Análise jurídica da PEC 110/2019 (proposta de reforma tributária)

por Gustavo Amaral

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EDIÇÃO 8 - OUTUBRO 2019
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I- Objeto

1- A PEC 110/2019 (de autoria do senador Acir Gurgacz - PDT/RO), aqui em exame, repete textualmente a chamada Proposta Hauly, apresentada pelo então deputado Luiz Carlos Hauly em seu parecer como relator na Comissão Especial da Câmara dos Deputados para apreciar a PEC 293-A/2004, à qual foram apensadas as PECs 140/2012 e 283/2013.

 

II - Análise

A questão do federalismo nessa proposta

2- Sobre esse texto já conhecido, mas em outra PEC, fizemos considerações que podem ser aproveitadas na análise da PEC 110, transcritas abaixo:

Art. 153, VIII - Imposto Seletivo Federal

O projeto cria, no artigo 153, VIII, um imposto seletivo federal, incidente sobre ‘operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos’.

Na versão aprovada o imposto seletivo convive com o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), havendo a incidência de ambos nas operações tributadas pelo Seletivo. Assim, a questão se assemelha à de um Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com base reduzida em relação a um Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base ampliada. Em versões anteriores a incidência do Seletivo excluía a do IBS.

O texto estabelece que as contribuições sociais e as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDEs) não incidirão sobre as operações sujeitas ao Imposto Seletivo, bem como revoga a CIDE-combustíveis prevista no art. 177, § 4º do texto constitucional atual. Por outro lado, o texto afasta a anterioridade anual do Seletivo.

O texto mistura bases tributáveis que são historicamente tidas como supérfluas, como cigarro e bebidas. Traz também um ‘alvo costumeiro’ de preocupações ambientais, os combustíveis fósseis. Além disso, traz carros e até mesmo insumos básicos para a produção, como energia e combustíveis. Essa mistura poderia levar a um alinhamento de alíquotas num patamar mais elevado, como dos cigarros, onerando outros fatores, como os importantes para a produção. O texto, contudo, adota medidas para evitar que isto ocorra: vedar que a alíquota do Seletivo seja superior à alíquota padrão do IBS, salvo quanto a cigarros, outros produtos de fumo e bebidas alcoólicas, e prever que as alíquotas possam ser diferenciadas, mas sem determinar o critério de diferenciação.

Caso essa proposta tenha sequência, parece importante atentar para esses detalhes. Notadamente quanto aos combustíveis, o fato de a demanda não ser tão elástica serve de ‘tentação’ para a fixação de gravames maiores, como se viu na experiência constitucional atual.

A criação do Seletivo como um imposto segregado do IBS traz o problema da cumulatividade, já existente hoje entre IPI e ICMS. O IBS, ao gravar seja o ativo permanente, no caso de alguns veículos, seja insumos de produção, como a energia e combustíveis, comporá o custo do produto que se refletirá no preço e, por isto, na base de cálculo do IBS na operação subsequente, em nova cumulatividade. Salvo se a alíquota do Seletivo for muito baixa, a cumulatividade pode ser significativa.

A versão final do relator traz algumas evoluções em relação às versões anteriores no tocante à cumulatividade. A principal delas é que o Seletivo não mais exclui o IBS. Ao contrário, há a incidência de ambos. Isto evita que o Seletivo ‘quebre’ a cadeia de créditos do IBS. Outro ponto importante é que foi suprimida a possibilidade de lei complementar definir outras incidências para o Seletivo, o que poderia agravar a cumulatividade. Também houve a inclusão do gás natural no âmbito de incidência do Imposto Seletivo, o que nos parece bom por garantir um tratamento uniforme para os combustíveis.

Outra mudança foi a restrição do Seletivo sobre telecomunicações àquelas que são objeto de concessão ou autorização da União. Aqui, ao contrário do gás natural, a medida pode se revelar problemática, já que há competição entre os serviços concedidos e autorizados e os chamados serviços de valor agregado. A distinção na tributação pode gerar questões concorrenciais.

O Imposto sobre Bens e Serviços – questões institucionais

A proposta dedica a maior parte do seu texto ao Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). Aqui é importante destacar alguns aspectos institucionais relacionados ao imposto.

