Revogação da Reforma Trabalhista

por Eduardo Albuquerque Sant’Anna

parecer.png
EDIÇÃO 27 - ABRIL 2024
imagem de uma carteira de trabalho representando revogação da reforma trabalhista

 

Revogação da Reforma Trabalhista. Os efeitos da Reforma de 2017 ainda estão sendo avaliados e discutidos pela sociedade, e inúmeras questões já foram referendadas pelo Supremo. Tais chancelas demonstram a inexistência de violações aos direitos dos trabalhadores e à Constituição.

I- Contexto

1- Trata-se de análise do Projeto de Lei (PL) 5.183/2023, de autoria da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, que pretende revogar aa alterações promovidas na CLT pela Reforma Trabalhista em 2017 (Lei 13.467).

 

II- Análise

2- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa do Presidente da República (artigo 61 e § 1º da Constituição Federal). Não há, portanto, vício formal subjetivo.

 

2.1- No aspecto federativo, a proposição tem curso no Congresso Nacional, ambiente parlamentar adequado. Também está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (art. 22, I da Constituição Federal).

 

3- Regra geral a proposta objetiva reverter todas as positivas alterações que foram incorporadas a nossa legislação por intermédio da Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista).

 

3.1- As inovações de 2017 trouxeram mais equilíbrio para as relações de trabalho e relações processuais, além de segurança jurídica, mais razoabilidade e mais atenção aos princípios constitucionais.

 

3.2- Com objetivo de sanar dúvidas e inseguranças, a reforma trabalhista clarificou entendimentos, possibilitando uma maior aproximação entre empregados e empregadores. Trouxe grandes e positivas alterações ao sistema vigente, como por exemplo a prevalência do negociado sobre o legislado; a exclusão do cômputo das horas in itinere na jornada de trabalho; a regulação do teletrabalho, a aplicação aos processos trabalhistas da prescrição intercorrente e dos honorários sucumbenciais e a jornada de trabalho em escala 12x36.

 

3.3- Essas alterações vigem apenas desde novembro de 2017. Em razão do seu exíguo prazo de vigência, seus efeitos ainda estão sendo avaliados e discutidos pela doutrina e jurisprudência, mas inúmeras questões já foram referendadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que é suficiente para demonstrar a inexistência de agressão aos direitos dos trabalhadores.

 

3.4- Assim, retornar aos antigos marcos e alterar profundamente os paradigmas legais nesse cenário é, no mínimo, temerário, e insere o setor produtivo nacional e os investidores internacionais em situação de absoluta incerteza, imprevisibilidade e insegurança com relação aos custos e aos procedimentos para contratar e negociar. Esta medida seria prejudicial, inclusive, para os empregados, pois a incerteza além de ceifar postos, pode prejudicar a criação de novos.

 

3.5- A estabilização legislativa é necessária para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica.

 

3.6- Não obstante, vejamos, por artigos, as alterações propostas.

 

Grupo econômico (artigo 2º da CLT)

4- Tanto a norma antiga, quanto a alteração promovida pela reforma trabalhista previam a responsabilidade solidária de empresas que estivessem sob a direção, controle ou administração uma da outra.

 

4.1- A grande novidade foi a inserção do § 3º ao artigo 2º, que dispõe não caracterizar o grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

 

4.2- Essa inovação ocorreu porque muitos julgados na Justiça do Trabalho, sem expressa determinação legal, seguiam no sentido de reconhecer o grupo de empresas pela mera identidade de sócios. O que se fazia muitas vezes sem critério, sem razoabilidade e sem levar em consideração a dinâmica do mercado. Não é porque determinada pessoa é sócia de mais de uma empresa, que estas formarão um pool de empresas.

 

5- O PL propõe, ainda, a adoção de um “plano de integridade trabalhista”, com objetivo de enfrentamento dos “impactos adversos em direitos com os quais tenham algum envolvimento”. Aspecto que também não deve ter o apoio, seja pela generalidade e desnecessidade dos pontos elencados, seja pelos custos impostos ao setor produtivo.

 

5.1- Não há necessidade de dispor acerca da importância do respeito aos direitos humanos e adoção de medidas de prevenção e precaução para evitar medidas que os violem e/ou agridam a saúde e segurança dos empregados e direitos humanos. Já há norma suficiente tratando da questão. Assente-se que as normas, ao tratarem da vedação a atos discriminatórios (de qualquer sorte) são por si protetoras dos direitos humanos, a exemplo dos artigos 5º, caput e inciso I, e 7º, incisos XX e XXX, da Constituição, bem como dos artigos 5º, 157, incisos I, II e III, 373-A, 392-A, § 2º do 429 e 461 da CLT, além dos artigos 1º e 3º da Lei 9.029/95 (que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação de trabalho), das Convenções 100 e 111 da OIT e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

 

5.2- Os preceitos acima transcritos demonstram, indubitavelmente, que já são coibidas quaisquer práticas discriminatórias e por consequência, preservadora dos direitos humanos, havendo inclusive lei específica sobre o tema (Lei 9.029/95). Neste caso incide o óbice previsto no inciso IV do artigo 7º da Lei Complementar 95/98, o qual dispõe que o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa (o que não é o caso).

 

5.3- Aponte-se, da mesma forma, que nos termos dos artigos 1º, IV e 170, da CF (livre iniciativa e concorrência), cabe à empresa (e somente ela) cuidar de sua imagem. Desta forma, não pode o Estado, a exemplo do que se pretende nos incisos III e VI do § 2º do artigo 2º, determinar com quem a empresa manterá ou não relação comercial e que política e incentivo deverá adotar para que seus parceiros respeitem os direitos humanos do trabalho.

 

5.4- Conforme artigo 174 da CF, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado deve exercer apenas as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

 

5.5- O § 6º do artigo 2º, que estabelece como objetiva a responsabilidade civil e trabalhista do empregador quanto a danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho, fere o artigo 7º, XXVIII da CF – este estabelece a regra da responsabilização subjetiva. A responsabilidade objetiva, como exceção, deve estar vinculada a uma previsão expressa e devidamente especificada, não apresentada em caráter genérico. Nesse sentido o RE 828.040 julgado pelo STF.

 

Tempo à disposição (artigo 4º, § 2º, da CLT)

6- A Reforma Tributária trouxe mais racionalidade na consideração do tempo à disposição, impedindo, dessa forma, que situações absurdas sejam reconhecidas como jornada de trabalho, como aquelas que não estão vinculadas à execução do serviço ou o aguardo de ordens.

 

6.1- Nesse sentido, passou a não considerar como tempo à disposição do empregador aquelas hipóteses em que, por escolha própria, o empregado buscasse proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, como práticas religiosas; descanso; lazer; estudo; alimentação; atividades de relacionamento social; higiene pessoal; e troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.

 

6.2- Como exemplo, podemos citar a seguinte situação relatada pelo Juiz do Trabalho Marlos Augusto Melek, no livro Trabalhista! O que mudou? Reforma Trabalhista 2017 (página 86), e que reforça a importância da alteração legislativa promovida pela Reforma Trabalhista:

Há alguns anos, no município de Dois Irmãos/RS, apareceu uma cláusula numa convenção coletiva de trabalho, em que o sindicato dos trabalhadores pedia a construção de abrigos (estilo ponto de ônibus), para que os trabalhadores pudessem aguardar o ingresso nas dependências da empresa protegendo-se do frio intenso – típico do Sul – do vento Minuano ou mesmo das geadas comuns na região.

A empresa, sensibilizada, ao invés de construir abrigos do lado de fora da empresa, permitiu que os trabalhadores ingressassem nas dependências para aguardar ali o início da jornada, protegendo as pessoas do frio das intempéries.

Tudo corria bem até que certo dia um empregado ganhou na Justiça o direito daquele tempo de espera dentro da empresa como “tempo à disposição”, gerando horas extras àquela empresa e que então voltou atrás e não mais permitiu que os trabalhadores aguardassem dentro de suas dependências o início do trabalho.

 

Fontes do direito (artigo 8º da CLT)

7- O contrato de trabalho possui normas que, em regra, não permitem negociação, limitando a autonomia das partes em transacionar e a modificação unilateral por parte do empregador (jus variandi). Desta forma, o que foi acordado quando da contratação não pode ser alterado para prejudicar o empregado.

 

7.1- O direito do trabalho possui orientação no sentido de limitar a autonomia das partes e impedir que o empregador modifique unilateralmente o contrato de trabalho quando esta alteração prejudicar o empregado.

 

7.2- Isto porque o direito do trabalho foi construído com princípios próprios e se alicerça em um núcleo básico de proteção; de aplicação da norma mais favorável; de aplicação da condição mais benéfica; da inalterabilidade contratual lesiva e da continuidade da relação de emprego, por exemplo.

 

7.3- Estes padrões orientadores impedem também que os atos dos empregadores sejam utilizados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT.

 

7.4- Em uma leitura rápida da CLT já percebemos esses balizadores e que inclusive impossibilitam que o empregador exija, sem o devido pagamento, que o empregado execute atividades para as quais não foi contrato. A exemplo podemos citar os artigos 9º, 468 e 483, alínea a da CLT.

 

7.5- A proposta agrava ainda mais essa situação, inviabilizando a relação de trabalho – a exemplo podemos citar os §§ 1º e 2º do artigo 8º, que estipulam que os direitos trabalhistas somente podem progredir, inclusive em negociação coletiva, eliminando, inclusive, a essência da negociação.

 

7.6- As premissas de hoje são outras. Nossa legislação trabalhista foi formada no contexto social e produtivo do início do Século XX, quando o trabalho era essencialmente agrário e os trabalhadores tinham pouca ou nenhuma educação formal. Era um momento em que não se tinha o conhecimento mais aprofundando dos riscos laborais e suas formas de proteção. Em razão destes e outros fatores, a legislação foi caracterizada por um caráter rígido e excessivamente protetivo.

 

7.7- Com o passar dos anos a sociedade, a economia e os modos de produção se modernizaram e os trabalhadores tiveram grande incremento em sua educação, a ponto de se poder afirmar que a ainda sustentada hipossuficiência do trabalhador passou a caracterizar apenas uma pequena parcela da mão de obra, que não é tão representativa como em tempos passados. Assim, deixaram de ser adequadas as premissas sobre as quais se alicerçavam as leis trabalhistas, assim como os meios de prestar o trabalho (como exemplo disso podemos citar a mecanização das atividades repetitivas e da agroindústria; a digitalização; o trabalho multifuncional, o teletrabalho – todas situações que exigem maior instrução e conscientização do trabalhador).

 

7.8- A transformação do trabalho foi radical, assim como a relação intersubjetiva entre empregado e empregador. Novas formas de trabalho surgiram e a própria forma de ver a relação empregatícia mudou. Não se pode, no século XXI, tratar empregado e empregadores como se vivêssemos relações formadas na década de 40 do século XX.

 

7.9- Nesse sentido podemos citar alguns julgados do Supremo Tribunal Federal que, ao contrário ao entendimento protetivo exacerbado da Justiça do Trabalho, dão nova roupagem para o mundo do trabalho e não tratam o empregado e empregador da forma tão assimétrica:

É lícito o fenômeno do contrato de associação e/ou sociedade firmado por escritório de advocacia com advogados, destacando-se não apenas a compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização do trabalho assentada nos precedentes obrigatórios, mas também a ausência de condição de vulnerabilidade na opção pelo contrato firmado que justifique a proteção estatal por meio do Poder Judiciário na formação de vínculo empregatício. [Rcl 59.842 AgR, rel. min. Edson Fachin, red. do ac. min. Dias Toffoli, j. 26-6-2023, 2ª T, DJE de 18-8-2023.]

É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). [ADC 48, rel. min. Roberto Barroso, j. 15-4-2020, P, DJE de 19-5-2020.]

