Crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento

por Guilherme de Almeida Costa

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EDIÇÃO 25 - NOVEMBRO 2023
imagem de mãos de uma pessoa apontando para um notebook com uma caneta

 

Medida Provisória sobre crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico. Majoração da carga tributária. Aumento da complexidade do sistema. Insegurança jurídica.

I- Contexto

1- Trata-se de análise jurídica da Medida Provisória 1.185/2023, que dispõe sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico.

 

II- Análise

II.II- ASPECTOS FORMAIS

2- Em que pese se possa questionar se matéria atende aos critérios de urgência para a edição de medida provisória, a MPV aparentemente está em consonância com as regras do artigo 62 da Constituição Federal, vez que não trata de matérias cuja disciplina em MPV é vedada (artigo 62, § 1º), bem como respeita, na data em que elaborado este parecer, a anterioridade de exercício (IRPJ) e nonagesimal (CSLL, PIS e COFINS) prevista no artigo 62, § 2º e nos artigos 150, inciso III, alínea “b”, e 195, § 6º, da Constituição Federal (sendo necessário rever esses pontos quando de eventual conversão da MPV em lei).

 

3- Assim, conclui-se pela regularidade formal da MPV analisada.

 

II.II- ASPECTOS MATERIAIS

 

4- A MPV 1.185 revogou a disciplina do tratamento fiscal dado às subvenções e instituiu novas regras que impõem a tributação plena das subvenções e possibilitam a concessão de “crédito fiscal de subvenções para investimento” (“crédito fiscal”), passível de ressarcimento ou compensação. Para análise da MPV, segue a descrição artigo por artigo, bem como comentários sobre pontos de destaque.

 

5- Considerando que a MPV revoga a sistemática anteriormente vigente, é interessante começar a análise pelo seu artigo 15, que justamente, revoga os seguintes dispositivos: (i) § 2º do artigo 38 do Decreto-Lei nº 1.598/77; (ii) inciso X do § 3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002; (iii) inciso IX do § 3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003; e (iv) artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

 

6- Tais dispositivos previam a não tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS das receitas decorrentes de subvenções, atendidas determinadas condições.

 

7- Conforme interpretação do STJ no Tema 1182 (Benefícios fiscais relacionados ao ICMS, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros) e no julgamento do EREsp nº 1.517.492/PR (créditos presumidos de ICMS), especialmente para fins da tributação de subvenções do ICMS pelo IRPJ e CSLL, esses dispositivos se aplicavam independentemente do tipo da subvenção (investimento ou custeio), bastando que fossem atendidos os requisitos dos artigos 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e 30 da Lei nº 12.973/2014, resumidamente, o registro do respectivo valor em reserva de incentivos fiscais, bem como que não fossem objeto de distribuição aos sócios.

 

8- Como já dito, com as novas regras da MPV em análise as receitas de subvenção passam a ser tributadas plenamente por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Por sua vez, o crédito fiscal concedido, restrito apenas a receitas de subvenção para investimento (ou seja, sem englobar as chamadas subvenções para custeio), terá como multiplicador apenas a alíquota do IRPJ, conforme detalhado mais adiante. Trata-se de um aumento da carga tributária.

 

9- O artigo 1º da MPV dispõe que a pessoa jurídica tributada pelo lucro real e que receber subvenção para implantar ou expandir empreendimento econômico de entes políticos de qualquer esfera poderá apurar o crédito fiscal de subvenção para investimento (neste texto referido apenas como “crédito fiscal”).

 

10- O artigo 2º apresenta a definição dos seguintes termos: (i) implantação; (ii) expansão; e (iii) crédito fiscal de subvenção para investimento.

 

11- Para poder se beneficiar do crédito fiscal, o contribuinte deverá se habilitar perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (artigo 3º), observando os seguintes requisitos (artigo 4º): (i) pessoa jurídica beneficiária de subvenção para investimento concedida por ente federativo; (ii) ato concessivo da subvenção anterior à data de implantação ou de expansão do empreendimento econômico; e (iii) ato concessivo da subvenção que estabeleça, expressamente, as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.

 

12- Tais requisitos devem ser observados para o deferimento da habilitação, bem como sua superveniente ausência dará ensejo ao cancelamento de habilitação anteriormente deferida (artigo 5º).

 

13- Os artigos 6º a 8º da MPV tratam da apuração do crédito fiscal.

 

14- Como já mencionado, o crédito fiscal corresponderá ao produto das receitas de subvenção e da alíquota do IRPJ, inclusive a alíquota adicional, vigentes no período em que as receitas forem reconhecidas, e serão apurados na ECF relativa ao ano-calendário de reconhecimento das receitas de subvenção (artigo 6º).

 

15- Ou seja, considerando esta vinculação da apuração do crédito fiscal à ECF do ano-calendário do reconhecimento das receitas, na prática o crédito fiscal somente poderá ser aproveitado no ano subsequente, vez que, conforme o artigo 3º da IN/RFB nº 2.004/2021, o prazo para a entrega da ECF é o “último dia útil do mês de julho do ano seguinte ao ano-calendário a que se refira”.

 

16- As receitas de subvenção que poderão ser computadas para a apuração do crédito fiscal devem estar relacionadas com a implantação ou a expansão do empreendimento econômico e serem reconhecidas após (i) a conclusão da respectiva implantação ou expansão; e (ii) o protocolo do pedido de habilitação da pessoa jurídica (artigo 7º).

 

17- Ou seja, só gerará crédito fiscal a parcela dos incentivos fiscais utilizada na implantação ou expansão dos empreendimentos econômicos, bem como após a conclusão do investimento, de modo que o contribuinte terá que incorrer no custo total do investimento, com a subvenção recebida plenamente tributada, para apenas depois poder apurar o crédito fiscal.