Em primeiro lugar, a proposta cuida de criar uma figura normativa própria para o imposto. A iniciativa para a lei complementar que disciplinará o IBS é própria, estrita a: Governadores e Prefeitos; Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa e Câmaras de Vereadores, manifestando-se pela maioria relativa de seus membros; bancadas estaduais de Deputados Federais ou Senadores; comissão mista de Deputados e Senadores instituída para esse fim. Os projetos devem representar todas as Regiões do país e pelo menos um terço dos Estados e Distrito Federal, ou um terço dos Municípios, ou Municípios cujas populações correspondam, em conjunto, a um terço da população nacional.

Há, assim, uma restrição grande à propositura de lei complementar sobre o tema. O projeto, contudo, não estabelece restrições a emendas ao projeto que venha a ser apresentado. Isto poderá levar a questionamentos sobre o limite de modificação da proposta no parlamento. Seria válido, por exemplo, substitutivo global apresentado pelo relator num projeto de lei complementar disciplinando o IBS, que trouxesse disciplina nova, diversa daquela que constou na proposta, e na votação a maioria dos Deputados ou Senadores de uma dada região do país votassem contra? Esta é uma questão em aberto e sem paradigma constitucional anterior que possa balizar a resposta.

Outro aspecto institucional relevante é a regulamentação única do IBS realizada ‘por conjunto de administrações tributárias dos Estados, Distrito Federal e Municípios’ (art. 155-A). Lei Complementar disciplinará esse novo órgão, bem como o processo administrativo tributário. Essa regulamentação é alçada ao mesmo nível de lei federal a fim de permitir o controle judicial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Trata-se de um ponto importante e salutar. Não basta a lei ser uma só, a regulamentação também precisa ser. Não basta a regulamentação ser uniforme. Para que o imposto seja o mesmo, as práticas em cada Estado precisam ser as mesmas. Sem a previsão de recurso especial para o STJ (alínea ‘d’ do art. 105, III, acrescentado pela proposta), não haveria como uniformizar decisões conflitantes em cada Estado por força da jurisprudência dos Tribunais de Justiça locais.

Talvez menos evidente, outro ponto que parece ser central nos propósitos da PEC é o robusto favorecimento dos integrantes da carreira de Administração Tributária.

Em versão anterior o Deputado Hauly já havia previsto, textualmente, a transposição de todos os fiscais municipais, distritais e estaduais para uma nova carreira federal. A proposta não contou com apoio, mas parece ter permanecido de modo dissimulado.

Na versão aprovada as referências no corpo permanente da Constituição são a ‘administrações tributárias’, como se vê no art. 155-A, caput, inciso I e parágrafo único; 162-A, caput e §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º.

Todavia, a redação do parágrafo único do art. 155-A, ao dizer que o caput não impede que os Municípios tenham suas próprias administrações já sugere que haja alguma unificação. Qual seria a necessidade da ressalva?

A emenda contém um rol de artigos que não serão integrados no corpo da Constituição, embora, se aprovados, passem a ser norma constitucional. Um desses artigos é o 12. Em seu § 1º consta:

§ 1º Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 162-A da Constituição Federal, são integrantes da carreira de Auditoria Fiscal Tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os atuais servidores da administração tributária dos entes da federação, cujos cargos efetivos, na data da posse, ou até 31 de dezembro de 2018, fossem providos por concurso público, exigissem, como requisito de habilitação, a formação em nível superior e detivessem as competências exclusivas de fiscalização e constituição do crédito tributário pelo lançamento ou julgamento de seu processo administrativo fiscal.

Ao dizer que ‘são integrantes da carreira de Auditoria Fiscal Tributária’, o texto cria, sem margem de dúvidas, essa nova carreira, integrada pelos atuais servidores da administração tributária. O parágrafo seguinte, ao dizer que não haverá prejuízo na contagem para aposentadoria para esses servidores deixa clara a transposição. Não há sentido em resguardar o servidor ativo, como faz o § 2º, salvo se for para dizer que o ingresso nessa nova carreira não o afasta das regras de transição prevista nas Emendas Constitucionais nº 41 e 47, caso tenha ingressado no serviço público antes de 2003.

A unificação do Fisco significa que o fiscal municipal, ainda que de taxas, pouco importa o Município, passa a integrar a mesma carreira que os Auditores da Receita Federal. O mesmo se dará com os fiscais estaduais, pouco importa o Estado. A remuneração, claro, seguirá o padrão federal.

