Relações contratuais entre produtores integrados e integradores
por Jose Augusto Seabra Monteiro Vianna
EDIÇÃO 26 - DEZEMBRO 2023
PL 2.646/2020 - Permite a criação de debêntures de infraestrutura - Expansão segundo o princípio do desenvolvimento sustentável - Investimentos para combater a crise COVID-19 - Demanda permanente do setor produtivo por investimento em infraestrutura - Apoio da CNI.
Substitutivo pretendendo incluir dispositivos na Lei sobre contratos de integração, obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores. Proposta contrária à livre iniciativa e ao livre mercado. Impede a empresa integradora de praticar ajustes financeiros, econômicos ou comerciais com produtores integrados. Desequilíbrio na relação de direitos e obrigações entre as partes. Soluções que podem ser adotadas por meio de aperfeiçoamentos no funcionamento do CADEC e do FONIAGRO.
I- Contexto
1- Trata-se de análise jurídica do substitutivo aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei (PL) 8311/2017, que originalmente visava incluir os §§ 6 e 7 no art. 6 da Lei 13.288/2016, que dispõe sobre os contratos de integração, obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores, basicamente vedando que os "produtores integrados ou representantes de suas entidades que integram a CADEC, bem como aqueles que compõem o FONIAGRO, não poderão ter seus ajustes financeiros, econômicos ou comerciais alterados unilateralmente por parte das empresas com as quais mantenham contratos de integração, durante o exercício dos respectivos mandatos, até 1 (um) ano após a extinção dos mesmos" e que a "infringência ao disposto no § 3 deste artigo caracteriza ato análogo ao de rescisão sem justo motivo e sujeita o autor às penalidades previstas no art. 715 da Lei 10.406/ 2002”.
2- O substitutivo, por sua vez, não destoa em nada das intenções do projeto original, e acrescenta mais um parágrafo para vedar supostas práticas de discriminação por parte das empresas integradoras contra integrantes do CADEC e do FONIAGRO, que representem os integrados, supostas práticas de discriminação/retaliações que eram mencionadas como ocorrentes apenas na justificativa do PL 8311/2017, mas não em seu texto, razão pela qual foi acrescentada essa vedação, além de excluir a previsão que proibia alteração unilateral dos contratos de integração até 1 (um) ano após sua extinção, mas mantendo a proibição durante sua vigência, sendo bastante se constatar a coincidência das intenções após cotejamento do texto da proposta com o texto sugerido, o qual, por sua vez, determina o seguinte:
§ 6 Os representantes das entidades que integram a CADEC e o FONIAGRO não poderão ter seus contratos de integração alterados unilateralmente pelas empresas com as quais mantenham relação de integração, antes do final de seus prazos de vigência.
§ 7 No caso de valores financeiros, econômicos ou comerciais definidos ao longo do contrato de integração, as empresas integradoras não poderão discriminar os representantes das entidades que integram o CADEC e o FONIAGRO em relação aos demais integrados.
§ 8 A infringência ao disposto no § 3 deste artigo caracteriza ato análogo ao de rescisão sem justa causa e sujeita o autor às penalidades previstas no art. 715 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além de outras previstas na regulamentação desta Lei.
II- Análise
II.I- ASPECTOS FORMAIS
3- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (CF, Art. 61 e § 1).
4- No aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por lei ordinária, legislar nessa matéria (CF, art. 22, I).
II.II- ASPECTOS MATERIAIS
5- O projeto é inconstitucional ao prever que os produtores integrados “não poderão ter seus ajustes financeiros, econômicos ou comerciais alterados unilateralmente por parte das empresas com as quais mantenham contratos de integração, durante o exercício dos respectivos mandatos, até 1 (um) ano após a extinção dos mesmos”, pois tal medida feriria o princípio da livre iniciativa e do livre mercado, em especial no caso da relação jurídica existente entre produtores integrados e empresas integradoras uma vez que tais alterações, quando cabíveis, e em vista de razões objetivas, são previstas no Documento de Informação Pré-Contratual - DIPC, que deve contemplar uma série de informações e dados relacionados ao negócio e ao contrato.
5.1- Deve ser lembrado, ainda, que o produtor integrado, ao concordar com cláusula contratual que preveja, a qualquer tempo, em razão da necessidade de adequação às contingências do mercado de alimentos, modificação da fórmula de cálculo da sua remuneração, está participando do risco do negócio, que ora pode estar em momento de expansão, ora em momento de contração.
5.1.1- Da mesma forma, ajustes também podem ocorrer em razão do desempenho do produtor integrado. Se se esperava dele eficiência que correspondesse aos insumos e assistência técnica colocados à sua disposição pela empresa integradora e tal expectativa não se confirmou por comprovada ineficiência em relação à qualidade ou quantidade daquilo que se comprometeu a produzir, por exemplo, a remuneração pode ser objeto de ajustes.
6- O projeto é também injurídico, pois se as cláusulas contratuais de natureza privada se baseiam na realidade do negócio, se os contratantes são maiores e capazes, se as regras pactuadas tratam de objeto lícito e se todas as regras se encontram normatizadas em lei, a intervenção estatal proposta desequilibraria artificialmente a relação de direitos e obrigações existente entre as partes, o que é inadmissível, inovando em matéria que não admite este tipo de inovação.
