Recuperação e falência durante a pandemia

por Julio Cesar Moreira Barbosa

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EDIÇÃO 11 - JULHO 2020
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PL 2.409/2020 – Medidas emergenciais e temporárias à recuperação judicial, extrajudicial e falência durante a pandemia do Covid-19 - Aprimoramentos necessários - Apoio condicionado da CNI.

I- Objeto

1- Trata-se de análise jurídica do Projeto de Lei nº 2.409/2020 (PL), que pretende promover, em caráter emergencial e transitório, alterações na Lei nº 11.101/2005, para viger exclusivamente durante o prazo de calamidade reconhecido pelo Decreto-Legislativo nº 6/2020, podendo ser assim resumido:

(i) suspende os pedidos de falência e execuções fundadas no descumprimento dos planos de recuperação judicial ou extrajudicial relativamente às obrigações vencidas após 20 de março de 2020. Também veda que o administrador judicial da recuperação judicial requeira a falência, no caso de descumprimento do plano homologado;

(ii) suspende as obrigações do devedor constantes de planos de recuperação judicial e extrajudicial já homologados, pelo prazo de 120 dias;

(iii) em relação aos pedidos de recuperação especial judicial das microempresas e empresas de pequeno porte propostos após 6 de março de 2020: (a) aumenta o prazo de parcelamento para até 60 meses (contra os 36 meses atuais); (b) prevê que o primeiro pagamento ocorra dentro de 360 dias (contra os 180 dias atuais); (c) a decretação da falência requer o quórum de 2/3 dos créditos de quaisquer das classes de credores (contra os atual quórum de "mais da metade"); e

(iv) institui a possibilidade de ajuizamento de um "pedido de recuperação extrajudicial", se houver impasse com os credores na aprovação do plano de recuperação extrajudicial.

II - Análise

2- Como consideração geral, é importante deixar claro que, se de um lado existe a empresa em dificuldades financeiras que busca a solução das suas obrigações de forma mais facilitada, para daí seguir com suas atividades, do outro lado estão entidades ou agentes econômicos que buscam receber seus créditos com a mesma finalidade. Assim, tendo em conta o momento atual de pandemia da Covid-19, no qual já são sentidos efeitos negativos na economia, não é difícil imaginar que tanto credores quanto devedores poderão ser atingidos pela queda da atividade econômica.

3- A partir dessa consideração podemos ter como um viés da nossa análise uma intervenção mínima na relação credor-devedor, inclusive na recuperação judicial, uma vez que uma intromissão excessiva pode redundar em dificuldades financeiras também para os credores, além de causar um efeito pernicioso no mercado. E igualmente não podemos partir do pressuposto de que todo credor é uma empresa com solidez econômica para vencer, com menor esforço, a crise atual, pelo que seus créditos ou seus direitos poderiam ser sempre objeto de transação para favorecer o devedor.

4- Isso posto, apesar de a proposta pretender prevenir especificamente os efeitos da pandemia da Covid-19, daí a sua validade emergencial limitada no tempo, o PL prevê uma vedação imediata, geral e irrestrita, da propositura de atos tendentes à obtenção do cumprimento de obrigações vencidas contra o devedor pelo prazo de 60 dias, somados a outros 60 dias de suspensão dos mesmos atos, durante o período de negociação coletiva.

5- Há uma imprecisão técnica quando o PL se refere à possibilidade de ajuizamento de uma recuperação extrajudicial. Isso porque, como o nome sugere, o procedimento extrajudicial se realiza essencialmente fora do âmbito da Justiça, mediante acordo entre devedor e credores. Apenas e tão somente o Poder Judiciário é chamado para homologar o plano apresentado e aceito pelas partes, oportunidade aonde as condicionantes legais para o procedimento são avaliadas e, não havendo ofensas às exigências da norma, chanceladas.

6- A mera suspensão do cumprimento das obrigações do devedor, decorrente dos planos de recuperação judicial e extrajudicial já homologados, pelo prazo de 120 dias, é insuficiente para que as empresas ultrapassem os efeitos econômicos decorrentes da pandemia, que exigirá a repactuação dos planos de recuperação judicial, hipótese essencial não trazida no PL.

7- No art. 4º do PL está previsto um relaxamento transitório das exigências de acesso à recuperação judicial e extrajudicial, para os pedidos formulados após 20 de março de 2020. Isto é, os pedidos apresentados em juízo até o dia 19 de março, deveriam receber o tratamento "normal" (mais restritivo), quanto às exigências requeridas pela Lei nº 11.101/2005, em que pese sua análise seja feita dentro do período da calamidade pública decretada. Ou ainda, pedidos formulados próximo ao prazo final da calamidade, seriam analisados com regras mais flexíveis, quando já restaurada a vigência da Lei nº 11.101/2005.

8- Essa consideração demonstra a necessidade de restringir mais objetivamente as medidas transitórias decorrentes da Covid-19, sob pena de haver, como demonstrado, tratamento diferenciado dos pedidos de recuperação judicial e extrajudicial, mesmo quando não presentes uma causa justa para essa assimetria.

9- O art. 5º, que se refere às normas transitórias para as microempresas e empresas de pequeno porte, merece reparos quanto ao previsto no seu inciso II, que, ao lado da Selic, prevê, em prejuízo do sistema atual, também a incidência de uma correção monetária. Contra essa previsão, vale dizer que a Selic já contempla, de uma só vez, a correção monetária e juros.

10- Nesses termos, o art. 6º representa uma contradição, e até mesmo um retrocesso ao que previsto atualmente pela Lei nº 11.101/2005, relativamente à recuperação extrajudicial.

11- Esses seriam, a nosso ver, os pontos que deveriam ser contemplados para o aperfeiçoamento da proposta, cujo objetivo é meritório.

 

 

III - Conclusão

12- Pelo exposto, conquanto o objetivo de regulação provisória da recuperação judicial e extrajudicial seja meritória, o PL necessita dos aprimoramentos nos pontos destacados na nossa análise, o que, a nosso ver, deve condicionar o apoio da CNI ao projeto em análise.

 

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Julio Cesar Moreira Barbosa é advogado da CNI

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