É bem verdade que há disposições que são incompatíveis com essa uniformização, como os §§ 2º e 4º do art. 162-A. Talvez o relator tenha deixado as duas possibilidades, de modo que, a depender da viabilidade política, uma seja aceita e a outra suprimida, sem necessidade de introdução de um novo texto.

De todo modo, não há apenas essa ‘unificação’. O novo ‘superfisco’ foi estruturado pelo artigo 162-A de modo muito similar à magistratura. Essa similitude provavelmente permitirá dizer que sendo uma carreira nacional, a remuneração deve ser a mesma.

No caso da magistratura, as disposições que criavam subtetos para a magistratura foram afastadas pelo STF na ADI nº 3.854 a conta da falta de isonomia no tratamento de membros de um poder de caráter nacional e unitário. Os fiscais seriam membros de um Poder, o Executivo, integrantes de uma carreira nacional e unitária.

A autonomia administrativa, financeira e funcional é complementada pela elaboração de orçamentos próprios. Não há previsão expressa de direito a duodécimos, mas está prevista a percepção de percentual da arrecadação.

Esse ‘superfisco’, autossuficiente, foi estruturado sem que se tivesse assegurada participação da sociedade. O art. 162-B prevê um Comitê Gestor integrado apenas por representantes da administração tributária. Questões caras à Constituição e ao país, como a integração nacional, o desenvolvimento regional, embora fortemente impactadas pela tributação, não estão na missão desse ‘superfisco’.

Uniformidade de alíquota

A redação aprovada diz que o IBS será uniforme em todo o território nacional e terá regulamentação única, vedada a adoção de norma estadual autônoma, ressalvadas as hipóteses previstas em lei complementar.

A existência de alguma flexibilização é importante. Se não houvesse essa margem, em casos como o atual, em que alguns Estados conseguiram manter as contas ajustadas e outros não, a necessidade de aumentar a arrecadação de uns só poderia ser obtida com a majoração de todos. É preciso ter instrumentos que permitam restringir as consequências positivas ou adversas das contas em dia a quem as mantém.

A proposta, entretanto, deixa a flexibilização bastante ampla. Poderá haver quebra da uniformidade para as hipóteses que a lei complementar prever, sejam elas quais forem. O texto constitucional não trará um parâmetro de controle dessas ressalvas.

Direito ao crédito

O direito ao crédito é amplo na proposta, correspondendo ao crédito financeiro. A incidência ampla do imposto, abrangendo locações, cessões e operações com intangíveis deve evitar que ocorram quebras na cadeia, como ocorre na divisão entre ICMS e ISS hoje em dia.

Arrecadação no destino, com possibilidade de arrecadação na origem

A proposta estabelece a arrecadação do imposto pelo Estado de destino do bem ou serviço, ressalvada a participação da União. A despeito da apropriação da receita tributária no destino, a proposta permite a cobrança unificada em estabelecimento único, o que será particularmente único para o e-commerce, cobrança na origem com repasse ao destino e uso de câmara de compensação, que poderá ser implementada por tipo de bem ou serviço ou por setor de atividade.

A câmara de compensação parece ser o instrumento mais adequado para o setor de combustíveis e sua expressa previsão, como consta, é favorável.

Restrição a benefícios fiscais

O texto aprovado veda a concessão de qualquer forma de benefício fiscal ou financeiro, salvo se estabelecido por lei complementar e em relação a alimentos, inclusive para consumo animal; medicamentos; transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano; bens do ativo imobilizado; saneamento básico; educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional.

O texto não estabelece se, no caso de isenção, ela será com ou sem manutenção do crédito das etapas anteriores. O tema ficará para a lei complementar que estabelecer a isenção.

Aprovado o texto como está, não será possível sequer afastar ou reduzir multas e juros de débitos do IBS quanto a outros setores, mesmo em casos como recuperação judicial. Essa vedação nos parece nociva, pois é necessário permitir a recuperação das empresas e isto dificilmente se dará sem que haja possibilidade de parcelar tributos em atraso, com redução de multas e juros.

A experiência mostra que os parcelamentos especiais, com redução de multas e juros, são necessários não apenas para as empresas, mas notadamente para os Estados. Não foram poucos os casos nos quais as contas da União e de alguns Estados fecharam em decorrência de receitas extraordinárias desses parcelamentos. Seria o caso de endurecer os requisitos legais para que tais benefícios sejam concedidos, mas não os vedar em absoluto.