7- Examinando-se, nesse passo, a própria lei que se visa alterar, parece claro que quaisquer conflitos podem ser resolvidos pelo CADEC, não somente em vista de sua composição, como em razão de suas atribuições, entre elas, destaque-se, a de "dirimir questões e solucionar, mediante acordo, litígios entre os produtores integrados e a integradora", órgão perfeitamente capaz de identificar e tratar eventual denúncia de represália aplicada por alguma empresa integradora, sendo de se estranhar que a justificativa tenha se referido a “retaliações” sem especificar quais tenham sido elas e em que circunstâncias fáticas eventualmente se deram.
7.1- Na mesma esteira da conclusão do item anterior, o FONIAGRO, também previsto na mesma lei, cujas finalidades são as de "definir diretrizes para o acompanhamento e desenvolvimento do sistema de integração e de promover o fortalecimento das relações entre o produtor integrado e o integrador", é órgão capaz de auxiliar na melhoria das relações entre produtor integrado e empresa integradora.
7.2- Ora, se conforme informa o proponente, seu projeto tem por propósito "garantir aos representantes dos produtores, membros da CADEC e do FONIAGRO condições para o pleno e livre exercício da representação dos interesses da categoria dos produtores integrados", em vista de, segundo sua justificativa, repita-se, estar havendo "retaliações" a esses representantes por parte das empresas integradoras, então é o caso de se pensar que o problema está ocorrendo, em verdade, no funcionamento do CADEC e do FONIAGRO, já que possuem legalmente todas as condições para evitar estas supostas "retaliações" ou, caso já tenham ocorrido, denunciá-las e buscar reverter os danos eventualmente havidos.
8- Por fim, a referência ao parágrafo 3 do mesmo artigo, parece sem sentido. Nada obstante, seria ilegal aproximar o conceito de rescisão contratual ao instituto da "justa causa" (típico da esfera trabalhista), uma vez que conforme art. 2, §3, da Lei 13.288/16, a integração é relação civil definida nos termos da Lei e não configura prestação de serviço ou relação de emprego entre integrador e integrado, seus prepostos ou empregados. Não há comparação entre a natureza jurídica do contrato de integração (típico contrato agrário) com o contrato de agência/distribuição (típico contrato empresarial).
8.1- Logo, a aplicação do art. 715 do Código Civil pretendida no PL, no mínimo, gera desnecessária insegurança jurídica, uma vez que o art. 4, XVI, da Lei 13.288/16 já dispõe sobre a matéria e, em última análise, compete a Comissão de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração - CADEC, auxiliar as partes na interpretação de cláusulas contratuais ou outras questões inerentes ao contrato de integração.
III - Conclusão
9- Entendimento de que tanto os termos do projeto, quanto os do substitutivo da CDE, são contrários à livre iniciativa e ao livre mercado, sendo, portanto, inconstitucionais, uma vez que impedem a empresa integradora a praticar ajustes financeiros, econômicos ou comerciais com os produtores integrados que fazem parte do CADEC, órgão este que possui, entre outras competências, a de "estabelecer sistema de acompanhamento e avaliação do cumprimento dos encargos e obrigações contratuais pelos contratantes" e a de “dirimir questões e solucionar, mediante acordo, litígios entre os produtores integrados e a integradora".
10- Entendimento de que o projeto, bem como o substitutivo da CDE, são também injurídicos, pois se as cláusulas contratuais de natureza privada se baseiam na realidade do negócio, se os contratantes são maiores e capazes, se as regras pactuadas tratam de objeto lícito e se todas as regras se encontram normatizadas em lei, a intervenção estatal proposta desequilibraria artificialmente a relação de direitos e obrigações existente entre as partes, o que é inadmissível, inovando em matéria que não admite este tipo de inovação.
11- Entendimento que o problema, caso existente em proporção que justifique qualquer alteração legislativa, deve ser solucionado por meio de aperfeiçoamentos no funcionamento do CADEC e do FONIAGRO, e não da forma inconstitucional e injurídica desejada tanto pelo projeto quanto pelo substitutivo.
12- Entendimento de que seria ilegal aproximar o conceito de rescisão contratual ao instituto da "justa causa" (típico da esfera trabalhista), uma vez que conforme art. 2, §3, da Lei 13.288/16, a integração é relação civil definida nos termos da Lei e não configura prestação de serviço ou relação de emprego entre integrador e integrado, seus prepostos ou empregados. Não há comparação entre a natureza jurídica do contrato de integração (típico contrato agrário) com o contrato de agência/distribuição (típico contrato empresarial).
13- Entendimento de que a aplicação do art. 715 do Código Civil pretendida no PL, no mínimo, geraria desnecessária insegurança jurídica, uma vez que o art. 4, XVI, da Lei 13.288/16 já dispõe sobre a matéria e, em última análise, compete a Comissão de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração - CADEC, auxiliar as partes na interpretação de cláusulas contratuais ou outras questões inerentes ao contrato de integração.
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Jose Augusto Seabra Monteiro Vianna é advogado da CNI