Primeiras impressões sobre a Medida Provisória que altera a lei da reforma trabalhista

por Fernanda de Menezes Barbosa

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EDIÇÃO 1 - DEZEMBRO 2017
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Relatório

 

Trata-se de análise jurídica da Medida Provisória (MP) nº 808/17 publicada pelo Poder Executivo em 14/11/2017, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho com o intuito de fazer ajustes pontuais à reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17). Nas razões técnicas de encaminhamento da medida provisória pelo Ministro do Trabalho, lê-se:

 

7. Em suma, senhor Presidente, o Projeto de Lei de iniciativa do Poder Executivo enviado ao Congresso Nacional foi objeto de discussão e aprimoramento pelo Parlamento resultando em lei que tem como objetivos primordiais a atualização e modernização da legislação trabalhista brasileira, adequando-a à dinâmica social e à realidade das relações estabelecidas entre trabalhadores e empregadores, com a manutenção de todos os direitos constitucionais conferidos aos trabalhadores, sem prejuízo de primar por um ambiente de maior liberdade contratual, com segurança jurídica e menor interferência do Estado nessas relações.

8. A lei aprovada visa também promover a pacificação das relações de trabalho, a partir do fortalecimento das negociações coletivas e de soluções extrajudiciais na composição de conflitos, prestigiando o respeito à autonomia coletiva da vontade. Por fim, também se buscou a formalização das relações de trabalho no Brasil, que hoje conta com aproximadamente 45% da sua força de trabalho em caráter informal, alheia aos direitos conferidos pela Carta Magna e pela CLT. Com efeito, é claro o escopo do novo marco legal de criar as condições para promoção e geração de novos empregos formais por meio da regulamentação de novas modalidades de contratação que permitirão adequar as necessidades de trabalhadores e empregadores à atual dinâmica das novas profissões e atividades econômicas.

9. Dito isto, a presente proposta de Medida Provisória tem por objetivo o aprimoramento de dispositivos pontuais, relacionados a aspectos discutidos durante a tramitação do PLC nº 38, de 2017, no Senado Federal. Se, por um lado, tais aspectos refletem o profundo processo de diálogo e análise realizado pelo Senado Federal, por outro, esta Casa Legislativa observou a desnecessidade de alteração do projeto no momento de sua tramitação, o que implicaria atrasos desnecessários à eficácia deste importante diploma legal. É neste sentido que, como consequência da atuação do Senado Federal, e sem maiores atrasos, aguardamos a entrada em eficácia da Lei nº 13.467, de 2017 em da data de 11 de novembro de 2017.

 

Opinião

a) Aspectos formais

Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, há ponderações com relação à adequação de Medida Provisória para tratar da matéria. O art. 62 da Constituição Federal exige a presença de requisitos como relevância e urgência.

Os mencionados requisitos parecem não estar atendidos. A conjuntura econômica ou a existência de acordo de alteração à Lei nº 13.467/17 formalizado entre Poder Legislativo e Poder Executivo são externalidades que não autorizam a imediata vigência e eficácia de medidas publicadas unilateralmente pelo Poder Executivo.

A despeito da larga utilização de medidas provisórias para outros fins - não enquadrados diretamente na previsão constitucional - é preciso que se pondere não ser indene de vícios tal prática. A restrição do uso de medidas provisórias é amparada no princípio da Separação dos Poderes, inscrito no inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição. Ora, legislar é atividade típica do Poder Legislativo e atípica do Poder Executivo. Nesta linha é a posição do STF, como na ADI-MC 2213.

Superada a questão acima, a proposição legislativa tem curso em ambiente parlamentar adequado, Congresso Nacional, e está submetida ao processo legislativo pertinente, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (art. 22, inciso I da Constituição Federal).

 

 

b) Aspectos Materiais

A MP alterou a CLT em diversos temas, de forma que a presente análise se dará em tópicos.

 
b.1) Jornada de 12 horas por 36

A MP exclui a possibilidade de se instituir, por meio de acordo individual, a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, excepcionando apenas às entidades atuantes no setor de saúde, a quem autoriza expressamente.

