Hidrogênio como fonte energética

Por Alexandre Vitorino Silva

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EDIÇÃO 18 - Junho 2022
imagem de nuvens sobre uma floresta representando hidrogênio como fonte energética

I- Objeto

 

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei 725/2022 (PL), que visa estabelecer mecanismos de inserção do hidrogênio no setor energético nacional e estabelece parâmetros para o seu uso sustentável, assim resumido:

“Torna objetivo das políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia a inserção do hidrogênio como vetor energético para a transição para uma economia de baixo carbono.

Responsabiliza a ANP pela regulação, autorização e fiscalização da atividade da cadeia do hidrogênio, inclusive a produção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, padrões para uso e injeção nos pontos de entrega ou pontos de saída.

Estabelece percentuais mínimos obrigatórios em volume para a adição de hidrogênio no ponto de entrega ou ponto de saída nos gasodutos de transporte, sendo 5%, a partir de 1º de janeiro de 2032, e 10%, a partir de 1º de janeiro de 2050.”

 

II- Análise

 

II.1- ASPECTOS FORMAIS

2- Compete à União legislar, privativamente, sobre energia, na forma do art. 22, IV, da Constituição da República. Cumpre-lhe, ainda, dispor sobre normas gerais de direito ambiental, no âmbito da competência concorrente (art. 24, V).

3- A matéria regulada na proposição não está sujeita à reserva presidencial de iniciativa de que cuida o art. 61, §1º, da CRFB, cujo rol, de acordo com a jurisprudência do STF, é taxativo.

4- A propósito, no julgamento do MS 22.690, sob a Relatoria do Min. Celso de Mello, o tribunal assentou que “a teoria do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima – considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa – se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja.”

5- Livre, portanto, é a iniciativa parlamentar, e não se detecta qualquer vício de inconstitucionalidade formal na proposição, que segue o devido processo legislativo.

II.2- ASPECTOS MATERIAIS

6- No mérito, a CNI, em diversas ocasiões, tem apoiado projetos de lei como o ora examinado, porque buscam aumentar a oferta de energia no mercado de consumo brasileiro por meio da utilização de fontes renováveis e ambientalmente sustentáveis. É o caso do hidrogênio combustível.

7- O PL visa, assim, concretizar o princípio do desenvolvimento sustentável, encartado no art. 225 da CRFB, harmonizando desenvolvimento econômico com preservação ambiental, a fim de estabelecer um regime capaz de promover um critério de justiça transgeracional na utilização dos recursos energéticos do País.

 

8- O texto não apresenta, aparentemente, qualquer dispositivo em contraste com preceitos materiais da Carta de 1988; está, portanto, em situação de perfeita adesão com a norma de hierarquia máxima do sistema jurídico nacional.

9- A conveniência da aprovação do PL, a seu turno, pode ser extraída de sua alentada justificação, que dá conta da necessidade de substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis, para diminuir a poluição, a dependência em relação a combustíveis com valor flutuante no mercado internacional, e também para aumentar a oferta de energia disponível, insumo que é indispensável para o desenvolvimento da indústria e da economia nacional como um todo. Confira-se:

 

"O uso de energias renováveis tem apresentado forte crescimento em países de todo o mundo, motivado pelo aumento do temor quanto aos efeitos de danos ambientais decorrentes da emissão de gases de efeito estufa e pelos consequentes impactos climáticos. O uso de combustíveis fósseis para a geração de energia elétrica e no setor de transporte contribui muito para essa situação, e o câmbio dessas fontes de geração de energia para fontes menos poluentes é uma tentativa de solução ao problema, no processo intitulado de “descarbonização”. Diversos países têm procurado o afastamento da dependência do petróleo e outros hidrocarbonetos de suas matrizes energéticas mediante a adoção de pesquisa e desenvolvimento de alternativas que vêm oferecendo eficiência crescente em decorrência da evolução tecnológica, tais como as fontes de geração de energia elétrica nas modalidades solar-fotovoltaica e eólica. Além disso, para enfrentar o impacto associado à matriz de transportes, vem sendo gradualmente bem-sucedida a opção de eletrificação das frotas, e vários países já fixaram data para abolir carros movidos a derivados de petróleo. Um exemplo é a Alemanha, que anunciou a intenção de banir carros movidos a diesel e gasolina até 2030. Com o avanço tecnológico dos últimos anos, a fronteira da produção comercial de novas fontes alternativas de geração de energia elétrica passou a ser uma realidade mundial. Com o hidrogênio, se vislumbra o mesmo caminho. Ele se torna uma fonte de energia mais simples, mais leve, e com densidade energética considerável. Costuma ser produzido industrialmente a partir de combustíveis fósseis, como gás natural, petróleo ou carvão, resultando os denominados hidrogênios cinza e marrom, respectivamente, ou azul, quando do sequestro permanente do dióxido de carbono emitido no processo produtivo do hidrogênio cinza. Esse processo costuma ser aplicado, no âmbito da indústria química, na produção de fertilizantes, como amônia e ureia, e também utilizado como agente de dessulfuração em refinarias de petróleo, e usado em dutos de metanol e gasolina. O hidrogênio pode ser obtido a partir de diversas matérias primas e através de variadas rotas tecnológicas, mas é considerado verde quando é produzido a partir de fontes renováveis de energia, como solar, eólica, biomassas, biogás e hidráulica, o que contribui para o processo de “descarbonização” da economia e posiciona esse elemento como uma nova alternativa para o câmbio energético desejado por uma sociedade preocupada com a sustentabilidade do planeta.”

10- Como se percebe das razões transcritas, não se detecta razão de ordem jurídica para que a CNI ofereça resistência à aprovação do PL, tendo em vista a sua compatibilidade com a Carta de 1988 e o favorecimento de interesses do setor produtivo nacional em seu conteúdo.

III - CONCLUSÃO

11- Por todo o exposto, o parecer é no sentido de que a CNI endosse o PL 725/2022.

 

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Alexandre Vitorino Silva é Gerente-Executivo de Estratégia Jurídica da CNI

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