 

8- A proposta sugere, ainda, a revogação dos §§ 2º e 3º, que dispõem que: a) as súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei; e, que b) no exame da convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho somente analisará a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

 

8.1- Quanto ao item “a”, é importante assentar que segundo a clássica doutrina do jurista austríaco Hans Kelsen, uma das primeiras noções que se estuda no curso de Direito, as normas jurídicas estão posicionadas de forma hierárquica, baseada na ideia de que a norma fundada (norma inferior) deve retirar seu fundamento de validade da norma fundante (norma superior).

 

8.2- Neste sentido, como as normas secundárias (no caso a jurisprudência) estão hierarquicamente abaixo das normas primárias (caso da Constituição, lei complementar e lei ordinária), não têm o condão de criar obrigações, gerar direitos ou contrariar aquelas de hierarquia superior, sob pena de serem consideradas inválidas. Devem agir secundum legem (segundo a lei). Precedentes.

 

8.3- Merece assentamento, também, que nosso sistema - romano-germânico - não é baseado em precedentes judiciais, mas na lei positivada. Assim, o entendimento dos tribunais deve ter o condão, apenas, de interpretar o texto jurídico e orientar a aplicação da lei. Criação legislativa é função do Congresso Nacional.

 

8.4- Assim, ao estabelecer limitação que inexistia na lei ou mesmo criar direito não previsto em lei, a jurisprudência extrapola os limites da razoabilidade, violando, por consequência e exemplificativamente, a tripartição dos poderes (artigo 2º, da CF/88).

 

9- Em relação ao outro aspecto (item “b” do parágrafo 7.10), a possibilidade de anulação de cláusula convencional nos estritos parâmetros aprovados pela Lei 13.467/17 homenageia o texto constitucional tanto em relação ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (artigo 7º, XXVI), quanto em relação à vedação de interferência do poder público na organização sindical (artigo 8º, I). Nesse segundo ponto se insere a liberdade dos sindicatos convencionarem o que melhor lhes aprouver, ajustando as relações de trabalho às realidades produtivas das empresas e dos trabalhadores.

 

9.1- Entender de forma contrária é permitir que o Estado interferia na vontade coletiva. Por esse motivo deve estar restrito apenas aos requisitos de validade do negócio jurídico (capacidade do agente, licitude do objeto e o cumprimento da forma prescrita em lei).

 

9.2- Ademais, tratando-se de negociação coletiva, onde as partes estão em pé de igualdade, com livre consentimento e atentas à realidade que as cerca, não há que se falar em retrocesso social.

 

Responsabilidade do sócio retirante (artigo 10-A da CLT)

10- A proposta objetiva revogar o artigo 10-A da CLT, inserido pela Reforma Trabalhista de 2017, que limita a responsabilidade subsidiária do sócio retirante, pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato. A norma estabelece ainda como ordem de preferência executória a empresa devedora, os sócios atuais e somente depois o sócio retirante.

 

10.1- Assim o fez porque, muito embora a lei comercial estabelecesse a responsabilidade pelo prazo de dois anos (artigo 1032 do CC), a Justiça do Trabalho a reconhecia por prazo superior.

 

10.2- Foi medida necessária para o estabelecimento da segurança jurídica, já que sócio não pode ficar eternamente responsável pelos débitos de empresa da qual não faz mais parte.

 

Prescrição (artigo 11 da CLT)

11- O reconhecimento legal da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, feito expressamente pela Lei 13.467/17, pacificou o conflito entre o TST, que não a reconhecia (Súmula 114), e o STF, que a reconhecia (Súmula 327). A situação causava insegurança jurídica e essa pacificação por si só já é um motivo para não se apoiar o presente projeto de lei em relação ao tema (artigo 11, § 2º do PL).

 

11.1- Outro importante aspecto que reforça a inconveniência dessa proposta é o fato de a contagem da prescrição na execução se iniciar somente após o juiz determinar a tomada de alguma providência e a parte não cumprir a determinação. Ora, não há motivo lógico ou jurídico para se homenagear a inércia do credor na cobrança dos valores que lhe foram reconhecidos. O fundamento da prescrição é justamente a paz social. Assim:

Aliás, essa possibilidade de existir prescrição depois do ajuizamento da ação está embasada no princípio da confiança, derivado do princípio da boa-fé (NCPC, art. 5º), impedindo comportamentos contraditórios das partes. Como bem elucidado pelo ilustre professor Raphael Miziara:

(...) a inércia deliberada, injustificada e desinteressada do titular do direito (factum proprium), por um determinado período de tempo, cria na contraparte uma expectativa de que a posição jurídica da vantagem (venire) não mais será exercida, o que suprime do titular a possibilidade de exigência de pretensão.

 

11.2- Ora, se o ajuizamento da própria reclamação trabalhista e a punição do crime de homicídio prescrevem, com muito mais razão deve ocorrer o mesmo na situação em apreço. Entendimento diverso nos parece violar a isonomia (artigo 5º, caput, da CF). Sequer houve o apontamento de um critério objetivo para justificar o tratamento diferente.

 

12- O mesmo raciocínio se aplica à prescrição das ações de acidente do trabalho (artigo 11, § 1º, do PL). Ademais, a questão já tem tratamento beneficiado pela Justiça do Trabalho, que reconhece como actio nata a data da ciência inequívoca da lesão.

 

13- O § 2º do artigo 11 da CLT incorporou o raciocínio da Súmula 294 do TST, que vige há 20 anos, o que demonstra estabilidade.

 

13.1- O ponto diferente é que acrescentou à hipótese da prescrição total o “descumprimento do pactuado” (antes a súmula previa apenas a “alteração” do pactuado).

 

13.2- De fato, essa inserção trouxe incongruência lógica nessa parte da reforma trabalhista, já que o descumprimento do pactuado é lesão que se renova mês a mês. Ou seja, a ocorrência é contínua, não atingindo o fundo de direito. Desta forma, a prescrição deveria ser a parcial e não total. Contudo, não é motivo para a revogação do parágrafo.

 

14- Em relação à interrupção da prescrição a hipótese é a mesma da situação anterior, qual seja, a positivação (artigo 11, § 3º, da CLT) de entendimento jurisprudencial pacificado do TST (no caso a Súmula 268). A diferença entre o texto legal e a súmula é que a norma da CLT apresentou um entendimento mais amplo, explicitando melhor a hipótese e trazendo mais segurança jurídica.

Horas in itinere (artigo 58, §§ 2º e 3º, da CLT)

15- As horas de trajeto (in itinere) foram criação da Justiça do Trabalho (Súmula 90 do TST) e causava insegurança jurídica, já que a lei não previa o pagamento de horas extras para tal período. Ademais, o entendimento permitia o pagamento dessas horas para alguns empregados e não para outros. A situação era tão peculiar que havia determinação (via jurisprudencial) para pagamento do trajeto dentro das instalações da própria empresa (OJ Transitória SDI-1 36).

15.1- A reforma trabalhista racionalizou a situação, dispondo que o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, não seria computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador (período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens – artigo 4º da CLT).

 

15.2- O retorno à situação anterior trará novamente a insegurança jurídica e a criação de passivos trabalhistas, desincentivando as empresas de fornecer transporte a seus empregados.

 

Trabalho em tempo parcial (artigo 58-A da CLT)

16- A proposta objetiva revogar integralmente o artigo 58-A da CLT, que trata do trabalho em tempo parcial, muito embora a realização de trabalho nessa modalidade esteja em vigor desde 2001 (Medida Provisória 2.164-41).

 

16.1- As alterações promovidas pela reforma trabalhista foram pontuais e não prejudicaram o trabalhador, deixando mais claro o que lhe é devido.

 

16.2- Antes da reforma trabalhista se considerava trabalho em tempo parcial aquele cuja duração não excedesse 25 horas semanais. Agora, é considerado aquele cuja duração não exceda a 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais. Ou seja, houve permissão de acréscimo de no máximo até 7 horas semanais, das quais 6 deverão ser pagos como hora extra.

 

16.3- Assentou também a Lei 13.467/17 que na hipótese de o contrato de trabalho em regime de tempo parcial ser estabelecido em número inferior a 26 horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras e que é facultado ao empregado contratado nessa modalidade, converter um terço do período de férias a que tiver em abono pecuniário e a compensação de jornada, assim como concedido a todos outros empregados (artigos 59 e 143 da CLT) – em atenção ao princípio da isonomia.

 

16.4- Embora o objetivo da Medida Provisória que criou essa modalidade tivesse sido o de assegurar o aumento de contratações, a alteração da jornada promovida pela reforma trabalhista não inviabiliza a modalidade e, também, reforça a premissa de contratação. Apenas a deixa mais dinâmica – o que é positivo. Ademais, deve-se ter em mente o foco do trabalho em tempo parcial:

...pensado especialmente para quem está iniciando no mercado de trabalho – jovens que precisam estudar num turno e trabalhar noutro -, ou para quem está na 3ª idade cuja jornada completa pode se mostrar exaustiva. Atende também à pessoa que tem filhos ou noutros familiares que exigem maior atenção, seja pela idade ou pela condição de saúde, mas quer permanecer ou se reinserir no mercado de trabalho e, para isso, precisa laborar jornada reduzida.

 

Duração do trabalho – acordo individual (artigo 59, caput e §§ 4º e 5º, da CLT)

17- A proposta retira a possibilidade de o empregado, individualmente, negociar sua jornada de trabalho.

 

17.1- A negociação, quando feita individualmente, tem melhores condições de atender às necessidades mais específicas e diretas da empresa e do trabalhador. Com isso, reduz potenciais conflitos por meio do estabelecimento de avenças.

 

17.2- Por óbvio que este empregado não terá sua proteção fragilizada, até porque a despeito do que foi negociado, a Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e a Fiscalização do Trabalho continuam com suas competências fiscalizatória e julgadora, podendo agir livremente quando for constatado qualquer vício de vontade ou fraude.

 

17.3- Acrescente-se que o artigo 444, parágrafo único, da CLT, valoriza o próprio empregado e sua capacidade de conduzir negociação individual frente a seu empregador. De fato, o que a presente medida pretende é retornar ao status quo ante, onde o trabalhador era tratado como incapaz.

 

17.4- O contrato de trabalho já possui normas que, regra geral, não permitem negociação, limitando a autonomia das partes em transacionar e a modificação unilateral por parte do empregador (jus variandi). Desta forma, o que foi acordado quando da contratação não pode ser alterado para prejudicar o empregado (conforme já apontado no item 7 desse parecer e é aplicável a essa hipótese também. Não replicaremos o texto, por economia).

 

Compensação de jornada (artigo 59, § 2º, da CLT)

18- O texto vigente na CLT estipula prazo para compensação das horas acumuladas em no máximo 1 ano (ou 1 ou 6 meses se tiver acordo individual ou coletivo).  A proposta visa impossibilitar o prazo anual.

 

18.1- A alternativa vigente atende interesse das empresas e dos empregados, pois reduz o acúmulo de horas e concede mais prazo para os empregados, conforme seu interesse, se utilizarem do benefício. Caso não seja usufruído, o pagamento será obrigatório. Como visto, não há prejuízo para o empregado, razão pela qual não há motivo para alteração.

 

Trabalho em domingos e feriados (artigo 59, § 4º, da CLT)

19- Sugere a Comissão de Legislação Participativa que o labor em domingos e feriados ocorra somente por intermédio de norma coletiva e aplica multa de até R$ 100 mil reais pelo descumprimento.

 

19.1- A CNI sempre se posicionou quanto à importância e necessidade da negociação coletiva como meio para regência dos contratos de trabalho:

A negociação coletiva é um dos instrumentos mais relevantes do Direito do Trabalho. Prestigia empresas e trabalhadores, representados por seus sindicatos, com a responsabilidade de ajustar interesses e encontrar soluções negociadas compatíveis com a realidade em que se insere a atividade produtiva.

