Recontratação de empregados em empresas terceirizadas

PL que flexibiliza a quarentena para recontratação de empregados em empresas terceirizadas – A hipótese está dentro do âmbito privativo de atuação parlamentar e não se choca com qualquer norma legal vigente ou princípio valorativo que balize a interpretação das normas que compõem a estrutura normativa do Direito do Trabalho – Todavia, o art. 5º-D parece violar o princípio da livre iniciativa, imiscuindo-se indevidamente na gestão empresarial.

por Eduardo Sant’Anna

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EDIÇÃO 14 - ABRIL 2021
imagem de uma pessoa sendo entrevistada representando recontratação de empregados

I- Objeto

 

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei (PL) 48/21, que pretende flexibilizar a quarentena para recontratação de empregados em empresas terceirizadas.

1.1- O texto está assim proposto:
 

Art. 1º O artigo 5º-C da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º-C. Poderá figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos sócios tenham prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhando sem vínculo empregatício.” (NR).


Art. 2º O artigo 5º-D da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º-D. O empregado que for demitido somente poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado, se o novo contratante garantir:
I - a estabilidade empregatícia por um período mínimo de seis meses;
II - que o salário base seja, no mínimo, do mesmo valor recebido da empresa anterior;
III - a manutenção do valor salarial base, sem qualquer redução.
IV - que o empregado receberá cursos de treinamento e capacitação, fornecidos gratuitamente pela nova empresa contratante” (NR)

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

2- Afirma o parlamentar que a legislação trabalhista, “com o propósito de proteger o emprego dos trabalhadores da indústria brasileira, acabou por, na verdade, provocar inúmeros casos de demissão”, uma vez que impõe óbice à contratação deles por empresa especializada antes do prazo de 18 meses, contados a partir da demissão.

2.1- Desta forma, propõe esta alteração legislativa para “introduzir uma nova possibilidade de contratação”, permitindo a contratação do empregado demitido sem cumprindo do “pedágio”, desde que observados alguns requisitos e, também, pessoa jurídica cujos sócios tenham prestado serviços à contratante na qualidade de empregado.

 

II- Análise

 

Aspectos formais

 

3- Sob o ponto de vista do processo legislativo constitucional, não há óbice à atuação parlamentar inicial no caso, pois a matéria não se sujeita à iniciativa privativa do Presidente da República (CF, art. 61 e § 1º).

 

4- No aspecto federativo, a proposição tem curso no Congresso Nacional, ambiente parlamentar adequado. Também está submetida ao processo legislativo pertinente à mudança/alteração pretendida, pois compete à União, por Lei Ordinária, legislar nessa matéria (CF, art. 22, I).

 

Aspectos materiais

 

5- O projeto de lei propõe duas alterações na Lei nº 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas: a) desobriga a necessidade de cumprimento de pedágio para a contratação pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício e b) estabelece algumas regras para que o trabalhador possa ser contratado por empresa prestadora de serviços antes do decurso do interstício de dezoito meses.

5.1- A alteração, no sentido de desobrigar a observância do interstício de 18 meses para contratação de empregado demitido (nos termos da lei), não encontra óbice legal ou constitucional. Está dentro do âmbito privativo de atuação do parlamento federal e não se choca com qualquer norma legal vigente ou princípio valorativo que balize a interpretação das normas que compõem a estrutura normativa do Direito do Trabalho. As mudanças apresentadas pelo parlamentar, no sentido de aumentar a autonomia de contratação, dependem apenas da opção política do legislador.

5.2- A irregularidade na contratação do empregado não pode ser presumida, razão pela qual a proposta não se apresenta desarrazoada. Eventual anormalidade deve ser comprovada em regular instrução processual, após a observância do amplo direito de defesa, do devido processo legal e do direito exercido do contraditório (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF), já que a boa-fé contratual é presumida (arts. 187 e 422 do Código Civil).

