Aposentadoria a beneficiários do regime geral de previdência
Por Fernanda de Menezes Barbosa
EDIÇÃO 24 - SETEMBRO 2023
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1. Proposta que visa regulamentar a aposentadoria especial, mas repete texto legal vigente e insere a periculosidade como elemento gerador do direito. 2. Atividades perigosas que não constam expressamente do texto constitucional e foram excluídas do rol em 1997. 3. Concessão ampliativa pelo Poder Judiciário, inclusive em sede de precedentes vinculantes (Temas 534 e 1031 do STJ). 4. Atividade legislativa que, caso adira ao posicionamento judicial, deve ao menos fazê-lo conferindo contornos objetivos e seguros ao direito. 5. Pelo não apoio.
I- Contexto
1.1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PLP) 42/2023, que pretende regulamentar o art. 201, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, para dispor sobre os requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, nos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde, e dá outras providências.
1.2- O autor em sua justificativa alega que “(...) por isso, a ideia foi transplantar, com modificações, toda a Subseção IV, artigos 57 e 58, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre aposentadoria especial, para uma lei própria, complementar. As alterações, além de adequações, objetivam atender ao conceito de saúde constante do art. 196, caput, da Constituição Federal. (...) Não fosse assim, como ficaria a situação de exposição a ruídos elevados e à violência, por dever de ofício, como o caso de transporte de valores? Com efeito, há decisões judiciais importantes no sentido de reconhecer a situação especial de algumas categorias, como os vigilantes, mas não há lei que a assegure. O próprio STF está julgando caso de repercussão geral na temática, exatamente por ausência de uma lei regulamentadora. Assim, por ser medida de justiça social a uma ampla gama de trabalhadores, essenciais para a Sociedade, é que solicito aos colegas parlamentares o aperfeiçoamento e a aprovação deste Projeto de Lei”.
II- Análise
II.I- ASPECTOS FORMAIS
2.1- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa (artigo 61 e seu §1º, da Constituição Federal).
2.2- No aspecto federativo, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (artigo 22 da Constituição Federal).
II.II- ASPECTOS MATERIAIS
2.3- A proposta visa regulamentar a aposentadoria especial e, para tanto, reproduz em parte dispositivos vigentes, revogando-os e inserindo a nova disciplina em sede de lei complementar. Para fins de comparação do texto vigente e do texto proposto, a alteração mais significativa é a inserção da periculosidade como elemento que concede o direito à aposentadoria especial a segurados.
2.4- Primeiramente, importante mencionar que a Constituição Federal não prevê que atividades perigosas sejam elemento que gere o direito à aposentadoria especial:
§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (...)
II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. (grifo nosso)
2.5- É ainda notório que o texto da Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência) iria excluir atividades perigosas expressamente como atividade geradora do direito à aposentadoria especial, mas o trecho foi ao fim retirado. Logo, depreende-se que o contexto normativo objetivo (notadamente após o Decreto 2.172/1997, que as exclui expressamente do rol) não autoriza a extensão por estrita obediência ao texto constitucional, como se fosse uma decorrência da Emenda Constitucional aprovada.
2.6- Não obstante, o Poder Judiciário tem se posicionado no sentido ampliativo, ou seja, concedido o benefício a empregados segurados que tenham exercido suas atividades com a caracterização de perigosas, desde que de forma permanente, não ocasional ou intermitente (Temas 534 e 1031 julgados no rito dos recursos repetitivos perante o STJ). Logo, a diversidade de posicionamentos vinculantes requer da atividade legislativa, ao menos, a adequada limitação da concessão ampliativa do benefício.
2.7- Ainda que se não concorde com a ampliação do direito pelas vias jurisprudenciais, notadamente em se tratando de ramo do direito que adere a alguns princípios do direito tributário (por sua natureza contributiva e estreita vinculação a contribuições sociais devidas aos empregadores), caso a atividade legiferante adira aos entendimentos judiciais vinculantes, que ao menos o faça de forma a conferir segurança jurídica e contornos mais objetivos ao direito.
2.8- Isso porque não são todas as atividades perigosas do ponto de vista trabalhista que irão gerar, necessariamente, a efetiva exposição como previsto na Constituição Federal. Essa ponderação traz ainda outro elemento fundamental na segurança jurídica com relação à concessão da aposentadoria especial (e consequentemente na oneração e fiscalização dos empregadores), que é a previsão expressa da possibilidade de eliminação ou neutralização da nocividade (que não consta da proposta) mediante a adoção de medidas de proteção (coletivas ou individuais).
2.9- De forma a ilustrar a defesa do setor produtivo no tema, cite-se uma das Propostas da Indústria para as Eleições 2022 com relação à Previdência e especificamente à aposentadoria especial (dentre outras):
4.2.5.1 Vincular expressamente a concessão da aposentadoria especial à efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, inclusive cancerígenos, e dispor sobre a obrigação de o empregado informar à empresa sobre sua aposentadoria especial.
III- Conclusão
3- Isso posto, o PLP 42/2023 não merece apoio.
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Fernanda de Menezes Barbosa é advogada da CNI