Na prática, é o mecanismo pelo qual os trabalhadores podem contribuir na definição das regras que regerão o seu dia a dia no ambiente do trabalho. Mais importante, é um meio para o amadurecimento das relações de trabalho, pelo qual se privilegia o entendimento entre as partes, em detrimento do conflito judicial.

 

19.2- Contudo, essa via autônoma de solução de conflito deve ser espontânea, fruto da vontade das partes, que, conforme interesses em jogo, elegerão os temas que serão tratados e avençados. Não pode ser condição imposta, sob pena inclusive de perder sua condição de norma autônoma, cuja confecção passa a ser imposta por terceiro.

 

19.3- Por fim, a multa. A proposta insere § 4º no artigo 59, que está inserido no Capítulo II da CLT (Da duração do trabalho). A penalidade pela infração do apontado capítulo já está disciplinada no artigo 75/CLT, razão pela qual a nova penalidade pela mesma infração incorre em bis in idem.

 

19.4- Ademais, os valores sugeridos são exorbitantes e fogem à razoabilidade e proporcionalidade.

 

Jornada 12x36 (artigos 59-A e 60, parágrafo único, da CLT).

20- A possiblidade de adoção da jornada de 12x36 é abraçada pela Constituição. Tanto assim é que o STF, ao julgar a ADI 5.994, considerou constitucional o artigo 59-A da CLT.

 

20.1- No mesmo sentido a ADI 4.842, que considerou constitucional o artigo 5º da Lei 11.901/2009, disciplinador da jornada de 12X36 aos bombeiros profissionais civis do Distrito Federal.

 

20.2- Vale a menção de que o artigo 7º, XIII, da CF/88 encontra baliza na jornada diária e semanal, permitindo acréscimo daquela, desde que não ultrapassado o módulo semanal/mensal. Dessa maneira, a forma de pactuação (coletiva ou individual) não tem o condão de inviabilizar a jornada avençada, visto que não se está a desrespeitar os parâmetros legais e constitucionais.

 

20.3- Ademais, a Constituição, ao permitir, no inciso XIII do artigo 7º, a compensação de horário e a redução da jornada somente por acordo ou convenção coletiva, se refere, obviamente, àquelas situações em que não há lei formal dispondo a respeito. Existindo lei, por óbvio, a execução dar-se-á conforme nela especificado (caso em análise). Na situação concreta, o preceito legal facultou às partes a adoção de jornada 12X36 por negociação individual ou coletiva.

 

20.4- Assente-se que o empregado sequer é obrigado a filiar-se a sindicato (artigo 8º, V, da CF/88). Assim, mesmo que a entidade de classe não negocie esta condição, o empregado, nos termos da lei, tem autonomia e legitimidade para tanto. Não há razão lógica, nem jurídica, para conferir somente ao sindicato a prerrogativa de negociar a jornada de trabalho a ser cumprida.

 

20.5- Não se nega que a negociação é um excelente meio para ajustar relações de trabalho às realidades produtivas, regionais e setoriais do Brasil, atender necessidades de empresas e de trabalhadores, representados por sindicatos, e, ainda, reduzir potenciais conflitos. Todavia, o Constituinte, quando entendeu necessário, destacou a imperiosa necessidade da negociação via sindicato, como nos incisos VI, XIII (para compensação e redução da jornada, apenas) e XIV, do artigo 7º, os quais expressam o prevalecimento das normas coletivas.

 

20.6- A impossibilidade de adoção dessa jornada viola, inclusive, a segurança jurídica, pois alguns ramos de atividade necessitam implantar esta jornada e não podem ficar na dependência da aquiescência do sindicato profissional.

 

20.7- Quanto ao parágrafo único do artigo 59-A da CLT, há que se dizer que a mecânica de pagamento não elide as proteções constitucionais vigentes, mormente quando a jornada 12x36 é mais vantajosa para o trabalhador, seja pela jornada semanal reduzida, seja pelo intervalo interjornada muito maior (do trabalhador tradicional são 11 horas; nesta modalidade, 36 horas).

 

20.8- A jornada em domingos e feriados, a seu turno, compõe a escala regular de serviço na jornada 12x36, razão pela qual não há que se falar de pagamento de repouso semanal remunerado nesses dias.

 

20.9- De igual forma, pode-se concluir que a prorrogação do trabalho noturno também se considera remunerado. Se a ideia é compensar o trabalhador pelo labor mais desgastante nesta jornada (seja com pagamento da hora menor ou do adicional), já está o colaborador reparado pelas 36 horas de descanso, superior a três vezes o descanso do trabalhador com jornada regular (artigo 66 da CLT).

 

20.10- Não há que se falar, sequer, em prejuízo ou mesmo retrocesso social: (i) uma vez que não foram excluídos quaisquer direitos constitucionalmente previstos; e (ii) não se pode incapacitar o indivíduo, tampouco solapar a autonomia democrática e constitucional que o Poder Legislativo possui para alterar as opções políticas e sociais do ordenamento pátrio, mormente quando, no processo legislativo respectivo, fizeram-se representar nas discussões relevantes entidades de representação obreira.

 

Compensação de jornada. Não atendimento das exigências legais (artigo 59-B da CLT)

21- A revogação proposta pelo parlamentar traz insegurança jurídica, já que o objetivo da Lei 13.467/17 foi justamente garanti-la, dar estabilidade às decisões e previsibilidade ao empregador.

 

21.1- A revogação proposta pelo parlamentar Isso porque a jurisprudência do TST caminhava em um sentido e o entendimento de alguns TRTs em outro, mesmo a questão tendo sido dirimida com sua disposição em Súmula.

 

21.2- A revogação proposta pelo parlamentar Isso porque a jurisprudência do TST caminhava em um sentido e o entendimento de alguns TRTs em outro, mesmo a questão tendo sido dirimida com sua disposição em Súmula.

 

Jornada extraordinária. Força maior (artigo 61 da CLT)

22- Entende-se por força maior o “acontecimento inevitável, imprevisível em relação à vontade do empregador, e para cuja realização este não concorreu, seja direta ou indiretamente”. Assim, com o objetivo de recuperar esse prejuízo, o empregado poderá prestar horas extras, além do limite previsto no artigo 59 da CLT (limitando-se a 12 horas), sem negociação coletiva.

 

22.1- Como a necessidade é imperiosa e em razão de seu caráter inesperado e repentino, não é razoável que seja imprescindível a comunicação ao Ministério do Trabalho e Emprego. Ademais, independente ou não de comunicação, o controle e fiscalização do Órgão permanece e não sofre qualquer abalo ou empecilho.

 

22.2- De mesma forma, em razão da especialidade da situação e sua característica esporádica, não é razoável, sob pena de inviabilizar a própria atividade econômica, imputar à remuneração extraordinária o adicional de 75% (ainda que apenas após à 10ª hora). A sugestão parlamentar poderá dificultar de tal forma a recuperação da empresa que a consequência poderá ser a necessidade de ocorrência de demissão em massa de trabalhadores.

 

Remuneração do intervalo intrajornada (artigo 71, § 4º, da CLT)

23- O pagamento integral do intervalo não gozado totalmente viola os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, visto não ser adequada à proteção do intervalo, centrando-se apenas na monetização; não conduz a maior descanso do empregado e prevê pagamento do período gozado, ignorando o fato de que houve descanso (enriquecimento ilícito).

 

Trabalhador autônomo (artigo 442-B da CLT)

31- O artigo inserido na reforma trabalhista trata da questão referente ao vínculo de emprego do trabalhador autônomo. Conforme aponta, o cumprimento de todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta do autônomo a qualidade de empregado (art. 3º desta CLT).

 

31.1- A medida foi salutar, já que dirimiu problema que vigia há tempos na justiça do trabalho.

 

31.2- O trabalhador autônomo é aquele que labora, sem vínculo de emprego, por conta própria. Contudo, muitos desses trabalhadores (como representantes comerciais autônomos), após prestarem serviço e gozarem dos benefícios dessa natureza contratual (como remuneração mais vantajosa que aqueles que têm CTPS registrada), ajuizavam reclamação trabalhista requerendo o vínculo de emprego. Como a CLT não tratava especificamente da questão e era praticamente inflexível a outras modalidades contratuais, os vínculos eram muitas vezes reconhecidos e se instaurava a insegurança jurídica.

 

31.3- Assim, com objetivo de pôr fim a essa insegurança, o legislador trouxe balizas claras para o reconhecimento do vínculo empregatício. Observe-se, inclusive, que não impediu o reconhecimento do vínculo caso observados os requisitos exigidos pela CLT e não cumprida a formalidade.

 

31.4- Ou seja, não desprotegeu o trabalhador e trouxe segurança jurídica. Dessa forma, não há motivo revogação do artigo.

 

Contrato de trabalho intermitente (artigo 443 e 452-A da CLT)

32- A proposta exclui a possibilidade de adoção do contrato de trabalho intermitente, modalidade acerca da qual já nos manifestamos de forma positiva.

 

32.1- Nos últimos anos vinha crescendo a quantidade de trabalhadores que, por interesses ou até mesmo necessidades pessoais, preferiam disponibilizar apenas de parte do seu dia para o trabalho. Mas a legislação vigente dificultava essa flexibilidade, o que trazia insegurança para os que a adotavam. Nem mesmo como horista era seguro o exercício de uma jornada mais flexível.

 

32.2- A exemplo cita-se decisão do TST que, julgando ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho, declarou a invalidade da jornada móvel e variável adotada por uma conhecida rede de fast food.

 

32.3- Desta forma, atento a esta realidade e às transformações do mundo do trabalho, o Parlamento desenhou uma alternativa clara para essa situação. Com isso, trouxe à vida a figura do contrato de trabalho intermitente, permitindo a prestação de serviços de forma descontínua, que podem compreender determinados períodos em dia ou hora.

 

32.4- De forma positiva a essa modalidade também já se manifestou a doutrina (os destaques são nossos):

Em síntese, é o trabalho mais flexível, em que o empregador irá chamar pessoas para atender a momentos específicos de demanda, criando novas oportunidades e mais competitividade. Tudo isso com segurança jurídica.

Basta anotar a CTPS do trabalhador e escrever no campo de anotações gerais que se trata de trabalho intermitente. A anotação não é feita cada vez que o trabalhador é chamado. É anotada uma vez só, para simplificar, e a baixa é feita uma vez somente, e dentro desse interregno uma ou várias convocações podem ocorrer, sem necessidade de anotações na CTPS a cada convocação. Para o trabalhador cria a possiblidade de múltiplos vínculos e de formalização do trabalho com todos os direitos trabalhistas e proteção previdenciária.

 

Trabalhador hipersuficiente (artigo 444, parágrafo único e 507-A da CLT)

33- Como visto, a reforma trabalhista concedeu livre estipulação ao empregado hipersuficiente para negociar individualmente seus próprios acordos, pelo fato de este possuir uma maior capacidade de se posicionar e se impor perante seu empregador, desde que as avenças não contradigam a Constituição e respeitem as premissas impostas no artigo 444, parágrafo único da CLT.

 

33.1- Inclusive, a negociação, quando feita individualmente, tem melhores condições de atender as necessidades específicas e diretas da empresa e deste trabalhador. Com isso, reduz potenciais conflitos por meio do estabelecimento de avenças.

 

33.2- Por óbvio que este empregado não terá sua proteção fragilizada, até porque a despeito do que foi negociado, a Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e a Fiscalização do Trabalho continuam com suas competências fiscalizatória e julgadora (conforme atribuição de cada Órgão), podendo agir livremente quando for constatado qualquer vício de vontade ou fraude.