 

6- Não obstante as ponderações anteriores, vale menção destacada à proposta de alteração do art. 5º-D da Lei. Apesar da retirada do “pedágio” não encontrar impedimento, a imposição das regras neste artigo atrai conflito com a Constituição Federal.

6.1- Do ponto de vista estritamente jurídico, a imposição destas regras parece violar os artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da Constituição Federal, por desrespeitar o princípio da livre iniciativa ao se imiscuir indevidamente na gestão empresarial e impedir a livre negociação entre as partes envolvidas, já que os tópicos apontados têm nitidamente esta característica.

6.2- Ao agir desta forma, a proposta se apresenta contrária à ordem contida nos artigos anteriormente citados. São mais do que conhecidas as danosas consequências a médio e longo prazos da imposição de amarras aos empregadores no que se refere à condução livre da empresa, na contramão das regras que regulam quaisquer mercados, sendo o principal deles o aumento dos custos para o setor produtivo que, por consequência, acabarão por elevar os preços para o consumidor final.

6.3- Neste sentido:

O art. 170 da CF, ao proclamar a livre-iniciativa como fundamento da Ordem Econômica, reconhece a liberdade como um dos fatores estruturais da Ordem. Afirma, assim, a autonomia empreendedora do homo economicus na conformação da atividade econômica. Na livre-iniciativa a liberdade expressa-se, de um lado, em termos negativos como ausência de impedimentos e expansão da própria atividade. Em termos de liberdade positiva, como participação na construção da riqueza econômica. [...]
[...] Em termos da ordem econômica, assegurar é, assim, velar para que sejam normativamente evitados impedimentos (discriminação) e promovidos reequilíbrios econômicos em situações de desfavorecimento de fato. [...]
Para bem compreendê-la é preciso leva em consideração os efeitos que a forte presença do Estado regulador na atividade econômica sobre ela exerce, quer por imposição de obrigações, de proibições, de autorizações, de estímulos e quer até por omissão normativa. Produzem-se, de fato, limitações na liberdade. Essas limitações, contudo, são mediatas, não estão contidas imediatamente na regulação normativa. Elas influenciam a motivação dos sujeitos. Assim, se o Estado impõe ou deixa de impor regras, isso condiciona os sujeitos. Isso motiva os sujeitos, mas o efeito motivador é apenas um dos efeitos possíveis. A liberdade de iniciativa, assim, está na possibilidade deixada ao sujeito de exercer o seu próprio cálculo de custo/benefício. E o direito de liberdade de iniciativa garante-se, assim, por meio de um princípio de sopesamento, capaz de equilibrar as interferências nas motivações (estatais, sociais, individuais, etc.).
A Constituição, nessa linha, consagra o mercado e a dinâmica dos agentes privados como força motriz por excelência da economia, na crença consistente de que as soluções geradas pelos agentes privados sobre o que, como e quanto produzir são as mais aptas à produção de bem-estar. Note-se que a atuação do Estado passa a ter um caráter negativo, isto é, de identificação e colocação dos limites aos agentes privados.
O Estado, nesse sentido, não exerce orientações impositivas sobre a atividade econômica, fazendo-o apena de modo indicativo (art. 174, caput). Quando ações ou operações privadas ofenderem ou ameaçarem interesses públicos relevantes como a saúde, a livre competição, a segurança, o meio ambiente, o pleno emprego, limita-se a apontar quais não serão aceitas. As orientações positivas sobre a organização da atividade privada, dentre da lei, devem partir sempre dos próprios agentes, por foça da livre-iniciativa que fundamenta e informa todo o sistema econômico.
(30 anos da Constituição Brasileira: Democracia, Direitos Fundamentais e Instituições. Organizador: José Antônio Dias Toffoli. Editora Forense, 2018, págs. 761-763)

 

III - Conclusão

 

7- Isto posto, não vislumbramos óbice à proposta de exclusão do pedágio constante nos artigos 5º-C e 5º-D da Lei nº 6.019/74. Contudo, a redação apresentada ao artigo 5º-D encontra óbices constitucionais.

 

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Eduardo Sant’Anna é advogado da CNI

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