Caminho para o emprego

Baixa educação escolar básica compromete a competitividade do país. Estudantes saem do ensino médio sem preparação para o mundo do trabalho

O cargo de operador de telemarketing não era o emprego dos sonhos de Lucian Rocha Medeiros, 22 anos. "Mas só com o ensino médio, foi o que deu para arranjar", reconhece. Depois de um ano e meio na função ele decidiu aprimorar o currículo e alcançar uma vaga melhor. Logo surgiu a oportunidade de fazer o curso técnico de segurança do trabalho no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) de Taguatinga e o jovem juntou as economias e se matriculou. "Vou sair daqui tendo uma profissão, e pretendo conseguir um emprego o mais rápido possível", relata. Ele cursou toda a educação básica em escola pública e sentiu falta de conhecimentos que pudessem ser aplicados na prática.

Esse é o mesmo sentimento de Gabriella Araújo de Freitas, 18 anos, estudante do curso de técnico em edificações. "O ensino superior tem muito teoria. Na parte prática, o técnico às vezes sabe até um pouco mais. Juntando os dois é melhor ainda", diz ela, que pretende emendar o curso técnico com uma graduação em engenharia civil. Com o grande número de construções por toda a cidade, o SENAI não para de receber ligações de empresários em busca de profissionais qualificados nesses dois cursos.

Para reduzir a carência de mão de obra qualificada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançará, no próximo mês, o projeto Educação para o Mundo do Trabalho, um conjunto de ações para melhorar o desempenho dos jovens e dos trabalhadores em língua portuguesa e em matemática. O projeto é voltado para três grupos: pessoas de 18 e 24 anos que estão no ensino médio ou que não estudam nem trabalham, e trabalhadores da indústria que não possuem ensino médio (veja o quadro).

Durante todo o mês de agosto, foram promovidas reuniões estaduais para mobilizar empresários, governos, organizações não governamentais, jovens e pais a aderirem à iniciativa. No DF, a expectativa é de que em outubro já haja uma definição de onde serão oferecidos cursos. "Nós queremos fazer com que quem trabalha com educação esteja voltado para quem busca esse profissional para o mercado de trabalho", explica Walquíria Aires, diretora da Fibra e embaixadora do projeto Educação para o Mundo do Trabalho em Brasília.

Meta distante
O coordenador de Educação e Tecnologia da CNI Rafael Lucchesi acredita que um dos principais entraves é fato de a estrutura educacional brasileira ser muito diferente da de países desenvolvidos. Enquanto na Alemanha 52% da população teve acesso à educação profissional, no Brasil, essa taxa é de apenas 9%. Na opinião do especialista, é preciso que se estabeleçam pontes mais significativas entre o sistema educacional e o mundo do trabalho. "A maioria dos jovens não vai para a universidade, e eles não têm uma porta de saída instrumentalizada. No Brasil existe um domínio do sistema academicista, que prepara como se todos os alunos fossem para a universidade, mas nem todos vão."

No governo federal, a orientação é centralizar todas as ações relacionadas à educação para o mundo do trabalho no Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011. A meta é ofertar 8 milhões de vagas em cursos de educação profissional e tecnológica até 2014. Até agosto deste ano, foram oferecidas cerca de 4,2 milhões.

Mesmo o modelo alemão, considerado uma das referências em educação profissional no mundo, passa por um período de reestruturação. De acordo com a professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Francisca Rejane Bezerra Andrade, que fez o pós-doutorado sobre o impacto da política de educação profissional para os jovens em situação de vulnerabilidade social no Brasil e na Alemanha, o sistema dual de educação profissional do país europeu - que integra a educação básica ao ensino profissional - está em decadência, pois a maioria dos jovens não se interessa em participar.

O processo de repensar o sistema educacional deve ser constante, segunda a especialista. No caso do Brasil, ela explica que o esforço para se qualificar a população economicamente ativa começou na década de 1990 e agora é o momento de avaliar os resultados para ter uma proposta mais sólida no futuro. "Já temos bastante experiência para desenvolver uma política efetiva. O que falta é uma avaliação continuada, que inclua a análise do processo de formação, e não só do egresso", ressalta.

Francisca destaca, no entanto, que muitas pessoas saem dos cursos de qualificação de curta duração e não conseguem emprego, porque não adquiriram outras competências essenciais, como comunicação, autonomia e conhecimentos sobre a organização do trabalho. "O que o mercado está solicitando hoje é um trabalhador completo e, muitas vezes, os cursos não atendem essa demanda", afirma. Um dos pontos-chave para garantir que o trabalhador adquira essas competências é oferecer uma educação básica de qualidade, o que ainda é um dos gargalos do país. Os resultados da Prova ABC, divulgados em junho pelo movimento Todos pela Educação, mostraram que cerca de 70% dos alunos do 3º ano do ensino fundamental não dominam o português nem a matemática.

Recomeço
Para quem não terminou o ciclo básico de ensino, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma opção de continuar os estudos e ascender profissionalmente. A coordenadora da EJA na Secretaria de Educação do DF, Leila Maria de Jesus, explica que essa modalidade de ensino é pensada justamente para a classe trabalhadora. O papel da escola é resgatar o conhecimento que ele tem e dialogar com as disciplinas básicas, como matemática e português, dando um novo sentido ao saber do próprio indivíduo. "Nós estamos numa sociedade letrada e numerizada. No momento em que o estudante passa a decifrar o código e a interpretá-lo, ele se sente mais independente para pegar um ônibus, escrever uma carta, preencher formulários. Para o trabalhador, essa independência gera autoestima e segurança", destaca.

É o caso de Elizabeth Martins, 58 anos, dona de uma loja de materiais esportivos na Feira do Guará. Filha de comerciante, ela sempre foi uma boa vendedora, mas com a morte do marido precisou aprender a gerenciar o negócio. Matriculou-se no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) da Escola Técnica de Ceilândia, que oferece EJA integrada à educação profissional em curso a distância. Esse semestre, ela receberá a certificação de conclusão do ensino médio e terá uma nova profissão: a de técnico em administração. "Antes, eu não entendia nada do negócio. Com o curso, eu mudei meu jeito de negociar e agora sei lidar com o banco e cuidar da parte financeira. Já até expandi o negócio", conta.

Colega de Elizabeth no Proeja em Ceilândia, no curso de técnico em informática, Aldenivea Rodrigues Sousa, 43 anos, decidiu aproveitar todas as chances que estão ao seu alcance. Depois que voltou a estudar, sentiu-se segura para fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano passado e, além de já ter garantido a certificação de conclusão do ensino médio, conseguiu uma das 240 mil vagas oferecidas pelo Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec) e vai estudar no curso de técnico em informática do Centro Universitário IESB. "O estudo abre a nossa mente. Nunca é tarde para isso. Pretendo continuar estudando sempre", relata.

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