 

33.3- Ao fim e ao cabo o artigo 444, parágrafo único, da CLT, valorizou o próprio empregado e sua capacidade de conduzir negociação individual frente a seu empregador. De fato, o que a presente medida pretende é retornar ao status quo ante, onde grassava a insegurança e a violação ao próprio texto constitucional.

 

33.4- No mesmo sentido segue a manutenção do artigo 507-A da CLT, que permite ao empregado hipersuficiente a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem. Percebe-se pelo texto legal, que intenção de proteção foi tamanha que a cláusula é opção exclusiva do empregado.

 

33.5- Como se não fosse suficiente, nos casos previstos, o empregado poderá ainda pleitear ao órgão do Poder Judiciário a declaração de nulidade da sentença arbitral (artigo 33 da Lei 9.307/96).

 

Sucessão empresarial. Responsabilidade (artigo 448-A da CLT)

34- Acerca da revogação do indigitado artigo, preliminarmente é importante destacar a precariedade para a segurança jurídica das relações de trabalho decorrente da sucessiva alteração de dispositivo legais. A reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017 e já é objeto de diversas alterações - pontuais ou mais amplas. Trata-se de sinalização do Poder Legislativo que merece cautela, pois, ao médio e longo prazo, se bem-sucedida, tende a estimular o passivo trabalhista e transferir ao Poder Judiciário a delimitação das várias transições de vigência legal.

 

34.1- A premissa do PL é equivocada. Primeiro porque a jurisprudência trabalhista já entendia da forma em que previsto no artigo muito antes de sua vigência e segundo porque não se pode afirmar que se expõe a qualquer prejuízo o empregado pela simples afirmação de responsabilidade principal da empresa sucessora. O pressuposto de inadimplência ou de fraude é descabido e desborda do texto legal.

 

34.2- E, como o próprio parlamentar afirma, o parágrafo único do dispositivo vigente prevê responsabilidade solidária das empresas na hipótese de fraude, resguardando de forma segura e adequada a hipótese relatada em sua justificativa. As relações jurídicas contratuais devem pautar-se na boa-fé objetiva, estabelecidas exceções decorrentes de condutas que fujam à regular conduta - como as fraudes. Nesse sentido, parte-se (na elaboração contratual ou legal) do pressuposto da solvência e da regularidade da sucessão empresarial, estabelecendo exceção para a hipótese de fraude (que pode ter o condão de burlar eventuais responsabilidades de créditos trabalhistas).

 

34.3- A fraude na sucessão empresarial, igualmente, não é de difícil ou impossível comprovação, não sendo raras as vezes em que ela é configurada, por exemplo, como desvio de patrimônio.

 

Uniformes. Higienização e logomarca (artigo 456-A da CLT)

35- A alteração legislativa decorreu de indenizações – indevidas, aponte-se – decorrentes de condenações na Justiça do Trabalho pelo fato de o uniforme da empresa portar logomarca da própria empresa, de empresa do grupo econômico ou de empresas parceiras.

 

36- O raciocínio utilizado pelo legislador à época, e que se mantém atualizado, foi o de que o custo de lavagem do uniforme para o trabalhador é o mesmo que existe para lavagem da própria roupa. Ou seja, não há transferência para o empregado dos riscos da atividade econômica.

 

37- Situação que não corresponde àquelas hipóteses em que a lavagem exige procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum. Tanto é assim que, nessa hipótese, a norma estabelece que a lavagem é de única e exclusiva responsabilidade do empregador.

 

Assistência médica. Natureza jurídica (artigo 458, § 5º, da CLT)

38- O presente parágrafo foi inserido na CLT pela reforma trabalhista, mas transplantado da Lei 8.212/91, cujo entendimento na legislação previdenciária já vigia desde 1997. A diferença foi que a Lei 13.467/17 ampliou a hipótese indenizatória, antes vinculada à necessidade de abrangência do benefício à totalidade dos empregados e dirigentes da empresa.

 

38.1- O que as normas fazem (CLT e lei previdenciária), em benefício do trabalhador, é esterilizar a natureza salarial dos valores pagos em benefício do empregado à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares.

 

38.2- Assim, vingando a ideia proposta pelo parlamentar (revogação do preceito), aos valores pagos nessa hipótese incidirão os tributos respectivos, para empregado e empregador, prejudicando ambos e desincentivando o benefício.

 

38.3- Ademais, ainda que se revogue o preceito celetista, a ideia sugerida pelo parlamentar não vingará, já permanecerá vigente a idêntica redação do artigo 28, § 9º, alínea “q” da Lei 8.212/91.

 

Equiparação salarial (artigo 461 da CLT)

39- A reforma trabalhista trouxe critérios mais objetivos para reconhecimento da equiparação salarial e, com isso, mais segurança jurídica. O retorno ao status quo ante configura retrocesso.

 

39.1- Em resumo, as novidades mais importantes estabeleceram que o trabalho deverá se dar no mesmo estabelecimento empresarial e o tempo de serviço não poderá ser superior a 4 anos.

 

39.2- Anteriormente à lei, paradigma e paragonado tinham que trabalhar apenas na mesma localidade, entendível este como a mesma região metropolitana. Ou seja, ambos poderiam prestar serviços em municípios distintos. A reforma trabalhista alterou esse requisito, passando a permitir a equiparação salarial apenas para os que trabalhassem no mesmo estabelecimento.

 

39.3- A alteração é salutar porque dificulta a violação da isonomia, visto que os salários podem ser diferentes em razão da disparidade socioeconômica entre os municípios.

 

40- A alteração temporal passou a exigir um novo critério: tempo de serviço na mesma empresa. Assim, mesmo que o trabalhador tenha tempo de função não superior a dois anos, deixará de ser equiparado se o paradigma tiver tempo de serviço para o mesmo empregador, superior a quatro anos.

 

40.1- Ora, se o objetivo da equiparação salarial é evitar que dois empregados que exercem a mesma função, no mesmo estabelecimento, com a mesma produtividade e perfeição técnica, recebam valores distintos, não há razoabilidade se igualar salários que são diferentes em razão do “tempo de casa”.

 

40.2- Nesse sentido a necessidade de manutenção do parágrafo 5º, cuja criação jurisprudencial pelo TST permitia a existência de equiparação por paradigma remoto (equiparação em cadeia). A medida traz mais segurança jurídica, uma vez que o pedido de equiparação dependerá, apenas da prova produzida no processo em que é pedido.

 

Alteração lesiva do contrato de trabalho. Reversão ao cargo anterior. Incorporação da gratificação (artigo 468, caput e §§ 1º e 2º da CLT)

41- A alteração mais importante da proposta, já que a do parágrafo único (§ 1º do PL) é apenas semântica, retira do texto o estabelecimento de que a nulidade a ser reconhecida seria apenas da “cláusula infringente”. A manutenção dessa expressão é importante para dar mais segurança jurídica, pois restringe a nulidade apenas e especificamente à cláusula violadora. Com isso limita interpretações extensivas e causadoras de insegurança jurídica.

 

42- O objetivo do § 2º foi trazer racionalidade ao pagamento da gratificação de função. Até a reforma trabalhista vigia o disposto na Súmula 372, I do TST, a qual estipulava que a gratificação percebida por dez ou mais anos pelo empregado não poderia ser retirada caso o empregador, sem justo motivo, revertesse o empregado a seu cargo efetivo.

 

42.1- A gratificação de função é paga pelo exercício do trabalho naquela situação de natureza especial, singular. É um salário-condição. Assim, se o empregado, seja por que motivo for, não exerce mais essa atividade especial, não há razão lógico-jurídica à incorporação ao seu salário do valor respectivo recebido. Mutatis mutandis seria o mesmo que estabelecer que o empregado não poderia jamais reverter ao cargo efetivo.

 

42.2- Tampouco há que se falar em quebra do princípio da estabilidade financeira, já que o empregado sabe, desde sempre, que aquela condição é precária e a qualquer momento pode ser revertida.

 

Rescisão contratual (artigo 477 da CLT)

43- Alterações propostas: a) retorno da obrigatoriedade da assistência sindical nas rescisões, ou não ausência do MPT ou defensoria pública; b) quitação apenas dos valores lançados no TRCT e não da parcela; c) impossibilidade de os valores pagos na rescisão serem inferiores a um mês de salário; d) prazos para pagamento diferenciados; e) taxa a ser paga em favor do sindicato pelo ato da assistência; e, f) atualização do valor da multa pelo descumprimento do pagamento da rescisão no prazo.

 

43.1- O objetivo das alterações promovidas pela Lei 13.467 foi simplificar e desburocratizar a rescisão contratual.

 

43.2- Além do mais, a assistência sindical não garantia a proteção do trabalhador e não eram raras as vezes que o representante do sindicato era tecnicamente incapacitado de avaliar a regularidade do pagamento. Tanto que era comum ressalva genérica, o que impôs ao TST editar súmula para não prejudicar o próprio empregado (Súmula 330).

 

43.3- A incapacidade técnica dos representantes do sindicato é reconhecida no próprio projeto de lei, já que propõe a quitação apenas dos valores, e não das parcelas. Se assim não fosse, a quitação poderia ser ampla e irrestrita.

 

43.4- Como o pagamento das verbas rescisórias não quitam o contrato de trabalho, o ex-empregado poderá acionar posteriormente seu sindicato, ou advogado de preferência, para apurar a regularidade do pagamento. Nesse sentido:

Com fundamento na transparência e lealdade contratual, o recibo de quitação deverá especificar a natureza de cada parcela paga ao empregado e, ainda, discriminar o seu valor. No entanto, a quitação passou a ser realizada sem a assistência do sindicato ou do Ministério do Trabalho. Se presente vício de consentimento na manifestação do empregado, como a ocorrência de erro, dolo e coação, é possível o ajuizamento de ação para rediscutir as parcelas que constaram no recibo.

Além disso, as parcelas não consignadas no recibo ou expressamente ressalvadas poderão ser discutidas futuramente na Justiça do Trabalho. Por essa razão, os recibos de quitação das verbas trabalhistas não asseguram eficácia liberatória geral. Exemplo: as partes não chegaram a um acordo sobre o pagamento das horas extras, o que foi ressalvado expressamente no recibo ou, ainda, nada mencionaram sobre o seu pagamento. Posteriormente, o trabalhador tem a opção de ingressar com a reclamação trabalhista para discutir o pagamento das horas extraordinárias.

 

43.5- Vale a menção, também, de que incontáveis vezes o sindicato não tinha horário próximo disponível para homologação e em várias regiões sequer possuía representação para atender o trabalhador. O retorno dessa obrigatoriedade, serve, apenas, para justificar a cobrança de, satisfazendo interesse econômico do sindicato. Nesse sentido:

O objetivo da Reforma Trabalhista foi deixar mais simples e rápidos os procedimentos decorrentes do término do contrato de trabalho. Há tempos havia queixas com a demora e a burocracia da homologação. O Ministério do Trabalho se recusa a fazer a homologação se houver sindicato da categoria profissional na localidade. Por sua vez, o sindicato demora a agendar ou recusa a fazer de trabalhadores não filiados.

 

44- O estabelecimento de taxa pela homologação da rescisão contratual é questão a resolvida em negociação coletiva, já que é de interesse exclusivo das partes. É interesse intersubjetivo. Ademais, disciplina o artigo 8º, inciso I, da CF ser vedado ao Poder Público a interferência e intervenção sindical.

 

45- Em relação ao prazo para pagamento, a reforma trabalhista os unificou, estipulando que as verbas rescisórias deverão ser pagas nos 10 dias subsequentes ao término do contrato de trabalho. Essa unificação dá mais segurança jurídica, já que não varia conforme a forma de extinção, com ou sem gozo do aviso prévio.

 

46- Quanto à compensação, a limitação da rescisão ao valor mínimo de um mês de remuneração apenas tornará mais burocrática e dispendiosa a questão, incentivando a litigiosidade, pois o empregador terá que ajuizar ação respectiva para cobrança do valor devido pelo empregado.