Cálculo por fora e incidência sobre a liquidação financeira

Duas inovações importantes são a previsão de cálculo por fora do imposto e a possibilidade de que a cobrança se dê de acordo com a liquidação financeira das operações. Caso isto venha a ser estabelecido, o imposto só será devido depois do pagamento do preço pelo adquirente, aliviando sobremaneira o fluxo de caixa das empresas.

Imposto de Renda

A proposta determina que o IR que incidirá também sobre verbas indenizatórias, naquilo que superar o valor do gasto ou do patrimônio ou do patrimônio material indenizado, e incorpora a CSLL ao imposto.

Realocação de tributos/produto da arrecadação

O texto aprovado realoca algumas competências tributárias:

a) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) - ficará sob competência da União e não mais dos Estados e Distrito Federal. O imposto incidirá também se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior. Determina ainda que a arrecadação será destinada aos Municípios devendo lei que o instituir determinar a parcela do produto da arrecadação retida pela União para financiar as atividades de arrecadação, cobrança e fiscalização, inclusive quanto à determinação do valor de bens imóveis neles localizados;

b) Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) - permanece na competência dos Estados e Distrito Federal e incidirá, além de veículos automotores também sobre veículos terrestres, aquáticos e aéreos. Determina que não incidirá sobre veículos de uso comercial destinados exclusivamente à pesca ou ao transporte público de passageiros ou de cargas, nos termos da lei complementar. Terá alíquotas máximas e mínimas fixadas por lei complementar, que regulará a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Determina ainda que pertence aos Municípios o produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores terrestres licenciados em seus territórios. Lei complementar deverá estabelecer as regras de distribuição de receita sobre veículos automotores aquáticos ou aéreos. Até que isso aconteça o produto da arrecadação será distribuído por critério populacional.

Famílias de baixa renda

A proposta determina que caberá à lei complementar definir os critérios e a forma pela qual poderá ser realizada a devolução de tributos incidentes sobre bens e serviços adquiridos por famílias de baixa renda. Isto está em linha com a uniformidade de alíquotas do IBS e uma pequena margem de variação das alíquotas. Trata-se de medida que busca uma maior eficiência da arrecadação, desonerando não necessariamente toda uma classe de produtos, mas aqueles adquiridos pelos mais necessitados.

Fortalecimento das receitas tributárias dos Municípios

Além de determinar que a arrecadação do ITCMD e do IPVA sejam destinadas aos Municípios, em relação ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), a proposta determina que lei complementar estabelecerá alíquotas mínimas, limites para concessão de benefícios fiscais e reajustes mínimos da base de cálculo em caso de omissão do legislador local em atualizar o valor dos bens sujeitos à tributação.

O IPTU e o ITBI poderão ser arrecadados, fiscalizados e cobrados pela União, mediante convênio que defina a entrega de parcela do produto da arrecadação destinada a financiar essas atividades e as atribuições que poderão ser compartilhadas com os Municípios.

Contribuição previdenciária patronal sobre a folha

A proposta determina que lei definirá os setores de atividade econômica para os quais a contribuição previdenciária sobre a folha poderá ser substituída, total ou parcialmente, por contribuição incidente sobre receita ou faturamento. Determina ainda que lei poderá instituir outras fontes de custeio da previdência social em substituição, total ou parcial, à contribuição sobre a folha, inclusive mediante estabelecimento de adicional do IBS.

Determina ainda que o valor remanescente dos recursos previstos no art. 156-A (repartição do IBS), após as entregas e destinações previstas na Constituição Federal, será integralmente utilizado no financiamento da seguridade social.

Abono salarial, seguro desemprego e BNDES

O fundo de custeio do programa do seguro desemprego e do abono passará a ser financiado por parcela dos recursos de que trata o art. 156-A (repartição do IBS), nos termos da lei.

Dos recursos mencionados no art. 156-A (repartição do IBS) pertencentes à União, pelo menos 11,71% serão destinados a financiar programas de desenvolvimento econômico, por meio do BNDES, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor.

Simples Nacional e Zona Franca de Manaus

Não há mudanças quanto à Zona Franca.

Transição

A proposta estabelece um regime de transição pelo qual no primeiro ano, institui contribuição ‘teste’, para estimar com precisão o potencial arrecadatório do futuro IBS, com alíquota de 1%. O valor pago poderá ser compensado com a contribuição previdenciária patronal sobre a receita ou o faturamento. Eventuais saldos credores acumulados serão restituídos em até 60 dias.

