Aposentadoria Especial: a decisão do STF, as tecnologias de proteção e a cobrança da contribuição adicional

por Fernanda de Menezes Barbosa

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EDIÇÃO 15 - SETEMBRO 2021
imagem de um capacete protetor representando aposentadoria especial

 

 

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal publicou acórdão fixando tese em sede de repercussão geral (Tema 555) sobre o direito à aposentadoria especial e a eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual - EPI. A tese tem dois aspectos: (i) decidiu-se que se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; e(ii) estabeleceu-se tese específica prevendo que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 

 

Para financiar a concessão das aposentadorias especiais foi criada a contribuição adicional, paga pelas empresas e incidente sobre a folha de pagamentos dos empregados que trabalham em exposição efetiva a agentes nocivos, obedecidos os requisitos legais. Referida contribuição, que está invariavelmente atrelada às suas hipóteses legais de incidência, tem sido alvo de muita controvérsia diante da atuação da Receita Federal do Brasil – RFB que, sob o alegado fundamento de obediência à decisão do STF, tem-na cobrado de empregadores que, não obstante, cumpriram as determinações legais e envidaram esforços na implementação de medidas protetivas com relação aos agentes nocivos a que seus empregados estão expostos. 

 

Essa constatação se confirma pela publicação do Ato Declaratório Interpretativo n.º 2/2019 pela RFB, que atesta, expressamente, que “ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição social adicional para o custeio da aposentadoria especial (...) é devida pela empresa, ou a ela equiparado, em relação à remuneração paga, devida ou creditada ao segurado empregado, trabalhador avulso ou cooperado de cooperativa de produção, sujeito a condições especiais, nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial, conforme dispõe o § 2º do art. 293 da referida Instrução Normativa”.

 

A redação do ato citado contraria textualmente a lógica imposta pelo STF, pois atrai a cobrança da contribuição adicional mesmo na exclusão das hipóteses legais de sua incidência (ou seja, mesmo adotando medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância), sendo considerada suficiente para a atuação fiscal a impossibilidade de afastamento da concessão da aposentadoria especial deferida. 

 

É importante remarcar que o fato gerador da contribuição adicional é complexo e só se verifica pela efetiva exposição do trabalhador a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, pelo tempo previsto em lei, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, considerada a informação prestada sobre a eficácia das tecnologias de proteção (artigos 57 e 58 da Lei 8.213/1991).

 

A mera concessão da aposentadoria especial (na via administrativa ou judicial) não é mote suficiente a justificar a cobrança do tributo, ao menos não sem antes averiguar-se a ocorrência da matriz de incidência descrita no parágrafo anterior. Repise-se, uma vez não verificado o fato gerador, não há obrigação tributária. 

 

Importante esclarecer que não se pode inferir a ocorrência automática do fato gerador apenas em virtude da concessão do benefício previdenciário, uma vez que esse ato concessivo é processado no âmbito de uma relação jurídica distinta, de natureza securitária entre empregado segurado e o INSS, onde podem ser considerados elementos outros que não aqueles somente afetos à hipótese de incidência. Além disso, a concessão do benefício independe da oitiva ou participação do empregador (o potencial contribuinte da contribuição adicional), que tem seu direito de prova mitigado.  

 

E quando a aposentadoria especial é objeto de pedido judicial, recai sobre o INSS, como réu, a responsabilidade de se desincumbir do ônus da prova (muitas vezes negativo) afeto às condições específicas encontradas no ambiente de trabalho do empregado segurado. A autarquia previdenciária se defende, tantas vezes lançando mão de declarações de responsabilidade do empregador e sobre cujo conteúdo ele responde legalmente (como o LTCAT - Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho e o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário), mas, não raro, os elementos são reputados insuficientes e sobrevém a sentença judicial com o deferimento do benefício. 

 

Percebe-se, logo, que a constatada incongruência da atuação fiscal, para além da desconsideração das hipóteses de incidência e da verificação do fato gerador pelo órgão fiscalizador, pode ser atribuída, também, à utilização de parâmetros e de elementos de prova distintos, decorrentes de uma miríade de decisões conflitantes no âmbito do Poder Judiciário ao apreciar os pedidos do benefício, resultando em seu deferimento, muitas vezes, fora dos limites legais e constitucionais.  

 

E é nesse tocante que o julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, do RESP 1828606 (Tema 1090) é fundamental ao desenrolar dessa celeuma. Nesse processo, a Corte Superior terá a oportunidade de uniformizar os parâmetros para a concessão judicial do benefício, assim como a forma de valoração e produção de provas a respeito da efetiva exposição do trabalhador a agentes nocivos. 

 

O desalinhamento entre a decisão da Suprema Corte, as decisões da Justiça Federal e a atuação fiscalizatória da Receita Federal expõe os empregadores a situação de insegurança jurídica, podendo ser executados retroativamente, ainda que tenham envidado esforços para buscar um ambiente de trabalho seguro a seus empregados. Para além, o impacto financeiro dessas execuções é fator inesperado e que aprofunda a crise econômica vivenciada pelo setor produtivo.

 

A CNI defende a previsibilidade como elemento fundamental de segurança jurídica e irá contribuir com o julgamento perante o STJ. Espera-se que a tese a ser definida contribua para apaziguar as contradições aqui demonstradas.

 

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1ARE 664335

2Prevista no art. 57, §6º da Lei 8.213/1991.

 

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Fernanda de Menezes Barbosa é advogada da CNI

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