A restrição representa retrocesso, uma vez que engessa mais uma possibilidade de estabelecimento de formas alternativas de jornada. Importante esclarecer que a resistência à jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso já foi há muito superada, tendo sido reconhecida pela jurisprudência sua possibilidade e conveniência para empregados e empregador. Neste sentido, veja-se o julgado da ADI 4842. A amplitude da forma de sua negociação privilegia a vontade das partes envolvidas e a segurança jurídica no estabelecimento de jornadas que melhor lhes atendam os interesses.

Para além, a restrição da previsão da referida jornada por acordo individual apenas para a área de saúde não se justifica, trazendo em verdade uma distinção que viola a isonomia. Existem outros segmentos econômicos cujos empregados e atividades em muito se beneficiariam da possibilidade do ajuste individual da referida jornada.

 

 

b.2) Dano extrapatrimonial

A MP altera também a CLT no que se refere à regulamentação dos danos extrapatrimoniais. Além de inserir no rol de bens jurídicos defendidos a etnia, a idade e a nacionalidade, a medida altera a base de cálculo para as indenizações do salário do ofendido para o limite máximo de benefício do Regime Geral da Previdência Social. O texto também altera o conceito de reincidência (que antes exigia as mesmas partes) para prever apenas ofensa idêntica.

Com relação à inserção dos novos bens jurídicos protegidos, não há óbice jurídico. Ainda que do rol não constassem, fazem parte da personalidade e merecem tutela jurídica adequada. Da mesma forma, a alteração da base de cálculo das indenizações para um valor constante parece atender melhor às ponderações de violação à isonomia contidas no parecer nº 656/17 da Diretoria Jurídica da CNI, que analisou o substitutivo da reforma trabalhista na Comissão Especial: “a parametrização pelo salário cria violação à isonomia e precifica o sofrimento com base no quanto o ofendido ganha mensalmente”.

As ponderações voltam-se ao conceito de reincidência, que antes, mais objetivo, exigia a existência das mesmas partes e agora, mais subjetivo, prevê apenas a ofensa idêntica. Questiona-se, no tópico, a insegurança jurídica de existir reincidência quando se tratar de ofensa ao mesmo bem jurídico, independente das partes ou do contexto. Um mesmo bem jurídico pode sofrer violações pontuais por fatores distintos, que não necessariamente implicam em reincidência de conduta omissiva ou comissiva por parte do empregador. Mais adequado que a análise do caráter disciplinar da indenização seja transferida ao magistrado no julgamento do caso concreto – dentro dos padrões contidos na lei. 

 

 

b.3) Trabalho da gestante e da lactante em atividades insalubres

A MP altera significativamente a lógica da permissão de trabalho em atividades insalubres da empregada gestante. Enquanto a CLT previa, com a redação dada pela reforma trabalhista, que em graus médio e mínimo de insalubridade a gestante apenas seria afastada caso apresentasse atestado médico de profissional de sua confiança, a nova redação prevê o afastamento em qualquer grau como regra, admitindo a realização do trabalho nos graus médio e mínimo mediante apresentação de atestado médico.

Perceba-se a diferença entre as duas redações:

A reforma afastava como regra apenas na insalubridade grau máximo, e afastava a gestante das atividades de grau médio e mínimo caso apresentasse atestado médico A medida provisória afasta como regra em atividades de qualquer grau de insalubridade, permitindo o trabalho mediante apresentação de atestado médico nos graus médio e mínimo

 

Importante ponderar, no tópico, que a reforma trabalhista alterou a lógica de medicina do trabalho para dar mais segurança à empregada gestante, prevendo a possibilidade de buscar seu médico de confiança para atestar a necessidade de afastamento (numa premissa equivocada que o profissional de medicina do trabalho da empresa ou por ela contratado seria parcial na referida análise).

Uma vez que a medida provisória alterou o pressuposto (regra) para o afastamento obrigatório, não há razão para que o atestado de possibilidade do trabalho em atividades insalubres de grau médio e mínimo seja exclusivo do médico de confiança da gestante, devendo ser expedido pelo médico do trabalho responsável pelo monitoramente de saúde dos empregados da empresa. A lógica inverteu-se, razão pela qual há de se devolver as competências legais previstas na CLT e nas normas regulamentadoras aos profissionais de medicina do trabalho.

