InforMEI - Em sua opinião, o mundo está passando por uma reorganização das cadeias globais de valor? Por quê?

Marina Willisch – Sim. Primeiro, com a crise de 2020 e, mais recentemente, com a Guerra entre Rússia e Ucrânia, acompanhamos um grande impacto na cadeia global de valor, que segue em curso. Ambas as crises evidenciaram os riscos de se depender de poucas fontes na logística internacional, levando a uma reavaliação do modelo e da dinâmica do comércio exterior nesse novo cenário global.

Como principal consequência, começaram a ser repensadas a expansão da globalização e a dependência de importações de maior intensidade tecnológica por parte de alguns países. Acredito que há uma tendência de revisão dessas cadeias, incluindo o movimento de buscar parceiros confiáveis e diversos para, assim, diminuir a dependência de um único país ou mercado.

Claro que a importação continuará existindo, mas vejo muita analogia a um pêndulo, em que os extremos (excesso de nacionalização ou extrema dependência de importação) são temporários. Com o tempo, haverá busca pelo equilíbrio e sustentabilidade nessas relações.

InforMEI - Essa reorganização de cadeias globais de valor pode beneficiar o Brasil? Como? Por quê?

Marina Willisch - Com certeza. Historicamente, o Brasil é reconhecido como um país amigo, confiável, com um sistema financeiro sólido e seguro, e que respeita seus contratos. O país já desempenha bem em exportações primárias. Agora é o momento para rever acordos e relações comerciais, aproveitando-se do atual movimento em busca de diversificação das cadeias. Nesse contexto, temos maior possibilidade de inserir o Brasil e atrair mais investimentos, gerar empregos de maior qualidade e melhor remuneração, trazendo mais desenvolvimento econômico e social. É uma relação ganha-ganha para todos e que trará mais sustentabilidade e resiliência para as cadeias diante de novos desafios, como os que enfrentamos recentemente.

InforMEI - O que o Brasil precisa fazer para se inserir de uma maneira definitiva nas cadeias globais de valor?

Marina Willisch - Primeiramente, é necessário estudar e entender o que o mundo quer comprar. Depois, é necessário escolher, dentre essas necessidades, no que o país irá investir para ser bom e ter competitividade nesses segmentos. Participar das cadeias globais de valor passa, necessariamente, por aumentar a maturidade e a sofisticação da indústria nacional. Para tanto, ter foco é o primeiro passo para lidar com outras demandas subsequentes, como digitalização e integração dos processos, produtividade e, especialmente, políticas que fomentem a Pesquisa & Desenvolvimento. Uma agenda nacional para acelerar a inovação, tanto na produção, como na gestão, é extremamente necessária nesse sentido.

Não há bala de prata, mas, sim, um conjunto de esforços que passam pelas macro e microrreformas discutidas há anos no país, e que endereçariam diretamente o famoso Custo Brasil, especialmente decorrentes pelo atual hiper complexo sistema tributário, trabalhista, e pelo déficit logístico. Por fim, previsibilidade e estabilidade são essenciais para atrair investimentos necessários em inovação e infraestrutura.

InforMEI - O que poderia ser um diferencial brasileiro para agregar mais valor ao seu produto e conseguir manter o seu produto no mercado internacional?

Marina Willisch - Um exercício essencial é o “deep localization”, ou seja, localizar não apenas o seu fornecedor principal, mas entender o que é importante para ele e encontrar, também, quais são os demais fornecedores de seus itens estratégicos. Ou seja, olhar a localização de toda a cadeia. Isso traz os investimentos se de fato conseguirmos criar um ambiente de produção mais favorável localmente, com mais vantagens e margens para todos os elos.

Outro ponto é pensar políticas públicas que nos garantam escala, onde se ganha em eficiência e em custo. Ninguém vai comprar um produto de mesma qualidade, mas de maior custo, só porque está perto. E, por que alguns países com sistemas e sociedades similares ao nosso, como México e Coreia, têm melhor custo? Não é por conta de seus mercados consumidores, mas porque eles pensaram no “deep localization”, com muitos fornecedores locais, e numa escala internacional. O que é produzido também pode ser exportado. Temos que olhar para dentro e investir naqueles produtos e serviços que possuem mercado lá fora.

