Acesso gratuito à Justiça do Trabalho

Por Deborah Cabral Siqueira de Souza

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EDIÇÃO 22 - ABRIL 2023
imagem de um malhete de juiz representando acesso gratuito à Justiça do Trabalho

 

1. A reforma trabalhista, ao dispor sobre os benefícios da justiça gratuita, trouxe mais equilíbrio processual, razoabilidade e responsabilidade, com mais atenção ao princípio da isonomia, reduzindo as aventuras processuais, os pedidos oportunistas e deixa de incentivar os litígios carentes de fundamento sólido. 2. O deferimento de pedido de gratuidade fica condicionado à comprovação do percebimento de salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 3. O PL não merece apoio, eis que defende a mera declaração por parte do trabalhador, isentando-o, via de consequência, do pagamento de honorários sucumbenciais e periciais.

I- Contexto

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PL) 134/23, que altera dispositivos da CLT para dispor sobre os benefícios da justiça gratuita no âmbito da Justiça do Trabalho, que passariam a ter a seguinte redação:

“Art. 790...

§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária da justiça gratuita.

Art.791-A...

§ 3º O beneficiário da justiça gratuita não será condenado ao pagamento de honorários de sucumbência.

2-  Ademais, o PL propõe a revogação do § 4º do art. 790, do § 4º do art. 790-B e do § 4º do art. 791-A, todos da CLT.

II- Análise

II.I- ASPECTOS FORMAIS

3- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa do Presidente da República (CF, Art. 61 e § 1º).

4- No aspecto federativo, a proposição tem curso no Congresso Nacional, ambiente parlamentar adequado. Também está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança /alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (CF, Art. 22, I).

II.II- ASPECTOS MATERIAIS

5- O PL pretende restabelecer a redação dos dispositivos da CLT antes da reforma trabalhista, com o fito de facilitar o acesso do trabalhador aos benefícios da justiça gratuita, argumentando que “qualquer crédito percebido pelo trabalhador na justiça responde hoje pela verba advocatícia, aniquilando o direito à gratuidade da justiça.” Ainda propõe a alteração do valor limite para reconhecimento do benefício, ao dobro do mínimo legal ou àqueles que declararem que não tem condições de pagar as custas no processo.

6- A Reforma Trabalhista que entrou em vigor em novembro de 2017 trouxe a obrigatoriedade de pagamento de honorários de sucumbência e honorários periciais, para ambas as partes, desde que sejam sucumbentes. A reforma também determinou que o benefício da justiça gratuita seria conferido àqueles que percebessem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social e à parte que comprovasse insuficiência de recursos para pagamento de custas.

7- O primeiro ponto a ser destacado é que o STF, no julgamento da ADI 5766, declarou inconstitucionais a parte final do caput e o § 4º do artigo 790-B e o § 4º do artigo 791-A, da CLT:

"Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro LUIZ FUX, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por maioria, acordam em julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos termos do voto do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros ROBERTO BARROSO (Relator), LUIZ FUX (Presidente), NUNES MARQUES e GILMAR MENDES. E acordam, por maioria, em julgar improcedente a ação no tocante ao art. 844, § 2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os Ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER.”

8- A discussão pelo STF foi primeiro ao artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º), que responsabiliza a parte vencida pelo pagamento de honorários periciais, ainda que seja beneficiária da justiça gratuita. O outro dispositivo discutido foi o artigo 791-A, parágrafo 4º, da CLT, que considera devidos os honorários advocatícios de sucumbência sempre que o beneficiário de justiça gratuita tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, ambos objetos de alteração através do PL, ora em análise.

9- O assunto foi questionado via embargos declaratórios, sendo que o STF esclareceu ter declarado inconstitucionais os artigos 790-B, caput e § 4º, e o artigo 791-A, § 4º, da CLT, nos seguintes termos:

“Todavia, não se verifica a existência de quaisquer das deficiências em questão, pois o acórdão embargado enfrentou e decidiu, de maneira integral e com fundamentação suficiente, toda a controvérsia veiculada na inicial.