A alteração do § 3º também representa retrocesso, uma vez que previa expressamente o afastamento previdenciário da empregada gestante diante da impossibilidade de realocação no ambiente de trabalho. Há inúmeros embaraços na realocação de empregadas gestantes, notadamente em indústrias com forte presença feminina na linha de produção. Muitos empregadores industriais não possuem estrutura suficiente para alterarem os postos de trabalho de empregadas grávidas, especialmente em atividades de grau menor de insalubridade, em que o afastamento não é recomendação médica inquestionável.

Pondera-se, por fim, a existência de pressupostos distintos de afastamento para empregadas grávidas e empregadas lactantes. Para as últimas, o texto manteve o afastamento apenas mediante apresentação de atestado médico. A diferenciação parece não guardar relação com fundamento médico, devendo ser estendido à empregada gestante o tratamento conferido à empregada lactante (notadamente se considerarmos atividade em grau mínimo e médio de insalubridade).

 

 

b.4) Trabalho Autônomo

O texto da MP, no art. 442-B da CLT, exclui a expressão “com ou sem exclusividade” do conceito de trabalho autônomo e ainda insere parágrafo que veda a negociação de cláusula de exclusividade no contrato de trabalho do autônomo.

A alteração não merece apoio. Primeiramente, a exclusividade na prestação dos serviços não é critério fundamental para a caracterização do vínculo empregatício, não sendo elemento formador da subordinação (que segue sendo o elemento mais relevante para descaracterizar a autonomia do prestador de serviços).

Não há justificativa razoável para se inibir a negociação da cláusula de exclusividade, notadamente diante da série de razões afetas ao negócio que podem ensejar sua presença no contrato de trabalho autônomo. Apenas como exemplo, cite-se a necessidade de resguardar, na realização de determinado projeto, a dedicação do prestador ou o segredo do negócio (para além da assinatura de instrumentos específicos de confidencialidade).

A vedação na liberdade contratual entre duas partes capazes sem justificativa razoável ou proporcional suscita questionamentos de ordem constitucional. Isso fica ainda mais evidente se considerarmos que o fim da medida já é alcançado com as demais previsões legais, como o art. 3º da CLT e o próprio § 6º do art. 442-B inserido pela MP.

 

 

b.5) Trabalho Intermitente

As alterações legais em maior número contidas na medida provisória tratam-se do trabalho intermitente. Para efeito da presente análise, cabe citar os pontos de alteração e inovação: i) prazo para pagamento da remuneração acordado entre as partes – com limitação quando o trabalho exceder a um mês; ii) alteração do prazo para o empregado responder à convocação, de um dia útil para vinte e quatro horas; iii) possibilidade expressa de o empregado usufruir o período de férias em até três períodos; iv) auxílio doença devido a partir da data da incapacidade; v) salário maternidade pago diretamente pela Previdência Social; vi) transferência da multa pelo descumprimento da convocação para o acordo entre as partes (antes era previsto pagamento de cinquenta por cento da remuneração devida); vii) conceito de período de inatividade – que não será considerado tempo à disposição; viii) hipótese de rescisão contratual pela ausência de convocação para o trabalho no período de um ano - a contar da celebração do contrato ou da última prestação de serviços, o que for mais recente; ix) esclarecimentos sobre o pagamento das verbas rescisórias; e x) quarentena para a contratação de empregado por prazo indeterminado demitido por meio de contrato de trabalho intermitente.

i) Prazo para o pagamento da remuneração: a redação anterior apenas previa que, ao fim da prestação de serviços, cabia ao empregador pagar a remuneração e as verbas proporcionais. No novo art. 452-A da CLT, estabelece-se que o contrato de trabalho intermitente deverá conter a previsão do local e prazo para o pagamento da remuneração. A nova redação nesse tocante é mais clara e privilegia a adaptação das partes a cada tipo de trabalho.