Novamente, também é importante entender quais produtos o mercado global quer e precisa comprar, para além das commodities e produtos primários, e quais temos talento e potencial de exportar. Aí entram as políticas públicas, dando estímulos de forma estratégica para que se desenvolvam de forma competitiva para o mercado internacional.

InforMEI - O que atrapalha o Brasil na inserção dos produtos no mercado global e na exportação como um todo? O que ainda deixa o Brasil como um “ambiente hostil” para a inovação, industrialização e exportação de produtos?

Marina Willisch - Um dos principais gargalos é que exportamos tributos. Um produto exportado pelo Brasil carrega um resíduo tributário elevado. Um carro, por exemplo, carrega, em média, de 5 a 10% de tributo na exportação, em que não incide nem ICMS, PIS, Cofins e IPI. Isso é resíduo de exportação da cadeia toda, que é muito longa. Um consumidor chileno, por exemplo, não vai comprar um produto brasileiro com um resíduo tributário elevado, se ele pode comprar o mesmo produto do México, que tem apenas 0,2% de resíduo, ou da China com no máximo 2%. Esse tipo de coisa tem que ser repensada. Também precisamos investir mais em P&D, fomentar as etapas de criação, de planejamento e desenvolvimento de novos produtos com maior valor agregado.

InforMEI - Sustentabilidade e eficiência energética podem ser caminhos para o Brasil neste ambiente de cadeia global de valores?

Marina Willisch - Certamente ajudam e são importantes. Não haverá espaço ou mercado para produtos e países que não cumpram a pauta ESG.

E isso pode ser um diferencial do país nesse momento de reorganização das cadeias, ao investir em produção sustentável, com baixos índices de emissão de CO², aproveitando nossa matriz energética majoritariamente renovável. Nós temos que aprender a usar essa matriz limpa e todo o potencial de energia renovável como uma ferramenta para melhorar a nossa competitividade internacional e entender a importância de se ter um custo de energia competitivo. Agregando investimentos em P&D com foco em sustentabilidade, que também combinem com redução de custo, prazos, peso, entre outros, teremos grande diferencial competitivo na cadeia global de valor.

No caso da GM, se olharmos para o ciclo de vida da nossa indústria e do nosso produto, sabemos que boa parte das emissões – e, portanto, da energia que está por trás das emissões – está no veículo, na cadeia de suprimentos e na manufatura, nessa ordem de prioridade. Por isso, a GM escolheu o caminho disruptivo da inovação, que levará à eletrificação, buscando suprir toda a nossa manufatura com energia renovável. Estabelecemos a meta de que 100% das nossas operações, até 2035, vão estar supridas por energia renovável e de baixíssima emissão.

InforMEI - Os carros elétricos poderiam ser um exemplo de produto que pode ser produzido no Brasil e ganhar o mercado global?

Marina Willisch - Sem dúvidas. O futuro da mobilidade é elétrico. Esse é o produto que o mundo quer comprar. E não cito apenas mercados como o europeu ou americano. Vemos países da América do Sul, como o Chile, já discutindo políticas com foco em eletrificação, por serem carros sustentáveis, sem emissão de gases poluentes. Os elétricos são a base dos carros autônomos, que trarão ainda maior segurança veicular. Ainda são produtos exportados mais facilmente, pois não temos que cumprir regras de emissões, já que o veículo é zero emissão. Um carro a combustão requer calibragem diferente para cada país, adaptada ao combustível de cada região, o que gera complexidade, tempo e altos custos.

Nesse contexto, a GM está liderando o movimento global rumo à descarbonização e eletrificação da indústria automotiva. E acreditamos que o Brasil e a América do Sul têm grande potencial para se tornar um dos principais polos de tecnologia para veículos elétricos. A região possui as maiores reservas de minerais do mundo, fundamentais para a confecção das baterias, além de termos ainda uma engenheira criativa e um parque industrial altamente capacitado. Outro fator importante é o tamanho e perfil do mercado consumidor, que tem mostrado muito interesse por toda a inovação e os benefícios que trazem os carros elétricos. Por isso, temos toda a capacidade para ocupar um lugar de destaque no desenvolvimento, produção e exportação de veículos, e tecnologias elétricas.

Mas sabemos que esse caminho ainda é longo e precisa envolver todos os stakeholders: indústria, fornecedores, setores de mineração e energia, consumidores, governo etc. O engajamento e a união de todos serão fundamentais, e essa será outra grande oportunidade de inserir o Brasil nas cadeias globais de valor.