Protocolo de Madri e o papel do INPI nos processos envolvendo registro internacional de marcas de empresas brasileiras

por Leonardo Estrela Borges

parecer.png
EDIÇÃO 4 - OUTUBRO 2018
bannerinpi.png

Objeto 

Trata-se de pedido de análise jurídica sobre a possibilidade de o INPI atuar como autoridade central brasileira nos processos envolvendo registro internacional de marcas, no âmbito do Protocolo de Madri relativo ao Registro Internacional de Marcas, encaminhada nos seguintes termos:

Estamos trabalhando pela adesão do Brasil ao Protocolo de Madri, tratado que facilita o registro de marcas no exterior.

O tratado está na CDEICS da Câmara - PDC 860/2017.

Quase de forma unânime, há consenso sobre a necessidade de ajustes em normas infralegais, como instruções normativas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para que o Brasil se adeque no momento da internalização.

Em relação à necessidade de ajustes na legislação, a situação ainda não está pacificada. O art. 217 da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial - LPI) determina que a pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no País, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações. Ocorre que, via Protocolo de Madri, será possível depositar pedidos de registro de marca no Brasil diretamente do exterior, ou seja, sem constituir um procurador local.

Para a CNI, esse é um dos pontos que facilitaria a inserção das empresas brasileiras no exterior, em razão da redução de custos. Um único procurador (até mesmo o advogado in-house das empresas) poderá fazer a internacionalização da marca brasileira em mais de 100 países. Hoje, há a necessidade de contratar mais de 100 procuradores locais.

Por outro lado, há associações de escritórios de advocacia de propriedade intelectual que temem perder mercado. Entretanto, além do argumento da reserva de mercado que não nos diz respeito, há um ponto que foi trazido pelos advogados e que nos preocupou.

A ausência do procurador constituído no Brasil pode tornar as ações judiciais extremamente morosas, por torná-las dependentes da carta rogatória para citação.

INPI e Organização Mundial da PI (instituição responsável por operacionalizar o Protocolo de Madri) sugerem, como alternativa mais simples que a carta rogatória, que o Instituto se torne um auxiliar do Judiciário, com poderes para efetuar citação, que se daria na forma de uma notificação entre a autarquia brasileira e a organização internacional.

Diante disso, vimos consultar a DJ sobre os seguintes pontos: É possível que o INPI atue como auxiliar do Judiciário com poderes para realizar citações? Qual o fundamento legal? Se sim, quais são e em qual(is) diploma(s) as modificações legislativas necessárias para tanto?

Opinião

2. De fato, há razão no argumento de que as cartas rogatórias tornam um processo judicial mais moroso e muito mais oneroso, uma vez que tais atos devem ser expedidos pelo Judiciário brasileiro para cumprimento por Justiça estrangeira (e vice-versa). O problema se coloca, no caso do Protocolo de Madri, em relação à citação de uma parte que se encontra em país estrangeiro.

3. De início, devemos salientar que mesmo no que se refere às cartas rogatórias, já há diversos exemplos internacionais para tornar o trâmite de tais atos mais ágil e menos custoso. No Mercosul, por exemplo, o Protocolo de Las Leñas1 estabelece que cada Estado Parte indicará uma Autoridade Central encarregada de receber e dar andamento às petições de assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, ou seja, facilitando o trâmite das cartas rogatórias.2 Caminha neste mesmo sentido a Convenção Interamericana sobre cartas rogatórias, que igualmente facilita o processo ao permitir o trâmite diplomático de tais pedidos de cooperação internacional.

4. Este movimento de facilitação da cooperação judiciária internacional foi contemplado pelo novo Código de Processo Civil, que, de modo inovador, adota um capítulo específico sobre o tema (arts. 26 a 41). Destaque-se, nesse sentido, a menção expressa à possibilidade de se adotar qualquer medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira, bem como ao respeito à autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação, caso ela exista. Tal flexibilização na cooperação pode ser comprovada por recente decisão do STJ, ainda que se trate de uma cooperação passiva3:

HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA. CONDENAÇÃO POR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PESSOA JURÍDICA COM SEDE NO BRASIL. CITAÇÃO VIA POSTAL NO PROCESSO ALIENÍGENA. VALIDADE. OBSERVÂNCIA DA LEI LOCAL E DO CONTRATO. PEDIDO DEFERIDO.

1. O cumprimento dos requisitos relativos aos institutos processuais no processo alienígeno deve obedecer as regras locais, daí porque não cabe arguição no sentido de que a citação não se deu nos termos da legislação processual pátria.

2. No caso, a realização do ato citatório no processo estrangeiro via postal está em conformidade com as leis vigentes no Estado em que prolatada a sentença e também de acordo com o pactuado no contrato.