No entanto, o novo § 11 do art. 452-A da CLT prevê que “na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º não poderá ser estipulado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço”. Referida restrição pode atrair a interpretação, a contrario senso, que, uma vez não excedida a convocação de um mês, o pagamento poderá ser estipulado por prazo superior a um mês, o que não guarda relação de pertinência ou razoabilidade. Caso a intenção seja garantir o prazo razoável do pagamento da contraprestação ao trabalhador (o que parece atender à previsão do art. 459 da CLT, ainda vigente), melhor seria prever o prazo de um mês a contar do último dia de prestação de serviços. 

ii) Alteração do prazo para o empregado atender à convocação: o texto da MP prevê prazo para o empregado atender à convocação de vinte e quatro horas, ao tempo que a redação anterior previa prazo de um dia útil. Não obstante a redução do prazo parecer atender ao empregador contratante, destaca-se a exiguidade do novo prazo previsto, notadamente se considerarmos quais meios serão acordados pelas partes de resposta e envio das convocações.

iii) Possibilidade expressa de gozo das férias em até três períodos: o texto deixa expresso que o empregado poderá usufruir de suas férias em até três períodos, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 134 da CLT. Em que pese ser salutar conferir a isonomia de tratamento no que se refere ao gozo das férias, destaca-se a manutenção das perplexidades com relação às férias do trabalhador intermitente. Como exemplo, cite-se que as férias serão usufruídas após doze meses de contrato, mas seu pagamento, por sua vez, se dará no prazo acordado pelas partes, demonstrando tratar-se de regime específico de férias, ao qual não se aplica o clássico contido nos arts. 134 e seguintes da CLT.

iv) Auxílio doença devido a partir da data da incapacidade: a MP prevê que o auxílio doença será devido a partir da data da incapacidade, afastando a aplicação do § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213/91. Parece ser salutar prever a vigência imediata do benefício previdenciário, uma vez que se trata de prestação de serviços não contínua. No entanto, a ausência de alteração na lei específica suscita alguns questionamentos. Como exemplo, cite-se que o empregado contratado de forma intermitente não consta do rol de segurados do art. 11 da Lei nº 8.213/91, da mesma forma que não se encaixa no conceito de segurado empregado de seu inciso I alínea “a”. Seria mais adequado do ponto de vista normativo e jurídico que a lei previdenciária também sofresse as adequações necessárias, a exemplo do que ocorreu com o empregado doméstico.

v) Salário maternidade pago diretamente ao empregado pela Previdência Social: a MP determina que o benefício seja pago diretamente ao empregado pela Previdência Social, em referência à previsão do § 3º do art. 72 da Lei nº 8.213/91: “o salário-maternidade devido à trabalhadora avulsa e à empregada do microempreendedor individual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, será pago diretamente pela Previdência Social”. Mais uma vez, não obstante ser salutar a referida previsão, pelas condições afetas ao contrato de trabalho intermitente, a falta de alteração da lei específica não é a melhor técnica legislativa e não oferece segurança jurídica quanto aos seus contornos. Destaque-se que o artigo referenciado na MP trata de outros segurados, o que pode ensejar interpretações díspares. Mais adequado seria a inserção da hipótese expressamente na lei previdenciária (mais específica).

vi) Transferência da penalidade pelo descumprimento ao acordo entre as partes: o texto transfere eventuais multas ou penalidades pelo descumprimento da convocação para o contrato de trabalho, enquanto que a redação anterior previa, uniformemente, multa de cinquenta por cento da remuneração devida. A alteração é salutar e permite que as partes possam melhor gerenciar as necessidades de trabalho e de contratação do trabalho intermitente.

vii) Conceito de período de inatividade: o texto deixa mais claro o conceito de período de inatividade, que já era previsto na redação anterior como período que não seria considerado como tempo à disposição do empregador. As inserções conferem mais segurança ao tratamento jurídico e legal dos referidos períodos de inatividade, evitando questionamentos futuros.

viii) Hipótese de rescisão contratual pela ausência de convocação para o trabalho: a MP insere nova hipótese de rescisão contratual diante da ausência de convocação para o trabalho por período superior a um ano. A medida, que pela análise exclusiva de conveniência parece prejudicar os interesses dos empregadores, é salutar e razoável, uma vez que a inatividade não é remunerada. Logo, para a manutenção do contrato, necessária a manutenção do interesse das partes na prestação de serviços.

ix) Esclarecimentos sobre o pagamento das verbas rescisórias: o texto discorre mais detidamente sobre o pagamento das verbas rescisórias do contrato de trabalho intermitente, ressalvadas as rescisões por justa causa. A medida traz segurança jurídica e parâmetros de cálculo que irão apaziguar debates havidos sobre a forma correta de adimplir as proporcionalidades do mencionado contrato.