 

18- Não poderão ser computadas na apuração do crédito fiscal (artigo 8º): (i) as receitas não relacionadas com as despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; (ii) a parcela das receitas que superar o valor das despesas de depreciação, amortização ou exaustão acima referidas; (iii) a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas pelo ente federativo; (iv) as receitas que não tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL; (v) as receitas decorrentes de incentivos do IRPJ e do próprio crédito fiscal de subvenção para investimento; e (vi) as receitas reconhecidas após 31 de dezembro de 2028.

 

19- Os artigos 9º a 12 disciplinam a utilização do crédito fiscal.

 

20- O crédito fiscal poderá ser objeto de compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, da pessoa jurídica, de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, ou de ressarcimento em dinheiro (artigo 9º).

 

21- A declaração de compensação ou o pedido de ressarcimento serão recepcionados após a entrega da ECF em que demonstrado o direito creditório e a partir do ano-calendário seguinte ao do reconhecimento das receitas de subvenção (artigo 10). Além disso, na hipótese de ressarcimento, este ocorrerá no 48º mês contado do pedido.

 

22- O crédito fiscal não integrará as bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS (artigo 11), ou seja, não haverá nova tributação do próprio crédito fiscal. Caso em desacordo com as regras da MPV, o crédito fiscal não será reconhecido (artigo 12).

 

23- Em disposições finais, a MPV prevê que a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil poderá disciplinar o disposto na MPV, bem como realizará avaliação periódica do incentivo fiscal (artigo 13).

 

24- Conforme o artigo 14, os valores das reservas constituídos sob a sistemática anterior deverão ser obrigatoriamente mantidos, caso contrário, serão tributados.

 

25- Tal como já previam as regras anteriores, os valores registrados em reserva constituída nos termos dos artigos 195-A da Lei nº 6.404/76, 30 da Lei nº 12.973/2014 e 38, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77, somente poderão ser utilizados para: (i) absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais reservas de lucros, com exceção da reserva legal, bem como a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes; ou (ii) aumento do capital social.

 

26- Ainda, haverá tributação dos valores da mencionada reserva caso tenham destinação diversa da prevista, inclusive nas hipóteses de: “I - capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos; II - restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos cinco anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou III - integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios”

 

27- Por último, o artigo 16 prevê a produção de efeitos da MPV a partir de 01/01/2024, observando-se o princípio da anterioridade.

 

28- Ademais, importante notar que a MPV não especifica os tipos de benefícios fiscais atingidos pela disciplina, podendo-se entender que os novos regramentos se aplicam tanto a subvenções concedidas mediante créditos presumidos (cuja interpretação, na sistemática anterior, já havia sido fixada pelo STJ no julgamento do EREsp nº 1.517.492/PR, que excluiu a tributação dos créditos presumidos de ICMS por  IRPJ e CSLL em razão de violação ao pacto federativo), bem como a subvenções concedidas mediante demais incentivos (cuja interpretação, na sistemática anterior, já havia sido fixada pelo STJ no julgamento do Tema nº 1182, que excluiu a tributação desses incentivos de ICMS por IRPJ e CSLL, desde que cumpridos os requisitos dos artigos 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e 30 da Lei nº 12.973/2014)

 

29- De qualquer forma, pelo fato de ter sido revogada a sistemática anterior e estabelecidas novas regras para a tributação das subvenções, tal discussão certamente será reaberta perante os tribunais, prejudicando a segurança jurídica.

 

30- Feitos os comentários acima, entende-se que a MPV 1.185, em que pese sem óbices materiais para as disposições que veicula, impõe tributação mais severa das subvenções quando comparada com o regime anterior, ora revogado.

 

31- Percebem-se (i) majoração da carga, com a tributação plena desses valores de subvenção por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; (ii) restrições de acesso, temporal e quantitativa ao crédito fiscal proposto, que exclui as subvenções de custeio, somente atingirá receitas reconhecidas até 2028 e aplica apenas a alíquota do IRPJ para sua apuração; (iii) aumento da complexidade burocrática do sistema, com a implementação de crédito fiscal somente disponível após o cumprimento de habilitação e pedidos de compensação ou ressarcimento, sem contar o efeito temporal decorrente da exigência de registro da receita de subvenções na ECF e a necessidade de conclusão do empreendimento (ou de sua expansão); e, por fim, (iv) insegurança jurídica, por se reabrir possibilidade de questionamentos judiciais sobre o tema que havia sido recentemente pacificado pelo STJ.

 

III - Conclusão

 

32- Do exposto, em que pese não se verificar irregularidade formal da MPV ou impedimentos jurídicos para suas disposições, sugere-se o não apoio ao seu texto ante: (i) a majoração da carga tributária, com a tributação plena dos valores de subvenção por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; (ii) as restrições de acesso, temporal e quantitativa ao crédito fiscal proposto, que exclui as subvenções de custeio, somente atingirá as receitas reconhecidas até 2028 e aplica apenas a alíquota do IRPJ para sua apuração; (iii) a complexidade burocrática do sistema, com a implementação de crédito fiscal somente disponível após o cumprimento de habilitação e pedidos de compensação ou ressarcimento, sem contar o efeito temporal decorrente da exigência de registro da receita de subvenções na ECF e a necessidade de conclusão do empreendimento (ou de sua expansão), e, por fim, (iv) a insegurança jurídica, por se reabrir possibilidade de questionamentos judiciais sobre o tema que havia sido recentemente pacificado pelo STJ.

 

33- Sugere-se, portanto, o não apoio da CNI à MPV em análise, sem prejuízo de se rever o assunto por ocasião de eventuais emendas que aperfeiçoem o texto proposto.

 

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Guilherme de Almeida Costa é advogado da CNI

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