Veja-se que, em relação aos arts. 790-B, caput e § 4º, e 79-A, § 4º, da CLT, parcela da Ação Direta em relação a qual a compreensão majoritária da CORTE foi pela PROCEDÊNCIA, há perfeita congruência com o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República (doc. 1, pág. 71- 72), assim redigido:

‘Requer que, ao final, seja julgado procedente o pedido, para declarar inconstitucionalidade das seguintes normas, todas introduzidas pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017: a) da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, do caput, e do § 4 o do art. 790-B da CLT; b) da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa,” do § 4 o do art. 791-A da CLT; c) da expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita,” do § 2 o do art. 844 da CLT.’

Assim, seria estranho ao objeto do julgamento tratar a constitucionalidade do texto restante do caput do art. 790-B e do § 4º do art. 791-A, da CLT. Mesmo os Ministros que votaram pela procedência total do pedido – Ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER – declararam a inconstitucionalidade desses dispositivos na mesma extensão que consta da conclusão do acórdão.”

10- Contudo, em relação à cobrança de custas caso o trabalhador falte à audiência inaugural sem apresentar justificativa legal no prazo de 15 dias (artigo 844, § 2º, da CLT), o STF entendeu que a norma é constitucional e se trata apenas de mais um requisito para a gratuidade judicial. Ainda não houve modulação desta decisão, sendo assim, é necessário aguardar novo posicionamento do STF, neste sentido.

11- A Diretoria Jurídica da CNI, por sua vez, já se manifestou a respeito do assunto, pelo não apoio de alteração relacionada à gratuidade de justiça e ao pagamento de honorários periciais ao analisar o PL 1.885/21, conforme trecho a seguir transcrito:

“8. O projeto de lei busca alterar as premissas estabelecidas pela Lei nº 13.467/17 no que se refere ao pagamento dos honorários periciais. Em apertada síntese, as mudanças são as seguintes: a) permite que o juiz estabeleça valores superiores aos limites postos pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho; b) permite a antecipação de 50% do valor arbitrado e o pagamento do restante após entrega do laudo (o adiantamento dos valores era vetado e deveria ser pago ao final do processo); c) reduz hipóteses em que o beneficiário da justiça gratuita era obrigado a pagar e d) e dispõe que o pagamento da verba honorária com recursos vinculados ao custeio da gratuidade da justiça, nos casos de processos extintos com resolução de mérito por conciliação, só poderá ocorrer mediante solicitação justificada do magistrado responsável ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho.

9. O projeto de lei dispõe que a antecipação dos honorários periciais devidos pelo será custeada pelos recursos beneficiário da gratuidade de justiça vinculados ao custeio da assistência judiciária gratuita. Note-se que ao não dispor sobre eventual compensação deste adiantamento, acaba por isentar o beneficiário da justiça gratuita do pagamento.

10. As alterações da Lei nº 13.467/17 em relação ao pagamento dos honorários periciais, inclusive pelos beneficiários da gratuidade de justiça, fizeram parte de um plexo normativo com objetivo de proceder uma melhor e maior divisão da sucumbência e custos do processo trabalhista.

10.1. Até o advento da Lei nº 13.467/17, quase que na totalidade das demandas ajuizadas pelos trabalhadores havia o deferimento da gratuidade de justiça e a isenção do pagamento dos honorários periciais. Quando sucumbiam ¿ ainda que parcialmente-, não suportavam quaisquer ônus. Este fato permitia toda sorte de aventuras processuais e pedidos sem qualquer fundamento ¿ inclusive aqueles que demandavam prova técnica.

10.2. A inovação trazida com a lei trouxe mais equilíbrio processual, razoabilidade e responsabilidade, com mais atenção ao princípio da isonomia. Desta forma, reduziu sobremaneira as aventuras processuais, os pedidos oportunistas e deixa de incentivar os litígios carentes de fundamento sólido.

10.3. Nem se diga que tal medida impede o acesso à justiça, já que este direito - assim como qualquer outro - não é absoluto e deve ser balizado por outras garantias fundamentais, como o da duração razoável do processo, violado sempre que há propositura de demandas sem fundamentos. Da mesma forma, valoriza a boa-fé, a lealdade e a ética processual.

10.4. O que se buscou com a reforma trabalhista, neste aspecto, foi coibir o ajuizamento de ações ou pedidos temerários, responsabilizando o reclamante pelo pagamento de honorários periciais em razão da lide temerária, tornando-o responsável por assumir os riscos de uma demanda infundada.

