Supremo reconhecimento de que a demissão coletiva independe de autorização sindical

Por Eduardo Albuquerque Sant’Anna

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EDIÇÃO 22 - ABRIL 2023
imagem de placas de pessoas representando demissão em massa nas organizações

 

 

Em 2009, a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou a premissa de que a negociação coletiva seria imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.

 

À época, não havia previsão legislativa sobre os critérios específicos a serem adotados para sua implementação. Sem cogitar que esse silêncio seria uma opção do legislador, o TST concluiu que o cenário era de vazio legislativo inaceitável e merecedor de proteção inovadora. O panorama se alterou com a introdução do art. 477-A na CLT, pela Lei nº 13.467/17, que objetivou suprir disputa interpretativa sobre o assunto.

 

A referida decisão proferida pelo TST em 2009 foi objeto de recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em junho de 2022, ao julgar o RE 999.435, fixou a seguinte tese: "A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

 

Restou claro na decisão proferida pela Suprema Corte, conforme voto do Ministro Roberto Barroso, que a intervenção sindical não se confundiria “com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”, mas apenas entabulação de diálogo entre as partes envolvidas, “quase que uma cortesia institucional, quase como um respeito e uma consideração por quem está sendo mandado embora, que, quem sabe, por ter algum argumento que atenue o dará que é ficar sem emprego, ficar sem trabalho quem quer trabalhar”.

 

Recentemente, em relação à eficácia temporal da tese, que foi objeto de pedidos de esclarecimentos (embargos de declaração), assentou o STF que a exigência procedimental de intervenção sindical vinculará apenas as demissões em massa ocorridas após a publicação da ata do julgamento de mérito do recurso (junho de 2022).

 

Extrai-se, portanto, que a participação sindical induz apenas à necessidade de se empreenderem esforços no sentido de sentar-se à mesa para tentar encontrar alguma solução, sem compromisso com o resultado. Assim, sendo infrutífera a discussão, as demissões programadas poderão tomar curso. A exigência é apenas procedimental, de modo que as partes dialoguem para ver se conseguem encontrar alguma medida que possa evitar as demissões ou mitigar o problema.

 

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal atribuiu papel de relevância dos sindicatos profissionais na dispensa coletiva, muito embora tal não tenha, aparentemente, sido opção do legislador constituinte nesta hipótese, que, quando assim pretendeu, foi expresso, a exemplo do que se vê nos os incisos VI, XIII e XIV, do artigo 7º da Constituição Federal.

 

Apesar dos detalhados votos, a decisão deixa algumas dúvidas, mesmo após o julgamento dos embargos de declaração. Por exemplo: o STF poderia ter indicado exatamente os contornos do que entende por dispensa coletiva e como se daria a participação sindical no procedimento.

 

A decisão determina, como referiu o Ministro Barroso, a protocolar participação sindical previamente às dispensas coletivas, sem tangenciar elementos primordiais para a caracterização de uma dispensa coletiva como instituto autonomamente qualificado e sujeito à autoridade da decisão.

 

Assim, para se configurar uma demissão como coletiva, não se sabe, ainda, se a análise será qualitativa ou quantitativa. Não resta claro, por exemplo, se a averiguação da natureza da dispensa será por número absoluto de empregados demitidos, ou se a averiguação será por percentual de trabalhadores da empresa. Não se sabe, outrossim, se a questão do lapso temporal das dispensas sucessivas (aquelas que ocorrem durante certo período de tempo) será imperiosa para se considerar como coletiva a demissão e, em sendo, qual será esse tempo.

 

Assim é que a decisão não anuncia como e quando deverão as empresas enquadrar rescisões no conceito de demissão coletiva, nem se a conversa obrigatória com os sindicatos submete as empresas à avaliação de uma causa objetiva da dispensa, ou à própria pertinência da motivação, ou em que critérios quantitativos de desligamentos devem as partes se basear, para citar apenas alguns dos aspectos ainda a reclamar densificação para que haja a esperada segurança jurídica plena.

 

Outra questão candente é a da compatibilidade da decisão proferida pela Suprema Corte com o disposto no artigo 477-A da CLT. A decisão, ao menos em parte, se conforma com o texto legal, pois ambas disciplinam que as dispensas em massa não necessitam de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. Contudo, há espaço para discussão em relação à participação sindical.

 

Essas questões, é certo, poderiam ter sido resolvidas quando analisado o mérito Recurso Extraordinário, ou mesmo no julgamento dos embargos de declaração.

 

Como, porém, não o foram, ficaram abertas, possibilitando nova discussão em âmbito judicial, por intermédio de ações de feição concreta, iniciadas na Justiça Trabalhista, ou mesmo por intermédio de ação em controle concentrado. Quanto a uma nova rodada judicial de debate no Supremo sobre o tema da dispensa coletiva, vale lembrar que, em relação à situação pós-reforma trabalhista, há ação a desafiar o artigo 477-A da CLT: trata-se da ADI 6142, proposta pela Confederação Nacional do Trabalhadores Metalúrgicos, que, acredita-se, não será julgada procedente se mantiver a Suprema Corte o entendimento consolidado de que não é necessária a anuência em negociação coletiva previamente às demissões em massa.

 

Por serem, ainda, as questões apontadas de grande relevância para as relações laborais no País, espera-se que o Congresso Nacional lance luzes sobre o instituto da dispensa coletiva, já em sua renovada composição. Afinal, o foro legislativo é o que permite o debate mais amplo e democrático da questão, com a participação não só de profissionais do direito, mas de atores econômicos relevantes, como os empregadores e trabalhadores de todos os setores da economia brasileira. A elaboração de uma lei sobre a dispensa coletiva, a estabelecer quais são as condutas a serem seguidas e eventuais sanções que deverão ser aplicadas, poderia, assim, pôr fim a esse importante debate que já vem sendo travado em juízo há alguns anos e que merece, em futuro breve, alcançar uma pacificação definitiva.

 

É elemento intrínseco do Estado de Direito a segurança jurídica. Dessa forma, o Estado deve atuar como garantidor dos direitos fundamentais, razão pela qual a previsão legal das condutas toma grande relevância. Não se pode conceber um sistema equilibrado se todos não estiverem submetidos a normas que claramente pautem as relações jurídicas, apontando antecipadamente o que pode ou não ser feito e como deve ser feito, trazendo, assim, previsibilidade ao ordenamento jurídico nacional.

 

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Eduardo Albuquerque Sant’Anna é advogado da CNI

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