Regras para a suspensão de concessões a países que descumprirem obrigações multilaterais

Por Leonardo Estrela Borges

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EDIÇÃO 17 - MARÇO 2022
imagem de um globo representando regras de suspenção de concessões a países que descumprirem obrigações multilaterais

 

I- OBJETO

1- Trata-se da Medida Provisória 1.098/2022 (MPV), que dispõe sobre procedimentos de suspensão de concessões ou de outras obrigações na hipótese de descumprimento de obrigações multilaterais por membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e altera a Lei nº 12.270, de 24 de junho de 2010.

II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- ASPECTOS FORMAIS

2-  Não há impedimentos jurídicos formais à proposta, uma vez que a MPV não trata dos temas previstos no art. 62, § 1º, da CF/88. Quanto à relevância e urgência, o próprio STF possui jurisprudência muito restritiva quando se trata de analisar os motivos que levaram o Executivo a considerar a conveniência de adoção de uma medida provisória.

II.2- ASPECTOS MATERIAIS

3-  Quanto ao mérito, a MPV não possui quaisquer vícios legais ou constitucionais, mas deve ser analisada à luz do direito internacional, sobretudo das regras que disciplinam o mecanismo de solução de controvérsias no âmbito da OMC.

4-  Neste sentido, conforme revelado em sua exposição de motivos, a MPV é uma resposta à paralisação do Órgão de Apelação da OMC desde 2019/2020, devido a um boicote dos EUA contra a indicação de novos árbitros e da ausência de expectativa de solução desse impasse. Assim, qualquer apelação a tal Órgão acaba por paralisar todo o sistema multilateral da OMC, de certo modo prejudicando os países que tiveram relatório favorável a suas demandas no Grupo Especial (painel).

5-  Do ponto de vista do direito internacional, a MPV é questionável, uma vez que as sanções internacionais comerciais só podem ser aplicadas em respeito ao Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias, constante do Anexo 2 à Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês).

5.1-  Nesse sentido, o art. 22 do referido Entendimento é muito claro ao prever a possibilidade de aplicação temporária de compensação e contramedidas apenas mediante a aprovação do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC/OSC, seguindo o trâmite normal do mecanismo de solução, qual seja: as fases sequenciais de consultas; instalação de painel (Grupo Especial) e adoção de relatório; possibilidade de recurso ao Órgão de Apelação e decisão deste; adoção do relatório (do painel ou do Órgão de Apelação) pelo Órgão de Solução de Controvérsias e; finalmente, supervisão da aplicação das recomendações e decisões do OSC, o que pode levar a um pedido de aplicação de sanções.

6-  Entretanto, como o Órgão de Apelação encontra-se paralisado, mesmo com um relatório adotado pelo Grupo Especial (painel), a apelação acaba por criar um vácuo decisório, uma vez que todo o processo de solução de controvérsias fica travado esperando a sua eventual recomposição e consequente decisão.

7-  Para contornar esta situação, alguns países instituíram normativos especiais para manter em funcionamento um sistema de solução de controvérsias multilateral, sendo relevante citar a medida adotada pela União Europeia, muito semelhante à prevista na atual MPV: Regulamento (UE) 2021/167 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de fevereiro de 2021, que altera o Regulamento (UE) 654/2014, relativo ao exercício dos direitos da União Europeia tendo em vista a aplicação e o cumprimento das regras do comércio internacional.
 

8-  Em suma, se por um lado, o teor da MPV é questionável do ponto de vista do direito internacional, por outro lado, trata-se de iniciativa semelhante à adotada pela União Europeia para contornar a paralisação do mecanismo criado no âmbito da OMC.

9-  Ressalte-se igualmente que a MPV é extremamente razoável e demonstra a boa-fé internacional do país, uma vez que traz inúmeras condicionantes à aplicação da sanção unilateral, destacando-se dois requisitos: o decurso de um prazo de 60 dias após notificação brasileira, o que confere previsibilidade e transparência às possíveis sanções aplicadas, demonstrando igualmente a intenção de o Estado brasileiro manter em aberto possíveis negociações para a solução da controvérsia em questão; e a exigência de que as sanções não sejam superiores à anulação ou aos prejuízos causados aos benefícios comerciais do país pelo referido membro da OMC, o que caracteriza a proporcionalidade da medida adotada.
 

 

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Leonardo Estrela Borges é advogado da CNI

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