Destaque-se apenas com relação às previsões relativas ao FGTS que, mais uma vez, a lei não altera a lei específica, referenciando artigo que trata de hipótese distinta, o que não é adequado.

x) Quarentena para a contratação de empregado por prazo indeterminado demitido por meio de contrato de trabalho intermitente: a restrição contida neste artigo é pouco razoável e limita a liberdade das partes contratantes mediante premissa que não guarda pertinência com a realidade. Ora, uma vez que o contrato intermitente visa regular situação que não encontrava respaldo na legislação, não há razão para que se impeça que as contratações sejam porventura adequadas.

 

 

b.6) Conceito de Salário

A MP, no art. 457 da CLT, traz duas vertentes de alteração: uma no que se refere ao conceito de salário e outra no que se refere à regulamentação do pagamento de gorjetas (resgate da letra da Lei nº 13.419/17, que tinha sido revogada pela estrutura da Lei nº 13.467/17 – reforma trabalhista).

Com relação às alterações do conceito de salário, a MP insere no § 1º (que define as verbas que integram o salário) as gratificações de função e prevê, como limite para não inserção das ajudas de custo como salário, o percentual de cinquenta por cento da remuneração mensal.

Não obstante a gratificação de função tenha natureza salarial, já que remunera o exercício de funções específicas, pode ser suprimida diante do não exercício desse mister pelo empregado. Apenas como exemplo, um empregado que desempenha a função de gerente e ganha o adicional em função desse exercício, deixa de ganhá-lo quando reverte ao cargo anterior. Essa reversão não é alteração contratual lesiva e não enseja qualquer prejuízo ao empregado, conforme previsão do antigo parágrafo único (atual § 1º) e recente § 2º do art. 468 da CLT (não alterados pela MP nº 808/17). Nesse sentido, a alteração do texto parece ter pouca eficácia, uma vez que sua inserção no conceito de salário, diante da previsão expressa do art. 468 da CLT, não desautoriza sua supressão.

Já a inserção de limite percentual para que a ajuda de custo não tenha natureza salarial carece de razoabilidade e pertinência com a prática. Ajudas de custo, diferentemente de diárias de viagem ou adicionais, são pagas em uma só parcela e possuem como fato gerador despesas extraordinárias a serem assumidas pelo empregado, raramente pagas como forma de fraude ao salário. Como exemplo, cite-se a ajuda de custo de mudança em face da transferência definitiva do domicílio do empregado. Referido limite percentual prejudica a estipulação de ajudas de custo entre as partes e não atende a preocupação de resguardar a estrutura salarial do empregado.

Ainda com relação às alterações no conceito de salário, destaca-se a possibilidade, trazida pela medida provisória, do pagamento do prêmio (aqui considerado como sendo “as liberalidades concedidas pelo empregador, até duas vezes ao ano, em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro, a empregado, grupo de empregados ou terceiros vinculados à sua atividade econômica em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”). A permissão de um pagamento mais diferido, sem, no entanto, traduzir-se em sonegação de encargos sobre salário, é salutar aos empregadores que visam estabelecer referida parcela, permitindo melhor planejamento financeiro.

Destaque-se, com relação ao prêmio, a coexistência do § 4º (redação dada pela Lei nº 13.467/17) e do §22 do art. 457 da CLT (redação dada pela MP nº 808/17), contraditórios entre si. A redação do § 4º parece ser mais técnica, uma vez que a expressão empregador atrai o pagamento da liberalidade apenas para seus empregados e não para terceiros. Caso a intenção seja ampliar o escopo do pagamento da verba, necessário ajuste no ponto, para não evitar insegurança jurídica quanto à natureza do pagamento.

Já no que se refere à regulamentação do pagamento de gorjetas, a MP nº 808/17 traz de volta a letra da Lei nº 13.419/17, revogada pela estrutura de artigos da Lei nº 13.467/17. Não obstante tratar-se de matéria que vigorou de maio deste ano até a entrada em vigor da reforma trabalhista e que afeta pouco o setor industrial, cabe fazer duas ponderações. A matéria prevê a anotação na CTPS da média de gorjetas recebidas nos últimos 12 meses, assim como a integração ao salário de seus valores uma vez cessada a cobrança da verba pelas empresas. Não apenas o recebimento de gorjetas é fluido e integra algumas bases de cálculo independente de anotação na CTPS, como a cessação de sua cobrança não deve ensejar estabilidade financeira à categoria. Foi exatamente nesse espírito que a reforma trabalhista inseriu o § 2º do art. 468 a CLT, para evitar a interpretação do direito adquirido à estabilidade financeira do empregado, uma vez cessada a circunstância do recebimento do plus remuneratório ou salarial. 