 

Dispensa coletiva (artigo 477-A da CLT)

47- Quanto à dispensa coletiva, em junho de 2022, concluindo o julgamento do mérito do RE 999.435, o STF assentou que a intervenção sindical prévia seria exigência procedimental indispensável para a dispensa massiva de trabalhadores. Decisão que foi posteriormente complementada por intermédio de embargos declaratórios quanto à modulação.

 

47.1- Restou claro na tese prevalente, conforme voto do Ministro Roberto Barroso, que a intervenção sindical “não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”, mas apenas entabulação de diálogo entre as partes envolvidas, “quase que uma cortesia institucional, quase como um respeito e uma consideração por quem está sendo mandado embora, que, quem sabe, por ter algum argumento que atenue o dará que é ficar sem emprego, ficar sem trabalho quase quer trabalhar”.

 

47.2- Extrai-se, portanto, que a participação sindical induz apenas à necessidade de se empreender esforços no sentido de sentar-se à mesa para tentar encontrar alguma solução, sem compromisso com o resultado. Assim, sendo infrutífera a discussão, as demissões programadas poderão tomar curso. A exigência é apenas procedimental, de modo que as partes sentem para ver se conseguem encontrar alguma medida que possa evitar as demissões ou mitigar o problema.

 

47.3- Nesse sentido, a proposta parlamentar propõe a reversão do que foi decidido, tentando impedir que ocorram demissões coletivas, o que foi assentado pelo constituinte, pelo legislador ordinário à época da Lei 13.467/17 e referendado pelo Supremo. Note-se que o constituinte não se referiu de forma direta ou indireta à dispensa coletiva, não a distinguiu conceitualmente da dispensa individual, e muito menos implantou qualquer mecanismo procedimental específico para a formalização de rescisões que nessa seara pudessem ser incluídas. Ademais, o legislador ordinário já manifestou comando em sentido oposto ao agora sugerido (Lei 13.467/17).

 

47.4- Acrescente-se que decisão proferida pelo Supremo, sem sombra de dúvida, prestigiou o papel dos sindicatos profissionais, muito embora esta não tenha sido opção do legislador constituinte que, quando assim pretendeu, foi expresso.

 

47.5- Como se não fosse suficiente, a proposta fere a livre iniciativa, pois restringe o poder diretivo do empregador de forma desproporcional, estabelecendo como unicamente válidas para a dispensa coletiva fundamentada em motivos técnicos, econômicos ou financeiros. Ademais, o retorno à situação anterior trará de volta a insegurança jurídica.

 

PDV. Quitação (artigo 477-B da CLT)

48- O artigo 477-B da CLT valoriza e dá forma às negociações coletivas. A instituição de um plano de demissão motivada ou incentivada é expressão da vontade coletiva das partes, legitimamente contida em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

 

48.1- A tônica da validade das previsões decorrentes de negociação coletiva já estava contida no ordenamento constitucional desde a promulgação da Constituição de 1988. Não apenas o artigo 7º consagra o reconhecimento dos instrumentos coletivos como um direito dos trabalhadores, como ainda permite a redução salarial mediante negociação e dedica artigos para tratar da liberdade sindical e das garantias dessas entidades como legítimas representantes das categorias.

 

48.2- Impor previsões específicas à tratativa negocial fere frontalmente as previsões constitucionais mencionadas. Caberá a cada categoria fazer juízo de valor sobre a melhor forma de prever indenizações decorrentes da adesão a plano de demissão incentivada. Foi exatamente nesse sentido que se posicionou o Supremo Tribunal Federal no paradigmático acórdão do RE 590.415, julgado em sede de repercussão geral.

 

48.3- Por fim, importante registrar que a adesão a planos como o citado na proposta é absolutamente livre e, ainda que previstos em negociação coletiva, dependem de manifestação de vontade de cada trabalhador. Partir do pressuposto da coação e da fraude nessa manifestação de vontade é absolutamente desproporcional.

 

Resilição bilateral do contrato de trabalho (artigo 484-A da CLT)

49- Antes do advento da Lei 13.467/17 a legislação não permitia a extinção do contrato de trabalho por mútuo acordo. Ou era por iniciativa do empregado, ou por iniciativa do empregador, cujo pagamento das parcelas variavam conforme a modalidade.

 

49.1- Esta nova modalidade veio permitir que a rescisão se dê por decisão de ambas as partes, trazendo caráter legal à situação antes existente em que se simulava uma rescisão contratual com objetivo de ajudar o empregado. Ou seja, efetuava-se a rescisão por iniciativa do empregador, muito embora fosse a pedido de empregado e, ato contínuo, o empregado devolvia os valores que não teria direito (multa de 40%, por exemplo), mas conseguia liberar seu FGTS.

 

49.2- Assim, por intermédio desta modalidade de rescisão contratual se chegou a um meio termo, permitindo que o empregado, entre outros valores, recebesse parte de seu aviso prévio e da indenização do FGTS, além de movimentar 80% deste fundo. Ou seja, a modalidade é benéfica para o empregado.

 

49.3- Ao contrário do que é defendido por algumas pessoas, essa modalidade não institucionaliza a fraude contra os direitos dos trabalhadores, e tampouco o empregador pode constranger o empregado a assinar um acordo falso. Não há coerência nessas alegações. Ora, sabedor de que terá seu contrato de trabalho rescindido, não haveria lógica assinar um acordo que não mudará seu destino e ainda permitirá o recebimento de menos parcelas.

 

49.4- Acrescente-se, ainda, como reforço de argumento que a Lei 13.467/17 não tem sequer dois anos de vigência, razão pela qual ainda não se tem noção real de seus efeitos. Desta forma, não é aconselhável o patrocínio de projeto de lei que objetive alterar as novas premissas trazidas. Sua maturação é necessária.

 

Quitação anual das obrigações trabalhistas (artigo 507-B da CLT)

50- A Lei 13.467/17 inseriu na CLT o artigo 507-B que faculta a empregados e empregadores firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. O parágrafo único do novo artigo determina ainda que deverão ser discriminadas as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente, constando a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

 

50.1- A ideia central da reforma trabalhista foi de promover a negociação entre empregados e empregadores, seja ela coletiva ou individual, enaltecendo e fazendo valer o que dispõe a Constituição.

 

50.2- Deve-se ter em mente que a negociação é o melhor meio para ajustar relações de trabalho às realidades produtivas e regionais do Brasil, atender necessidades de empresas e de trabalhadores, representados por Sindicatos, e, ainda, de reduzir potenciais conflitos por meio do estabelecimento de avenças.

 

50.3- Desta forma, o que a presente medida pretende, ao revogar o artigo, é retornar ao status quo ante, onde grassava a insegurança e a violação ao próprio texto constitucional. Sem contar que desprestigia os próprios sindicatos como associação para defesa dos interesses da classe que representa.

 

50.4- No caso específico, o artigo 507-B apresenta alternativa ágil e moderna para prevenção de conflitos, sem que seja necessário o acionamento do Poder Judiciário, diminuindo a quantidade de ações. A medida, acima de tudo, dá segurança a ambas as partes. Se o empregado, devidamente assistido, confirmou que o termo está correto e as parcelas estão impecavelmente calculadas, não há motivo para se incentivar a litigiosidade irresponsável.

 

50.5- É importante ressaltar que não se trata de quitação de rescisão contratual, mas, apenas, de quitação anual das obrigações trabalhistas, confirmando que os direitos e deveres daquele período específico foram cumpridos. Nem há que se questionar acerca da representatividade do sindicato para tanto, já que teve sua autorização devidamente registrada no Ministério do Trabalho.

 

50.6- Ademais, não há qualquer prejuízo para o empregado, pois não há como o empregador impor a avença ao trabalhador. Inexiste permissivo legal para tal. É apenas uma possiblidade concedida às partes.

 

50.7- Mesmo que se admita por argumentação a existência de coação, poderá o empregado discutir a questão em juízo, uma vez que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé (artigo 113 do Código Civil), além do fato de a Constituição Federal ter preceito dispondo que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV).

 

50.8- Neste sentido os comentários a respeito do artigo 113 do Código Civil (Código Civil Comentado - Coordenador Ministro Cezar Peluso - Ed. Manole, 2015, página 87):

Trata-se de regra de interpretação que milita a favor da segurança das relações jurídicas.

A manifestação de vontade não subsiste apenas sobre si mesma, pois subentende-se que a ela estão agregadas as consequências jurídicas decorrentes, ainda que as partes delas queiram afastar-se. Também isso compreende o dever de colaboração das partes, a fim de que o negócio jurídico produza os efeitos que lhe são próprios, não podendo uma das partes impedir ou dificultar a ação da outra no cumprimento de suas obrigações, ou seja, devem as partes agir com lealdade e confiança [...]

 

50.9- Note-se que o preceito legal trazido pela Lei 13.467/17 não apresenta qualquer causa impeditiva para o ajuizamento de reclamação trabalhista, excluindo pedidos da apreciação judicial.

 

Representação dos empregados (artigo 510-A a D da CLT)

51- A proposta pretende revogar o artigo 510-A a D da CLT, que dispõe acerca da representação dos empregados.

 

51.1- A Constituição de 1988 adotou regime capitalista, contemplando a economia de mercado, fundamentada na proteção à inviolabilidade do direito de propriedade; à livre iniciativa; livre concorrência e livre exercício de qualquer atividade econômica. Estas características indicam que o constituinte concedeu ao empresário a ampla organização de produção, com o fito de atingimento de seu objetivo final.

 

51.2- Muito embora a Constituição possa parecer contraditória ao proteger e incentivar o regime capitalista de produção e ao mesmo tempo conferir prioridade aos valores do trabalho humano expandindo de forma considerável os direitos sociais, o fato é que separou a Ordem Social da Ordem Econômica. Isso porque o trabalho deva ser valorizado no sentido de não se permitir sua exploração, protegendo-se inclusive o trabalhador do desemprego. Até porque é a existência de trabalho que lhe dará dignidade e irá inserir o trabalhador no modelo de produção capitalista adotado por nossa Constituição.

 

51.3- Inclusive, para se efetivar os direitos sociais e valorizar o trabalho, a Constituição Federal prevê as formas de intervenção estatal na economia no artigo 177.

 

51.4- Assim, ao permitir excepcionalmente a participação dos empregados na gestão das empresas (artigo 7º, XI) a Constituição Federal não referendou a interferência desmedida dos empregados na organização empresarial, tomando parte no seu governo e na tomada de decisões. Até porque, nos termos do artigo 2º da CLT quem assume os riscos da atividade econômica é o empregador. Neste sentido:

Nas atividades econômicas o risco é um fator intrínseco de respeitável amplitude e deve ser sempre considerado por quem nelas se aventura. Arriscar é, sem dúvida, uma ação que pode produzir vantagens ou prejuízos. Nesses termos, se o empregado não é destinatário dos proveitos advindos de uma bem-sucedida aposta empresarial, também não poderá sê-lo das desventuras daí decorrentes. Por essa razão o art. 2º da CLT tratou de atribuir ao empregador o caractere ora estudado, deixando claro que ele tem o comando do empreendimento e que, justamente por isso, assume - os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

 

51.5- Essa medida se exercita por intermédio das CIPAS e comitês. A exemplo deste último podemos citar o próprio artigo 11 da CF. Estes mecanismos servem para discussão de assuntos referentes às necessidades dos empregados, meio ambiente do trabalho e até outros, sem que se trate de cogestão. Dessa premissa não deve se distanciar.

