Dedução do lucro tributável das pessoas jurídicas para contratação e qualificação de jovens ou desempregados

Por Fabiano Lima Pereira

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EDIÇÃO 19 - SETEMBRO 2022
imagem de pessoas e interrogações representando dedução do lucro tributável das pessoas jurídicas

I- Objeto

 

1-Trata-se análise jurídica do Projeto de Lei 2.369/22 (PL), que dispõe sobre a dedução, do lucro tributável para fins de imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, dos encargos correspondentes à contratação e qualificação de jovens ou desempregados de longa duração para atuar nas áreas que especifica.

2-Eis o seu inteiro teor:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a dedução, do lucro tributável para fins de imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, os encargos correspondentes à contratação e qualificação de jovens ou desempregados de longa duração para atuar nas áreas que especifica.

Art. 2º As pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de apuração do imposto sobre a renda os encargos correspondentes à contratação e qualificação de jovens ou desempregados de longa duração para atuar na área de condutor de processos robotizados, pesquisa de engenharia e tecnologia, implementação de processos robotizados, analista de tecnologia da informação, tecnologias 3D e demais profissões tecnológicas, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado.

§ 1º Para efeitos do disposto no caput, consideram-se:

I – Jovens: os trabalhadores com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade, aferida na data da celebração do contrato de trabalho;

II - Desempregados de longa duração: trabalhadores que ficaram desempregados de forma involuntária há mais de 12 meses e se encontram inscritos no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED);

III - Encargos: os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade e a título de qualificação profissional.

§ 2º As despesas não deduzidas no exercício financeiro correspondente serem transferidas para dedução nos três exercícios financeiros subsequentes.

§ 3º O regime previsto no caput só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal.

§ 4º Serão considerados o total do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.

§ 5º A dedução aplica-se durante um período de três anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos em outros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

§ 6º Após o término do período de três anos o trabalhador contratado nos termos desta Lei deverá permanecer na empresa contratante por mais dois anos.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor em 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua publicação.

3-A justificativa da proposta, em resumo, diz o seguinte: “O objetivo desse Projeto de Lei é contribuir para a formação de novas gerações de trabalhadores voltados as profissões do futuro com base nas necessidades da indústria brasileira inserida no novo conceito de Indústria 4.0.”

 

II- Análise

 

Aspectos formais: iniciativa legislativa legítima e adequação do processo legislativo

4-Inicialmente, sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (CF, Art. 61 e § 1º).

5-Doutro lado, no aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (CF, Art. 24, I, 150, § 6º).

Aspectos materiais: benefício compatível com o postulado constitucional da isonomia - Sem óbices jurídicos - Caso verificada conveniência política ao apoio

6-Sem quebra de respeito a eventuais entendimentos contrários, creio que o projeto não contempla uma inconstitucionalidade flagrante por ofensa ao postulado da isonomia.

7-A meu ver, além de promover vantagens fiscais àqueles que contratem jovens e/ou “desempregados de longa duração” (desemprego involuntário há mais de 12 meses), o PL contempla uma espécie de incentivo empregatício-social àqueles que, em tempos de crise econômico-financeira, estão em dificuldade para ingresso no particular mercado de trabalho especificado no PL (universo da chamada “indústria 4.0”).

7.1-Nesse sentido, a proposta em exame pode até representar medida de incentivo à contratação de mão-de-obra ainda inexperiente ou recém-formada. Ora, em regra, quando se busca realizar alguma política compensatória ou afirmativa haverá tangenciamento à igualdade no sentido mais formal, o que pode conduzir à alguma distorção ou discriminação reversa, mas não configura, em si, violência à igualdade material.

8-Nessa linha, ao menos na visão do STF, medidas dessa natureza não tem feição inconstitucional, pois são plenamente harmônicas com o princípio da igualdade material. Dentre muitos julgados, vale destacar a ementa da ADPF 186:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente (ADPF 186, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014).

9-Doutro lado, sob o prisma da conveniência, creio que é preciso considerar que a mão de obra beneficiada pelo incentivo concedido pelo PL pode ser bastante útil ao setor industrial nacional, em especial, em função da adaptabilidade característica da juventude. Por isso, o apoio ao mérito da proposição legislativa parece recomendável, mas a avaliação técnica e político-setorial deve ser colhida – em especial, sobre a aparente estabilidade laboral conferida no § 6º do Art. 2º do PL.

10-Por fim, no tocante à questão do respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, em que pese manifestações anteriores, creio que a simples possibilidade de dedução tributária não pode ser considerada propriamente renúncia de receita para os fins do Art. 14 da LRF, cujo rol do § 1º não a contempla expressamente.

10.1-A autorização legal para dedução é simples técnica utilizada para definição efetiva do tributo devido. No mesmo sentido, não se pode dizer que se trata duma redução "discriminada", pois a alteração proposta visa possibilitar dedução/abatimento de cálculo do tributo a todos aplicável. Vale dizer: trata-se de mera redefinição das possibilidades de formatação final do valor final do tributo devido, o que também não se pode chamar de benefício ou incentivo discriminado gerador de renúncia fiscal.

10.2-Contudo, caso se decida pela conveniência do apoio institucional, a fim de promover viabilidade orçamentário-financeira e evitar vetos, indicar previsão normativa para respeito às regras de responsabilidade fiscal dos Arts. 113 do ADCT e 14 da LRF pode evitar entraves e facilitar o avanço do projeto no campo do processo legislativo. Eis uma mera sugestão:

Art. XXX. O Poder Executivo federal, com vistas ao cumprimento do disposto no inciso II do caput do art. 5º e no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, estimará o montante da renúncia fiscal decorrente do disposto nessa Lei e os incluirá no demonstrativo a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição que acompanhar o projeto de lei orçamentária anual e fará constar das propostas orçamentárias subsequentes os valores relativos à renúncia.

Parágrafo único. Os benefícios fiscais previstos somente serão concedidos se atendido o disposto no caput, inclusive com a demonstração pelo Poder Executivo federal de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12 da Lei Complementar nº 101, de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias.

III - Conclusão

11-Ante o exposto, salvo melhor juízo, não há impedimentos jurídicos, mas o PL merece avaliação técnico-trabalhista e sujeição a exame de conveniência político-setorial.

 

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Fabiano Lima Pereira é advogado da CNI

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