Entre o 2º e o 5º ano os dois regimes conviverão, com implementação gradual do IBS e do Imposto Seletivo e redução dos seguintes tributos extintos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, ICMS e ISS), com substituição das arrecadações à razão de um quinto por ano. Neste período, as arrecadações do IBS e do Seletivo serão partilhadas entre União, Distrito Federal, cada Estado e cada Município de acordo com a média das arrecadações observadas em 3 exercícios anteriores de distribuição dos tributos extintos, deduzidas as entregas a outros entes federativos (FPE, FPM, FPEX, FCO, cota-parte 25% do ICMS, cota-parte 50% do IPVA), que serão somadas à arrecadação do ente federativo que as recebeu.

Entre o 6º e o 15º ano a arrecadação do IBS será seletiva e feita de forma inversamente proporcional entre a distribuição com base nos três exercícios anteriores e a com base na nova redação da Constituição.

Saldos credores acumulados pré-Reforma Tributária

A proposta remete para lei complementar a definição da forma de aproveitamento dos saldos credores acumulados dos impostos e contribuições com redação anterior à dada por esta Emenda Constitucional (IPI, ICMS, Cide-combustíveis, contribuição previdenciária patronal sobre o faturamento, PIS/Pasep).

Fundos para reduzir a disparidade da receita per capita entre os Estados e os Municípios

A proposta busca atacar o desequilíbrio regional determinando a constituição de um fundo para reduzir a disparidade da receita per capita entre os Estados, com recursos destinados a investimentos em infraestrutura; fundo com os mesmos objetivos e destinação, em relação aos Municípios.

Lei complementar estabelecerá os critérios de determinação anual do valor a ser destinado aos fundos e de mensuração da receita per capita e poderá prever hipótese de: destinação de parcela do produto da arrecadação de impostos, inclusive a proveniente de transferências, ao fundo; retenção ou redução de valores dos fundos relativos a ente federativo que deixe de instituir e efetivamente arrecadar impostos de sua competência, autorizada a exclusão de sua participação no fundo.

Em relação à segunda hipótese, lei complementar definirá parcela do fundo destinada a reduzir eventuais perdas de receitas dos Municípios em decorrência da aprovação desta Emenda Constitucional, dispondo sobre critérios de repartição dos recursos. O disposto acima se aplica até o 15º exercício subsequente ao da publicação desta Emenda Constitucional.

A questão do federalismo nessa proposta

É motivo de algum debate a questão do federalismo. Para alguns autores, qualquer proposta que retire dos Estados a competência para instituir e arrecadar o ICMS violaria o Federalismo.

Ao nosso ver a questão não se põe desse modo. Certamente violaria a cláusula pétrea do Federalismo proposta que concentrasse na União ou em outro Estado a decisão discricionária de atribuir ou não recursos a outro. A subordinação, o ‘pires na mão’ é que seria contrário ao Federalismo.

Sem esquecer que a situação atual – o ponto de partida para efeitos de comparação – não corresponde a uma autonomia de facto perfeita dos Estados e Municípios, nos parece claro que a proposta estabelece critérios claros e objetivos de atribuição dos recursos, não havendo margem de discrição, da União ou de qualquer outro Ente, quanto à parcela a repassar aos demais. A margem de discrição existente não é superior à hoje existente.

O federalismo não pode ser óbice à evolução de um sistema que já se mostrou absolutamente disfuncional e contrário aos interesses do desenvolvimento nacional.”

 

3- Examinando uma outra proposta, a PEC 128/2019 (de autoria do deputado Luís Miranda - DEM/DF), fizemos as observações abaixo acerca da vedação a que anistia e remissões sejam concedidas, bem como a que o IBS seja submetido a alíquota única. As observações valem aqui também:

“Aprovado o texto como está, não será possível sequer afastar ou reduzir multas e juros de débitos do IBS quanto a outros setores, mesmo em casos como recuperação judicial. Essa vedação nos parece nociva, pois é necessário permitir a recuperação das empresas e isto dificilmente se dará sem que haja possibilidade de parcelar tributos em atraso, com redução de multas e juros.

A experiência mostra que os parcelamentos especiais, com redução de multas e juros, são necessários não apenas para as empresas, mas notadamente para os Estados. Não foram poucos os casos nos quais as contas da União e de alguns Estados fecharam em decorrência de receitas extraordinárias desses parcelamentos. Seria o caso de endurecer os requisitos legais para que tais benefícios sejam concedidos, mas não os vedar em absoluto.