 

51.6- Neste sentido segue o ensinamento de J. J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, em seus Comentários à Constituição do Brasil (Ed. Saraiva, 1ª ed.; 5ª tiragem; p. 575) ao comentar o artigo 7º, XI, da CF:

A parte final do dispositivo pende de regulamentação legal ordinária. A Constituição, desde logo, a excepcionalidade de medida, como reforço da adoção do regime capitalista pela ordem constitucional de 1988. Quem gere o negócio é o empreendedor, com participação apenas excepcional - e, vale destacar, limitada - dos trabalhadores subordinados, neste aspecto. Três pontos podem configurar aproximação entre o trabalhador e a empresa: a propriedade, a participação nos lucros e a gestão. A primeira revela-se pelo pagamento de bônus e outros títulos por meio de ações da companhia - reconhecido como sistema de stock option plan, largamente utilizado nas sociedades anônimas e empresas de grande porte como meio de remuneração. A participação nos lucros encontra-se regulamentada pela Lei n. 10.101/2000. Já a gestão, que pende de regulamentação, tem nas comissões de fábrica um interessante veículo de concretização, ao lado das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, as CIPAs.

 

51.7- Ademais, medida como a proposta pode enfraquecer os sindicatos, fragmentando a organização dos trabalhadores, despojando as entidades sindicais do monopólio de representação das categorias profissionais, mormente após a Lei nº 13.467/17 que alterou o recolhimento do imposto sindical e o tratamento dado pela Lei nº 13.467/17 ao artigo 11 da Constituição já é suficiente em relação à participação dos empregados na empresa.

 

Negociado sobre o legislado (artigos 611-A e B da CLT)

53- A questão central da reforma trabalhista, que impulsionou a inserção na CLT dos artigos 611-A e 611-B, foi a valorização da negociação coletiva, assegurando maior responsabilidade e poder aos sindicatos, valorizando-os por consequência.

 

53.1- Como visto, reforçou a importância da negociação coletiva, estabelecendo as hipóteses nas quais a convenção coletiva e o acordo coletivo terão prevalência sobre a lei e em quais hipóteses isto será vedado.

 

53.2- As mudanças realizadas pela Lei 13.467/17 ocorreram justamente para dar força de lei a alguns pontos de negociação e com isso valorizá-la, enaltecendo e fazendo valer o que dispõe a Constituição.

 

53.3- A negociação é meio para ajustar relações de trabalho às realidades produtivas e regionais do Brasil, atender necessidades de empresas e de trabalhadores, representados por Sindicatos, e, ainda, de reduzir potenciais conflitos por meio do estabelecimento de avenças.

 

53.4- A reforma trabalhista, como visto, reforçou o que está expresso na Constituição, pois os incisos VI, XIII e XIV, do artigo 7º há tempos expressam o prevalecimento das normas coletivas frente à lei em relação a alguns direitos trabalhistas. Neste sentido e de forma mais ampla, o inciso XXVI do mesmo artigo determina como direito do trabalho o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho".

 

53.5- Este princípio é inclusive positivado pelo artigo 8º, § 3º da CLT ao estabelecer que no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho somente poderá analisar a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil, balizando sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

 

53.6- Exaltando este entendimento, ao julgar o ARE 1.121.633 (Tema 1.046), o STF valorizou o exercício da autonomia coletiva e fixou a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas de trabalho, que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

 

Ultratividade (artigo 614, § 3º, da CLT)

54- Muito já se discutiu sobre a natureza jurídica das convenções coletivas e dos acordos coletivos, mas o fato é que carregam característica de negócio jurídico e, sendo assim, os prazos estabelecidos devem ser cumpridos.

 

54.1- O prazo de vigência das convenções e acordos coletivos é estipulado por lei desde 1967 (dois anos), tendo sido inclusive reiterada pela Súmula 277 do TST, que em seu inciso I disciplinava que as condições de trabalho nela alcançadas vigoravam no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

 

54.2- Contudo, em uma virada jurisprudencial, a Corte Superior Trabalhista mudou seu entendimento em 2012, alterou a Súmula 277, e passou a concluir que as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas passavam a integrar os contratos individuais de trabalho, somente podendo ser modificados ou suprimidas mediante outra negociação coletiva de trabalho. Ou seja, passou a desconsiderar a lei, concedendo caráter ultrativo às normas coletivas.

 

54.3- A situação era tão incomum que o Supremo, ao julgar a ADPF 323, concluiu que a interpretação dada pelo TST era inconstitucional.

 

54.4- A alteração proposta pelo parlamentar ao fim e ao cabo traz insegurança e enfraquece as normas coletivas, pois desvalorizará seu elemento essencial, que é a própria negociação. Ficará cômodo para o sindicato dos empregados deixar a situação como está, já que muitos benefícios já estão previstos e incorporados, passando a responsabilidade do compromisso para apenas um dos lados, desconsiderando a realidade econômica que poderá ter mudado.

 

54.5- Conforme assentado pelo Ministro Nunes Marques no voto proferido na apontada ADPF:

Não se pode perder de vista, também, o fato de que as cláusulas constantes das convenções ou dos acordos coletivos de trabalho integram um todo, de sorte que cada uma delas se legitima como causa ou consequência das demais. Perdas e ganhos justificam-se mutuamente, numa negociação que melhor se ajuste às circunstâncias financeiras e econômicas aferíveis no ambiente produtivo a ser por ela disciplinado.

Nessa quadra, não é legítimo pretender prorrogar cláusulas favoráveis ao trabalhador, descartando-se as demais que, no outro lado da moeda, possam favorecer de alguma forma o empregador.

 

54.6- Comentando a alteração promovida pela reforma trabalhista – e que deve ser mantida – o professor Henrique Correia (Curso de Direito do Trabalho – Ed. Jurispodium, 6ª ed., fl. 1479) assenta:

Conforme já salientado, essa modificação estimula as negociações periódicas e permite que as partes da relação de emprego busquem celebrar novos instrumentos coletivos para trazer outros benefícios aos trabalhadores. Com a valorização do negociados sobre o legislado na Reforma Trabalhista, a negociação coletiva assume posição de destaque, pois grande parte dos direitos trabalhistas passará a ser regulamentado em norma coletiva. Com o estímulo à negociação periódica, poderá ocorrer maiores conquistas e lutas por melhores condições de trabalho.

 

Prevalência da convenção coletiva sobre o acordo coletivo (artigo 620 da CLT)

55- Por anos houve dúvida e discussão na Justiça do Trabalho acerca da supremacia do acordo coletivo sobre a convenção coletiva. Por essa razão, a reforma trabalhista, dando nova redação ao artigo 620 da CLT, reconheceu a prevalência das normas negociadas em acordo coletivo sobre as estipuladas em convenção coletiva.

 

55.1- A alteração foi alvissareira e com sentido lógico, já que o acordo coletivo, por dizer respeito a norma mais específica deve prevalecer sobre norma mais geral.

 

55.2- O acordo coletivo, por estabelecer avença entre sindicato dos empregados e empresa, é o melhor meio para ajustar relações de trabalho às realidades produtivas, atender necessidades da empresa e dos trabalhadores daquela empresa, representados pelo Sindicato.

 

Competência da Vara do Trabalho para decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial (artigo 652, “f” e 855, B a E da CLT)

56- A proposta objetiva impedir a celebração da homologação de acordo extrajudicial, em claro ataque ao princípio da primazia da conciliação, o qual é norteador do direito do trabalho (artigo 764 da CLT). Esse princípio inclusive torna mais célere as soluções aos conflitos trabalhistas e traz segurança jurídica às partes que dele se utilizam. Antes não se podia ajuizar reclamação trabalhista para se fazer ajuste durante a existência do vínculo de emprego e as avenças feitas após seu término não tinham validade.

 

56.1- Atenta a essa questão e com objetivo de diminuir a sobrecarga da Justiça do Trabalho, a reforma trabalhista criou procedimento especial para a homologação dos acordos extrajudiciais, permitindo que as partes celebrem esses acordos, evitando posterior questionamento e revisão pela Justiça do Trabalho em razão da hipossuficiência do trabalhador, trazendo estabilidade e segurança.

 

57- Assim, presentes os elementos de validade do negócio jurídico previstos no artigo 104 do Código Civil, não caberá ao judiciário alterar a forma do pactuado, sob pena de não se negar validade ao princípio da primazia da conciliação.

 

Custas e emolumentos (artigo 789 da CLT)

58- A reforma trabalhista havia imposto limite máximo para as custas, o que o projeto de lei objetiva retirar.

 

58.1- Quando a parte perde o litígio, é pressuposto recursal o recolhimento das custas processuais, que é calculado em percentual do valor da causa. Assim, quanto maior fosse o valor, maior seria o valor da causa, o que poderia inviabilizar a interposição de recurso.

 

58.2- A limitação do seu valor objetivou homenagear a garantia de acesso à justiça e o duplo grau de jurisdição (previstos na Constituição Federal), visto que o valor excessivo em várias ações inviabilizava a interposição de recurso.

 

Gratuidade de justiça (artigo 790, §§ 3º e 4º da CLT)

59- Até a alteração normativa promovida pela reforma trabalhista, a justiça gratuita era deferida, na Justiça do Trabalho, àqueles que percebessem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declarassem, sob as penas da lei, que não estavam em condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.  Para a obtenção do benefício, ou o salário do demandante deveria ser igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou este deveria declarar que não tinha condições de pagar as custas.

 

59.1- Com o advento da Lei 13.467/17, os §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT passaram a prever, para a concessão do benefício da justiça gratuita, duas condições: o percebimento pela parte de salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (§ 3º) e a comprovação de insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo (§ 4º).

 

59.2- O que pretende o PL é que a comprovação seja feita mediante a simples declaração do interessado. Nesse sentido, existem duas consequências jurídicas a serem consideradas com o retorno: o estado de incerteza derivado da proliferação de decisões judiciais contraditórias e o fato de que, além de negar vigência aos §§ 3º e 4º, do artigo 790 da CLT, o entendimento do TST impunha à parte reclamada (o que retornará), frente à declaração de miserabilidade, o desproporcional ônus de comprovar que o reclamante não se enquadra em quaisquer das situações de vulnerabilidade econômica. O cenário que se instaurará é de insegurança jurídica.

 

Pagamento dos honorários periciais (artigo 790-B a CLT)

60- A proposta objetiva revogar o artigo 790-B da CLT. A medida não tem efetividade, já que o preceito foi declarado inconstitucional pelo Supremo, na ADI 5.766.

 

60.1- Conforme decidido, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT.

 

Honorários de sucumbência (artigo 791-A da CLT) e Responsabilidade por dano processual (artigo 793-A a D da CLT)

61- Antes da reforma trabalhista não havia pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, salvo nas hipóteses previstas na Súmula 219 do TST. A Lei 13.467/17 veio para atender anseio dos advogados que militam na área, valorizando seu trabalho e o remunerando por tal e, principalmente, para vedar o ajuizamento de lides temerárias, já que o reclamante não seria penalizado pela sua atual afoita e irresponsável. Nesse sentido o voto do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 5766.

 

61.1- Conforme apontado pelo ilustre Ministro em seu voto, os pareceres da Comissão Especial da Câmara e da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado demonstram “que uma das causas do excesso de litigância na Justiça do Trabalho é o exercício abusivo do direito à gratuidade”.

 

61.2- Assim, o retorno à situação anterior é retrocesso e instaura novamente a insegurança jurídica e permite, ainda que de forma dissimulada, a violação à boa-fé processual. E o pior, sem que haja consequência.

 

62- O mesmo raciocínio se aplica à inclusão, na CLT, dos preceitos que tratam da responsabilidade por dano processual.

 

62.1- Seu objetivo, no mesmo sentido, visava impedir o abuso do direito processual, homenageando o princípio constitucional da duração regular do processo (artigo 5º, LXXVIII), impedindo também que as partes atuem de forma desleal (artigo 5º e 322, § 2º do CPC). Esse instituto já estava previsto no direito civil (artigo 79 a 81 do CPC).