10.5. Como se não bastasse, os honorários poderão ser pagos abatendo-se os valores auferidos na reclamação trabalhista. Considerando que os ganhos do reclamante nas ações trabalhistas são bem superiores às despesas, não há que se falar em insuficiência de recursos, ou mesmo que tal montante se refere a parcela alimentar - lembrando-se que para o perito, seus honorários também trazem a natureza alimentar.

10.6. Este sistema, vale dizer, se coaduna com o princípio da boa-fé processual. Quem dá causa a processo indevidamente deve arcar com os custos de sua conduta.

11. O acréscimo feito ao parágrafo 1º do artigo 790/B da CLT o tornou confuso e contraditório, trazendo insegurança jurídica.

11.1. Conforme redação atual, o valor dos honorários advocatícios deverá respeitar os limites do CSJT (conforme redação atual). Não obstante, o parlamentar sugere acréscimo no sentido de permitir que este valor possa ser fixado a maior. Ora, no primeiro momento impõe uma obrigação e, em seguida, dispõe que esta obrigação não precisa ser seguida. Da forma como se apresenta, a redação viola o artigo 11, II, ’a’ da Lei Complementar nº 95/98 que determina que as disposições normativas deverão ser articuladas de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma.

11.2. Ademais, ao estabelecer o valor máximo para os honorários, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho não desconsiderou a complexidade exigida pelo trabalho do perito; seu nível de especialização e o grau de zelo que deve ter o profissional.

12. Por fim a proposta que permite a antecipação de 50% dos honorários periciais.

12.1. A antecipação de honorários para realização da perícia não encontra respaldo lógico, ferindo o princípio da ampla defesa, pois o caput do artigo 790-B da CLT, não alterado, estabelece ser da parte sucumbente a obrigação pelo pagamento dos honorários periciais - e só se saberá quem será sucumbente após sua realização.

12.2. Como se não bastasse, a sugestão parlamentar traz equívoco na redação, trazendo insegurança jurídica. Assevera que o restante devido deverá ser pago após a entrega do laudo e da prestação dos esclarecimentos necessários (que são feitos após a impugnação do laudo - artigo 477 do CPC).

12.3. Ou se paga após a entrega do laudo, ou se paga após os esclarecimentos - que nem sempre são solicitados.”

12- O parecer reforça a ideia defendida pela CNI de que a reforma trabalhista, ao dispor sobre os benefícios da justiça gratuita, trouxe mais equilíbrio processual, razoabilidade e responsabilidade, com mais atenção ao princípio da isonomia. Desta forma, reduziu sobremaneira as aventuras processuais, os pedidos oportunistas e deixa de incentivar os litígios carentes de fundamento sólido.

13- As regras alteradas dão mais segurança ao deferimento da justiça gratuita (a quem, de fato, não tem como arcar com as despesas do processo) e permitem uma razoabilidade maior na divisão da sucumbência do processo trabalhista. Isso porque a prática recorrente é do deferimento irrefletido do benefício a todos reclamantes, resultando numa sucumbência sempre unilateral (apenas o reclamado arca com as eventuais despesas).

14- A CNI, inclusive, participa, na condição de amicus curiae, na ADC 80, movida pela CONSIF, em que se discutem os parâmetros mínimos de aferição de hipossuficiência econômica que deverão ser observados pelos juízos trabalhistas para o deferimento da gratuidade de justiça aos reclamantes no processo do trabalho (§§ 3º e 4º do art. 790 da CLT), com a seguinte posição:

“Em síntese, as novas regras para a concessão da gratuidade de justiça no processo do trabalho trazem parâmetros razoáveis para a fixação da miserabilidade, inibindo demandas abusivas. Ademais, garantem isonomia entre as partes e maior estabilidade nas relações, coadunando-se com a regra constitucional de garantia aos necessitados da assistência integral.”

15- Por tais razões, considerando que a CNI defende o deferimento de pedido de gratuidade, condicionado à comprovação, do percebimento de salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o PL não merece apoio, eis que defende, sob o argumento de “facilitação”, a concessão irrestrita da gratuidade, alterando a exigência de comprovação, pela mera declaração do trabalhador, independentemente do valor salarial recebido.

16- Via de consequência, declarada a gratuidade, o trabalhador, de acordo como PL em análise, ficaria isento do pagamento de honorários sucumbências e periciais, o que não pode ser aceito, por todas as razões postas no presente parecer.

 

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Deborah Cabral Siqueira de Souza é advogada da CNI

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