Não apenas isto, parece fácil antever as dificuldades de uma mesma alíquota para bebidas, perfumes, armas, cesta básica, roupas, serviços hoje subtributados. O transporte urbano teria a mesma alíquota que o alimento, o vestuário, o automóvel e a bebida alcoólica e a energia elétrica? E os imóveis, que consomem na construção insumos e serviços tributados pelo IBS, estarão também na incidência, como ocorre em alguns países? Se assim o for, a submissão será sem que se possa conceder isenção ou alíquota menor, mesmo para a baixa renda?

A diferença entre esse quadro e o atual é tão grande que parece mais razoável imaginar algumas faixas de alíquotas, poucas, mas que possam ser estabelecidas.

Ainda nesse tema cabe destacar que a proposta permite a devolução do IBS para contribuintes de baixa renda. Ao assim estabelecer, a proposta impede, a contrario senso, a implantação de um regime de tax refund para vendas de mercadorias a não residentes, existente em outros países, ou sistemas de incentivo ao consumidor por meios de créditos por exigir a nota fiscal, caso este não seja de baixa renda.”

 

4- Uma questão adicional que precisa ser considerada na vedação a que isenções e benefícios fiscais sejam concedidos é o risco de perda de efetividade do texto.

5- Situações haverá em que a realidade se imporá à regra e atalhos serão concedidos.  Um exemplo que parece interessante é o Repetro. Não é razoável imaginar que a exploração e mesmo a produção de petróleo se dê com a tributação integral da entrada de equipamentos.  Isto tornaria inviável a operação.  Todavia, no nosso sistema jurídico a exoneração exigiria uma ação coordenada da União e de todos os Estados, via Confaz, o que tornaria a aprovação tormentosa.

6- A realidade se impôs. Foi criada uma "admissão temporária", aplicável mesmo àqueles bens que jamais retornarão ao exterior, como dutos e outros que ficarão no fundo do leito do mar, sem possibilidade técnica ou econômica de retirada.

7- Permitir que o legislador infraconstitucional crie realidades alternativas para contornar problemas que num primeiro olhar, não teriam solução por conta de vedações constitucionais é um risco grave, pois é um estímulo ao ativismo legislativo ou judicial. O resultado final é que o texto da Constituição, ao invés de ser garantia, é munição que pode ser empregada no sentido que for do interesse de cada um. Num país já marcado por uma enorme litigiosidade, é melhor que as válvulas de escape sejam expressamente previstas pela própria Constituição, bem como que ela dê os limites materiais, formais ou valorativos para que tais válvulas sejam acionadas.

 

III - Análise da emenda à PEC 110/2019

8- Em conjunto com o texto da PEC 110/2019 foi encaminhada emenda do Senador Major Olímpio, que inclui no texto modificações no art. 195 da Constituição e acrescenta os artigos 195-A e 195-B.

9- O texto apresentado busca, de um lado, assegurar o alargamento da base de incidência da contribuição sobre a folha, passando a alcançar os rendimentos pagos, devidos ou creditados em decorrência de relações de trabalho ou de serviço, mas excluindo textualmente parcelas que a jurisprudência já afasta.

10- O texto também estabelece uma tributação com alíquotas decrescentes, de modo que a contribuição patronal seja decrescente em razão da massa salarial.

11- A proposta de emenda parece interessante, sendo necessária uma análise econômica dos seus efeitos. Sob o ponto de vista jurídico a única observação que nos ocorre é a falta de definição da abrangência da contribuição do art. 195, inciso I, alínea “a”, a chamada contribuição sobre a folha. Ao nosso ver a proposta pretende alcançar apenas pagamentos feitos a pessoas físicas. Todavia, como no inciso I estão listados empregador, empresa, entidade equiparada, os “demais rendimentos pagos, devidos ou creditados em decorrência das relações [...] de serviço, a qualquer título ou natureza”, pode ser lida como uma contribuição sobre pagamentos, sobre a tomada de serviço feita a pessoas jurídicas. Se esta for a intenção, essa incidência precisaria de alguma disciplina no texto constitucional, pois sua compatibilização com a aplicação regressiva das alíquotas, prevista no artigo 195-A, não parecerá clara: a empresa contratada contará como “um empregado”? Como fazer esse cálculo?

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Gustavo Amaral é advogado da CNI

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