 

Exceção de incompetência (artigo 800 da CLT)

63- A alteração proposta pela Lei 13.467/17 veio para dinamizar e tornar célere o procedimento, já que a exceção de incompetência era apresentada somente em audiência, paralisando seu andamento. O que em Tribunais, assoberbados, poderia retardar em anos a solução do conflito. Desta forma, foi benéfica tanto para o reclamante, quanto para o reclamado (no caso excepto e excipiente). Agora, a medida deve ser apresentada em até cinco dias após o recebimento da notificação e sempre antes da audiência designada. Vejamos:/p>

Os benefícios desse procedimento para o réu/excipiente são os seguintes: a) a apresentação pode ser feita pelo PJe (art. 847, parágrafo único, da CLT), sem necessidade de comparecer à Vara do Trabalho; b) o processo será suspenso; c) a audiência designada será cancelada; d) a eventual prova oral ser tomada em audiência especialmente designada, mas as testemunhas do réu/excipiente podem ser ouvidas por carta precatória inquiritória.

Para o autor/excepto, procedimento também é benéfico, pois ele também não precisará comparecer à audiência e o prazo de resposta foi aumentado de 24h (redação anterior do art. 800 da CLT) para cinco dias.

Estando instruído o feito, o processo será concluso, para que o juiz decida no prazo de dez dais úteis (art. 226 do CPC c/c art. 775 da CLT), dada a natureza interlocutória. Se a exceção for acolhida, o processo será remetido ao juízo competente; se for rejeitada, a audiência será novamente designada, retomando o processo seu curso normal.

 

Ônus da prova (artigo 818 da CLT)

64- A CLT, em relação ao tema, era genérica. A alteração promovida pela reforma trabalhista trouxe mais racionalidade, apontando que incumbe ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao reclamado, em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante. Estabeleceu o que é usual no Direito brasileiro.

 

64.1- Trouxe, também, critérios objetivos para que o juiz inverta esse ônus.

 

64.2- A alteração sugerida tem potencial de criar um turbilhão de problemas e instaurar a insegurança jurídica, piorando a redação anterior. Além de reinstaurar a afirmação de que a prova das alegações incumbe a quem as fizer, estabeleceu de forma genérica, sem critério e de forma totalmente subjetiva, que a inversão poderá ocorrer “a critério do juiz”, ou quando o reclamante for hipossuficiente (ou seja, sempre).

 

64.3- O espírito da lei vai no sentido de não haver surpresas processuais às partes, que devem saber de antemão as regras de ônus da prova para cada uma.

 

Depoimento. Audiência. Registro (artigo 828 da CLT)

65- A proposta requer que o depoimento das partes e testemunhas sejam reduzidos a termo. Processo antiquado, moroso e burocrático que não encontra justificativa no atual desenvolvimento tecnológico e não representa a realidade vivida nos Tribunais Trabalhistas.

 

65.1- Hoje as audiências são integralmente gravadas, conforme disciplina o artigo 367, § 5º do CPC, aplicado ao processo do trabalho. O uso dos processos tecnológicos auxilia na celeridade e segurança, registrando exatamente o que aconteceu em audiência, eliminando, inclusive, qualquer discussão acerca da fiel transcrição de determinada informação.

 

Reclamação trabalhista (artigo 840, §§ 1º e 3º, da CLT)

66- A redação conferida ao § 1º do artigo 840 pela Reforma Trabalhista simplificou a norma, tornando-a menos confusa, pois o juízo competente para dirimir os conflitos intersubjetivos de interesse de ordem trabalhista nem sempre é a Vara do Trabalho (podendo ser juiz de direito). Aponte-se, que a simplicidade e informalidade são princípios do Direito do Trabalho.

 

66.1- O § 3º permite que o juiz indefira apenas parcialmente a petição, ou seja, somente em relação aos pedidos que não atenderem aos requisitos exigidos pela lei. Isso, obviamente, se o vício não for sanável e após concedido prazo ao autor para regularização (Súmula 263 do TST e artigo 321 do CPC). Dessa forma, não há motivo razoável para revogá-lo. A medida é salutar e traz para o corpo da CLT regras que não estavam expressamente nela previstas, trazendo mais segurança jurídica.

 

Preposto (artigo 843, § 3º, da CLT)

67- A norma inserida na CLT estabelece, expressamente, que o preposto não precisa ser empregado da reclamada.

 

67.1- Vale a menção de que a norma trabalhista nunca exigiu essa condição. Foi a justiça do trabalho, em excesso interpretativo, que passou a impor tal condição (Súmula 377 do TST). Em razão disso se tornou necessário que a norma tratasse expressamente da questão.

 

67.2- Não há sentido lógico para se exigir que o preposto seja empregado, já que sua única obrigação processual é ter conhecimento dos fatos. Em empresas maiores, normalmente o preposto sequer trabalha com o(a) reclamante e, muitas vezes, sequer o conhece. Regra geral é pessoa que trabalha na área de recursos humanos e conhece os trâmites empresariais.

 

Custas. Pagamento. Ausência do reclamante à audiência (artigo 844, §§ 1º ao 3º, da CLT)

68- Disciplinam os §§ 2º e 3º do artigo 844 da CLT que na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. Sendo certo, ainda, que o pagamento dessas custas é condição para a propositura de nova demanda.

 

68.1- Não poderia deixar de ser, já que as custas, nessa hipótese, têm caráter de penalidade, uma vez que a parte desrespeitosamente e sem justificativa não observou os procedimentos éticos mínimos que devia cumprir, movimentando o Poder Judiciário e trazendo custo para toda sociedade.

 

68.2- Tanto é assim que o Supremo, ao julgar a ADI 5766, concluiu ser constitucional esse preceito.

 

68.3- O § 1º, que possibilita a suspensão da audiência pelo juiz na ocorrência de motivo relevante, atende aos princípios da simplicidade, da celeridade e da imediatidade. Pois, constatando percalços que poderão obstruir o andamento processual, concede ao magistrado a liberdade de ação para tomada da melhor solução, visando a consecução rápida da lide.

 

Incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 855-A da CLT)

69- A responsabilização solidária de empresa do mesmo grupo econômico em execução trabalhista, independentemente da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e de seus sócios que não participaram da fase de conhecimento, agride de forma inequívoca normas constitucionais, como os princípios da isonomia e da legalidade; o direito de propriedade; o devido processo legal; o direito de defesa e o contraditório – artigos 5º, caput e incisos II, XXII, LIV e LV, da CF.

 

69.1- O reconhecimento do grupo econômico trabalhista tem relevância para as empresas e para a efetivação dos direitos trabalhistas, pois permite que mais de uma empresa se responsabilize pelo pagamento das verbas deferidas, em razão da existência da responsabilidade solidária, ainda que o empregado não tenha prestado serviço diretamente para todas. Da mesma forma sucede com a responsabilização dos sócios pelos débitos da empresa.

 

69.2- Para a responsabilização solidária, torna-se imprescindível a prévia produção probatória, de modo a demonstrar a direção, controle ou administração de uma sobre a outra, ou ainda, conforme alteração promovida pela Lei 13.467/17, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes do grupo econômico (requisitos para configuração do grupo econômico que, nos termos da lei, são cumulativos).

 

69.3- Logo, é imperioso que as partes possam produzir provas, defender-se de forma adequada, para que, diante do incidente instruído, se possa inseri-las (ou não) como executadas ou desconsiderar a personalidade jurídica da parte já reconhecido no título executivo.

 

69.4- É nesse momento de prova que, participando ativamente do processo, a parte apresentará os elementos para que o juízo forme seu convencimento, alicerçando sua pretensão e contrapondo a alegação do ex adverso.

 

69.5- Some-se, ainda, que a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não é opcional, conforme disciplina o artigo 795, § 4º, do CPC, somente sendo dispensado na hipótese do artigo 134, § 2º, do mesmo diploma (quando for requerido na petição inicial).

 

69.6- O procedimento é estruturado de forma a garantir a efetiva participação das partes e potencialização do diálogo, o que é elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental (artigo 5º, LIV e LV).

 

69.7- A caracterização de grupo econômico e a imposição de responsabilidade solidária são matérias complexas. Dependem não apenas da verificação da presença de requisitos fáticos, mas também da exegese em torno do art. 2º, §§ 2º e 3º, da CLT, de forma que a simples possibilidade de oposição de Embargos à Execução (com sua inserção tardia no processo de execução) não é suficiente para garantir, conforme apontado, o exercício do contraditório. Como pessoas estranhas ao processo de conhecimento, não fizeram parte do processo desde sua origem. Assim, tudo aquilo que poderiam ter alegado em seu favor já não lhes é mais facultado aduzir na execução.

 

69.8- A situação é ainda mais grave uma vez que, no processo do trabalho, das decisões proferidas pelos TRTs ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição (artigo 896, § 2º, da CLT e Súmula 266 do TST).

 

69.9- Essa importante questão até a reforma trabalhista não possuía previsão na CLT, o que foi prontamente equacionado pelo legislador ordinário.

 

69.10- Note-se, ainda, que o tema está sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 1.387.795 – tema 1.232 da repercussão geral), cujo voto do relator foi no sentido de se fixar a seguinte tese: “É permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (art. 2º, §§ 2º e 3º, da CLT) e que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT” (destacou-se).

 

69.11- Assim, sob pena se instaurar insegurança jurídica, é necessário a manutenção do presente artigo.

 

Execução (artigo 878 da CLT)

70- A proposta objetiva retornar com a possibilidade de o juiz impulsionar de ofício a execução, independente de manifestação dos interessados. Isso em arrepio ao que acontece nos outros ramos do direito.

 

70.1- O retorno desta possibilidade nos parece ser incompatível com a prescrição intercorrente, além de abalar o dever de imparcialidade do juiz, já que esse não pode atuar como verdadeiro advogado da parte.

 

70.2- O exequente está assistido por profissional qualificado e habilitado (advogado), que deve indicar ao magistrado o interesse no andamento do processo e os procedimentos que deverão ser tomados para efetivação da sentença condenatória.

 

70.3- Contudo, como na justiça do trabalho ainda vige o jus postulandi, o legislador à época, teve o cuidado de ressalvar a possibilidade de movimentação de ofício pelo juiz quando a parte não estivesse representada por advogado.

 

70.4- Quanto aos títulos executivos, o artigo 876 da CLT já os traz de forma não exaustiva. Ademais, a inserção, pela Comissão Parlamentar de nota promissória causa espécie e é tormentosa na justiça do trabalho, por não decorrer de matéria trabalhista, aplicando-se ao caso exemplificativamente a Súmula 18 do TST.

 

70.5- Nada obsta, inclusive, sua execução, caso obviamente vinculada à relação de trabalho. Mas inserção, como prevista pela Comissão Parlamentar, de forma ampla e irrestrita, poderá trazer insegurança jurídica.

 

Atualização dos créditos trabalhistas (artigo 879, § 7º, da CLT)

71- A Comissão Parlamentar pretende a revogação do artigo 879, § 7º, da CLT, que dispõe que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei no 8.177/91.

 

71.1- Contudo a questão já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto das ADIs 5.867 e 6.021 e das ADCs 58 e 59.

 

Garantia do juízo (artigo 882 e 884, § 6º, da CLT)

72- A reforma trabalhista possibilitou nova forma de garantia de juízo, que é o seguro garantia, que é permitido na justiça cível desde 2006 (Lei 11.382). O PL objetiva vedá-lo.

 

72.1- O seguro garantia é uma opção de caução que objetiva afiançar o fiel cumprimento das obrigações que foram assumidas, no caso reconhecidas em juízo. É uma espécie de seguro que visa impedir o inadimplemento do tomador. Assim, o reclamante não correrá risco no caso de a empresa não ter condições financeiras de pagar o débito, o que é usualmente conhecido como “ganhou, mas não levou”.