3. Pedido de homologação deferido. STJ, Homologação de Decisão Estrangeira nº 89 - EX (2016/0305869-7) relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura

 

4.1. O relevante em tal decisão é a quebra de posicionamento jurisprudencial pacífico no sentido de não se homologar decisões estrangeiras cuja citação não tenha sido feita por carta rogatória. Percebe-se, em tal decisão, uma profunda mudança no que se entendia até então do processo de cooperação judicial internacional. Como o direito estrangeiro assim permitia, e como havia previsão em contrato, a citação por carta foi considerada legítima, tendo sido resguardados todos os princípios constitucionais processuais, tais como a boa-fé processual, o contraditório e o direito de defesa.

5. Nada impede, portanto, que o INPI atue como autoridade central brasileira nos processos envolvendo registro internacional de marcas, recebendo as cartas rogatórias e promovendo a citação via OMPI. Conforme documento que nos foi encaminhado pela área técnica, a Suíça e o México são exemplos de países que adotam esta prática.

6. Quanto às normas brasileiras a serem alteradas, seria necessário incluir expressamente a possibilidade de o INPI realizar tal função, seja com a alteração da LPI, seja com a alteração da Lei que cria a autarquia (Lei 5.648/1970). Além disso, ainda que o Judiciário brasileiro tenha que ter ciência sobre toda a legislação brasileira em vigor, seria prudente alterar o próprio CPC, estabelecendo cláusula de exceção expressa no que se refere a esta nova função do INPI – isso certamente evitaria erros do STJ na análise de pedidos de cooperação relacionados ao registro de marcas, uma vez que o tema é extremamente específico e destoaria dos demais processos de cooperação.

7. Outra possível alternativa à própria carta rogatória é permitir a citação direta pelo INPI, a exemplo do que o novo CPC estabeleceu em relação aos advogados:

Art. 269. Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo.

§ 1º É facultado aos advogados promover a intimação do advogado da outra parte por meio do correio, juntando aos autos, a seguir, cópia do ofício de intimação e do aviso de recebimento.

7.1. Ainda que a faculdade acima seja atribuída apenas para o caso de intimação processual, não seria absurdo admitir, para o caso especial do registro internacional de marcas, a intervenção de um terceiro para auxiliar o Judiciário no ato de citação processual. Mesmo podendo haver controvérsias doutrinárias se tal ato configuraria típica reserva judicial, não há dúvidas de que o novo CPC adotou a teoria cooperativa do processo, prevendo que todos os sujeitos da relação processual devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Como se trata de um princípio basilar do processo civil contemporâneo, acreditamos ser possível instituir tal função ao INPI, desde que seja feito expressamente por lei, nos mesmos moldes do sugerido no item 6 acima.

 

 

Conclusão

8. Diante do exposto, concluo:

8.1. É possível que INPI atue como auxiliar do Judiciário com poderes para realizar citações? Qual o fundamento legal? Sim, o próprio CPC permite a escolha de uma autoridade central para a prática de atos de cooperação internacional, ou mesmo a possibilidade de o INPI realizar a citação em substituição à carta rogatória.

8.2. Se sim, quais são e em qual (is) diploma (s) as modificações legislativas necessárias para tanto? Seria necessário alterar a Lei de criação do INPI ou a LPI (mais recomendado), e conveniente, mas não obrigatório, alterar o CPC.

9. Por fim, seria interessante provocar a procuradoria do INPI e do Ministério das Relações Exteriores (MRE), para igualmente se manifestarem sobre o tema.

-------

Leonardo Estrela Borges é advogado da CNI

 

_______________
1  Decreto 2.067, de 12 de novembro de 1996. Ver igualmente o Decreto 6.891, de 2 de julho de 2009, que promulga o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile.

2 Decreto 1.899, de 9 de maio de 1996.

3 Isto é, um pedido de cooperação feito pela jurisdição estrangeira para aqui ser cumprido.

 

Receba nosso boletim

* Os campos marcados com asterisco (*) são obrigatórios

CONTEÚDOS RELACIONADOS

parecer.png
EDIÇÃO 4 - OUTUBRO 2018

Análise das atualizações ao marco legal do saneamento básico

capa3.png
ACESSAR
parecer.png
EDIÇÃO 2 - ABRIL 2018

Análise do veto ao programa de regularização tributária das MPEs optantes pelo Simples

boletim1b.png
ACESSAR
parecer.png
EDIÇÃO 3 - JULHO 2018

Primeiras impressões sobre o projeto de lei que pretende alterar a lei de falências

capa3.png
ACESSAR
topo