemas de inovação, aumentando nossa exposição a hubs de tecnologia de primeira linha com suas tecnologias disruptivas que, muitas vezes, são complementares às nossas, aumentando assim, nossa vantagem competitiva.

São parcerias visionárias como estas que a MEI deve continuar buscando pois, assim, teremos mais chances de fecharmos o gap tecnológico que está se abrindo entre nós brasileiros e o resto do mundo. Logicamente, sem perder de vista o valiosíssimo papel desempenhado pela MEI em engajar os líderes empresariais para estimular a agenda inovadora das empresas brasileiras e ampliar a efetividade das políticas públicas de estímulo à inovação de uma forma construtiva, porém firme e determinada, na busca da cooperação e do bom senso entre iniciativa pública e privada e a academia científica nacional e global.  

InforMEI – A GranBio foi criada com o propósito de “Mudar o Mundo para Melhor”. Como tem sido essa caminhada até aqui e quais as perspectivas para o futuro no cenário ainda sob os fortes impactos da pandemia?

Paulo Nigro – A GranBio é um exemplo de empresa brasileira formada por um grupo de pessoas muito capazes e apaixonadas. Agora que estou deixando a função executiva e retornando ao Conselho de Administração, fico ainda mais à vontade para dizer que é um projeto maravilhoso, orgulho nacional e que merece toda atenção e espaço dos mais diversos stakeholders, seja da iniciativa pública como da comunidade financeira, para que possa ser acelerada globalmente. Insisto em dizer que algumas iniciativas disruptivas brasileiras, exemplos do tão falado ESG, sendo a GranBio uma delas, deveriam ser encaradas por bancos de fomento, ministérios e até mesmo pela alta cúpula do Executivo, como ativos brasileiros, para que possam ajudar a fazer deslanchar e colaborar efetivamente para mudar nosso país – e este mundo – para melhor.