 

72.2- Assim, a alteração legislativa tinha o objetivo de oferecer meios para que o devedor cumprisse sua obrigação, de forma menos gravosa e que não deixasse o credor/reclamante descoberto, como já ocorre no processo de execução cível (art. 805 e 835, § 2º do CPC).

 

72.3- Com isso, a existência de mais de uma opção permite que o empregador escolha a que melhor lhe atenda e menos lhe prejudique financeiramente.

 

72.4- Note-se, ainda, que o seguro garantia é plenamente aceito pela Justiça do Trabalho, que tem normativo regulando a questão (Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1, de 29 de maio de 2020).

 

72.5- A permissão de que as entidades filantrópicas não precisem garantir a execução tem fundamento no fato social de que executam atividades caritativas, de ajuda ao próximo. Não visam o lucro. Ou seja, atendem de forma gratuita e voluntária.

 

BNDT (artigo 883-A da CLT)

73- Esse artigo é uma inovação do legislador, inserida na CLT pela reforma trabalhista e serve para disciplinar o protesto da decisão transitada em julgado, quando inadimplido o pagamento. Essa questão já era adotada supletivamente pela justiça do trabalho, que aplicava os artigos 517 e 782 do CPC (mas o fez com prazo mais alongado).

 

73.1- Nesse sentido já houve decisão do TST.

 

73.2- Deve se ter em mente o artigo 620 do CPC, que dispõe que a satisfação do crédito deve se dar da forma menos gravosa pelo devedor.

 

73.3- Desta forma, traz mais segurança jurídica, já que a norma trabalhista passa a ter disciplina específica a respeito da questão, evitando embates judiciais.

 

Depósito recursal (artigo 899, §§ 4º, 9º, 10 e 11, da CLT)

74- O depósito recursal na Justiça do Trabalho é regido pelo artigo 899 da CLT e tem a função precípua de garantir a execução. Por este motivo é feito em dinheiro. Assim, quando finalizada a ação, caso seja vitorioso, o reclamante poderá levantar a quantia depositada como forma de pagamento.

 

74.1- Trazendo novidade a esta seara, a Lei 13.467/17 passou a permitir que o valor seja substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial. Estes dois instrumentos têm como objetivo principal garantir o cumprimento de um contrato. No caso específico, a finalidade é a execução. Em apertada síntese, o banco garantidor afiança a existência de crédito que possibilitará o pagamento das verbas trabalhistas reconhecidas. Desta forma, o reclamante não fica descoberto e se possibilita a garantia prévia do juízo sem que se imobilize dinheiro para pagamento do depósito recursal.

 

74.2- Não obstante este avanço, a Comissão Parlamentar sugere nova alteração impedindo essa possibilidade. Medida que não deve prosperar, porque não desprotege o autor da ação e, ao mesmo tempo, não imobiliza dinheiro da empresa, o que pode ser vital para micro, pequenas e médias.

 

74.3- Ademais, a jurisprudência do TST demonstra sua aceitação.

 

74.4- O benefício concedido aos parágrafos 9º e 10 do artigo 899 da CLT atende os direitos fundamentais previstos no artigo 5º, XXXIV, “a” e XXXV da CF. Isso porque para as partes beneficiadas, o excessivo valor atribuído ao depósito recursal pode inviabilizar o recurso e a percuciente defesa.

 

74.5- A correção do depósito recursal (artigo 899,§ 4º da CLT) já foi dirimida pelo julgamento da ADI 5867, no sentido de que à “correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)”.

 

Trabalho temporário (Lei nº 6019/74)

75- A proposta configura retrocesso e traz insegurança jurídica, dificultando a terceirização e voltando a confundir a responsabilidade da empresa contratante com a da empresa contratada. Permite a interpretação de que são empresas umbilicalmente ligadas, criando uma vinculação intrínseca entre elas.

 

75.1- Não há razoabilidade no projeto de lei no que se refere à alteração da Lei 6.019/74, uma vez que os trabalhadores das empresas contratadas possuem todos os direitos trabalhistas garantidos, pois são regularmente contratados e vinculados às mesmas regras legais que os empregados da contratante.

 

75.2- Vejamos exemplificativamente.

 

75.3- O artigo 1º que passa a permitir o labor temporário em caráter excepcional. Ou seja, a análise da excepcionalidade ficará a cargo de interpretações subjetivas e, tomando-se como base a interpretação da justiça do trabalho em relação ao tema, será sempre a de não reconhecer a necessidade.

 

76- A mesma situação ocorre em relação ao artigo 2º, que define trabalho temporário. Exclui-se a possibilidade de prestação para atendimento de demandas complementares de serviço e a substitui por “acréscimo extraordinário de serviços”, cujo escopo é mais restrito. Tanto é assim que o § 2º do artigo definia como demanda complementar qualquer serviço decorrente de fatores imprevisíveis ou de natureza intermitente, periódica ou sazonal.

 

77- O artigo 4º-A, alterado, exclui a definição expressa da possibilidade de terceirização da atividade-fim da empresa, retornando à interpretação anterior consagrada na Súmula 331 do TST.

 

78- O artigo 5º traz sugestão que não é razoável. Exige, para funcionamento, a comprovação de capital social suficiente para pagar os direitos dos trabalhadores, caso venha a entrar em falência. Note-se, ainda, que o termo usado no projeto de lei (“em caso de quebra”) não é o correto, já que a Lei Complementar 95/98 exige o uso de nomenclatura técnica própria da área, quando estiver a ela se referindo (situação abrangida pela Lei 11.101/05).

 

78.1- A ideia quebra o princípio da isonomia (artigo 5, caput, da CF), já que não exige para a constituição de qualquer outra modalidade empresarial regramento similar. Como se não bastasse, a medida fere a Lei 13.874/19, que traz como princípios a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas e a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

 

79- A proposta, ao exigir a soma vultuosa de valores, não fomenta a criação de novas empresas e, com isso, a contratação de novos trabalhadores. Age, na verdade, contrária às regras saudáveis de regulação.

 

80- As medidas ilógicas não param por aí. Exige que os sócios sejam brasileiros (o que não é requisito para abertura de qualquer outra modalidade empresarial) e que haja prova da “constituição da firma”. Pergunta-se: que prova é essa? Registro na Junta Comercial, CNPJ, inscrição municipal, etc? A norma é pouco clara e traz insegurança jurídica.

 

81- Estabelece, também, que possua capital social mínimo de 500 vezes o maior salário-mínimo do Brasil (hoje o valor exigido é de R$ 100 mil reais). Qual é esse valor? A lei não atende a determinação de clareza e precisão, exigida no artigo 11 da Lei Complementar 95/98.

 

81.1- Ademais, o valor é exorbitante e inviabilizador da atividade empresarial. Exemplificativamente, o valor do salário-mínimo para técnico de nível médio no Paraná é de R$ 1.999,02. Assim, o montante do capital social seria de praticamente um milhão de reais.

 

82- A tentativa de inviabilização do contrato temporário se nota, também, no seu prazo de duração. Atualmente é de 180 dias e a proposta reduz pela metade.

 

83- Percebe-se a intenção Parlamentar em transferir para outro obrigações que seriam do real empregador (contratado), inviabilizado essa modalidade.

 

83.1- A medida aparenta estratégia para minar as Leis 13.429/17 e 13.467/17, impulsionando novamente o Estado para agravamento de uma regulamentação ilógica.

 

84- A proposta desrespeita, inclusive, a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADPF 324, que autorizou a terceirização em todas as etapas do processo.

 

85- Como visto, do ponto de vista estritamente jurídico, a imposição desta regra parece violar os artigos 1º, IV e 170, caput da Constituição, por desrespeitar o princípio da livre iniciativa ao se imiscuir indevidamente na gestão empresarial (tanto do Estado na contratante, com a proposta; como de uma empresa sobre a outra). Ao agir desta forma, a medida se apresenta contrária à ordem contida nos artigos anteriormente citados.

 

85.1- Acrescente-se que são mais do que conhecidas as danosas consequências a médio e longo prazos da imposição de amarras aos empregadores no que se refere à condução livre da empresa, na contramão das regras que regulam quaisquer mercados, sendo o principal deles o aumento dos custos para o setor produtivo que, por consequência, acabarão por elevar os preços para o consumidor final

 

85.2- Neste sentido (30 anos da Constituição Brasileira. Democracia, Direitos Fundamentais e Instituições. Organizador: José Antônio Dias Toffoli. Editora Forense, 2018, páginas 761/763):

17. O art. 170 da CF, ao proclamar a livre-iniciativa como fundamento da Ordem Econômica, reconhece a liberdade como um dos fatores estruturais da Ordem. Afirma, assim, a autonomia empreendedora do homo economicus na conformação da atividade econômica. Na livre-iniciativa a liberdade expressa-se, de um lado, em termos negativos como ausência de impedimentos e expansão da própria atividade. Em termos de liberdade positiva, como participação na construção da riqueza econômica. [...]

[...] Em termos da ordem econômica, assegurar é, assim, velar para que sejam normativamente evitados impedimentos (discriminação) e promovidos reequilíbrios econômicos em situações de desfavorecimento de fato. [...]

Para bem compreendê-la é preciso levar em consideração os efeitos que a forte presença do Estado regulador na atividade econômica sobre ela exerce, quer por imposição de obrigações, de proibições, de autorizações, de estímulos e quer até por omissão normativa. Produzem-se, de fato, limitações na liberdade. Essas limitações, contudo, são mediatas, não estão contidas imediatamente na regulação normativa. Elas influenciam a motivação dos sujeitos.

Assim, se o Estado impõe ou deixa de impor regras, isso condiciona os sujeitos. Isso motiva os sujeitos, mas o efeito motivador é apenas um dos efeitos possíveis. A liberdade de iniciativa, assim, está na possibilidade deixada ao sujeito de exercer o seu próprio cálculo de custo/benefício. E o direito de liberdade de iniciativa garante-se, assim, por meio de um princípio de sopesamento, capaz de equilibrar as interferências nas motivações (estatais, sociais, individuais, etc.).

A Constituição, nessa linha, consagra o mercado e a dinâmica dos agentes privados como força motriz por excelência da economia, na crença consistente de que as soluções geradas pelos agentes privados sobre o que, como e quanto produzir são as mais aptas à produção de bem-estar. Note-se que a atuação do Estado passa a ter um caráter negativo, isto é, de identificação e colocação dos limites aos agentes privados.

O Estado, nesse sentido, não exerce orientações impositivas sobre a atividade econômica, fazendo-o apena de modo indicativo (art. 174, caput). Quando ações ou operações privadas ofenderem ou ameaçarem interesses públicos relevantes como a saúde, a livre competição, a segurança, o meio ambiente, o pleno emprego, limita-se a apontar quais não serão aceitas. As orientações positivas sobre a organização da atividade privada, dentre da lei, devem partir sempre dos próprios agentes, por foça da livre-iniciativa que fundamenta e informa todo o sistema econômico.

 

III - Conclusão

86- Isto posto, a CNI não deve apoiar o PL 5.183/23.

 

 

-------

Eduardo Albuquerque Sant’Anna é advogado da CNI

Receba nosso boletim

* Os campos marcados com asterisco (*) são obrigatórios

CONTEÚDOS RELACIONADOS

parecer.png
EDIÇÃO 10 - MAIO 2020

Análise da proposta de regime jurídico especial e transitório das relações de direito privado no período da pandemia covid-19

par2.jpg
ACESSAR
artigo.png
EDIÇÃO 10 - MAIO 2020

A Covid-19 foi considerada doença ocupacional pelo Supremo?

art1.jpg
ACESSAR
parecer.png
EDIÇÃO 11 - JULHO 2020

Recuperação e falência durante a pandemia
 

par3.jpg
ACESSAR
topo