Por fim, a letra da regulamentação adentra em pormenores muito específicos, como, por exemplo, montante de multas em decorrência de descumprimento ou forma de fiscalização da regra de repasse das gorjetas. Pondera-se a conveniência de transferir determinados aspectos para a negociação coletiva, de forma a melhor atender a circunstâncias diversas que podem permear as categorias que recebem gorjeta.  

 

 

b.7) Comissão de Representação dos Empregados

O texto insere o art. 510-E na CLT para esclarecer as funções da comissão de representantes dos empregados:

A comissão de representantes dos empregados não substituirá a função do sindicato de defender os direitos e os interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, hipótese em que será obrigatória a participação dos sindicatos em negociações coletivas de trabalho, nos termos do incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição.

 

A inserção é absolutamente desnecessária, uma vez que tanto as prerrogativas dos sindicatos como a limitação da atuação da comissão de representantes decorre da própria Constituição, em seus arts. 8º e 11. Referidas menções constitucionais, inclusive, suscitam questionamentos constitucionais sobre a amplitude do art. 510-B da CLT (que não foi objeto de alteração pela MP), já objeto de análises anteriores pela Diretoria Jurídica da CNI.

 

 

b.8) Negociação Coletiva

A MP altera o art. 611-A da CLT, que trata da prevalência dos acordos e convenções coletivas em três aspectos: i) insere os incisos III e VI do art. 8º constitucional expressamente no caput; ii) altera a redação da possibilidade de prorrogação de jornada em atividade insalubre; e ii) insere vedação de apreciação de anulação de cláusulas coletivas em ações individuais.

A inserção dos incisos constitucionais que tratam da participação dos sindicatos na negociação coletiva e de sua prerrogativa na defesa dos interesses da categoria é desnecessária, uma vez que as previsões constitucionais se impõem sobre todo e qualquer texto de lei ordinária. Ainda que assim não fosse, o art. 611-A trata expressamente de acordo e convenção coletiva de trabalho, que tem sua definição na CLT com a participação, como regra, da entidade sindical profissional.

A alteração dos incisos XII e XIII do art. 611-A não representa óbice jurídico, podendo apenas resultar em insegurança jurídica no que se refere à parte final do inciso:

XII - enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho (grifos nossos: inovações da MP nº 808/17)

 

Como se depreende do dispositivo acima, a alteração legal insere a possibilidade de contratação de perícia e condiciona a prorrogação de jornada em locais insalubres sem licença prévia ao atendimento integral das normas de saúde, higiene e segurança (em leis e normas regulamentadoras). Essa condição atrai hipóteses de interpretação que reduzem a possibilidade de o empregador se planejar. Ao tempo que o cumprimento das normas de saúde e segurança é dever de todo e qualquer empregador, pontuais descumprimentos não podem ser suficientes para desqualificar eventuais acordos de jornada estabelecidos previamente. Nesse sentido, a alteração parece inserir brecha para a negativa genérica da possibilidade de prorrogação de jornada em locais insalubres, o que representa retrocesso e não merece apoio.

 

 

b.9) Aplicação imediata da Lei aos contratos vigentes

O texto deixa expresso em seu art. 2º que a reforma trabalhista “se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes”. Questiona-se inicialmente a menção de que apenas as previsões da Lei nº 13.467/17 terão aplicação imediata. Isso causa dúvida com relação à aplicabilidade das disposições da própria MP nº 808/17, gerando insegurança jurídica desnecessária.

Para além, não obstante a aplicação imediata seja regra de direito (resguardadas determinadas situações específicas, como direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito), a menção no texto tenderia a apaziguar fervorosos debates sobre o tema, que guardam, em verdade, uma forte intenção em não aplicar a lei imediatamente.

Essas são as primeiras impressões, que não prejudicam, e até justificam, o aprofundamento da reflexão.

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Fernanda de Menezes Barbosa é advogada da CNI

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