ENTREVISTA: Governo está descuidando da saúde das empresas

Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Instituto IBMEC, defente que o Governo Federal dê ao problema de caixa das empresas a mesma atenção que vem dando ao ajuste das contas públicas

Apesar do foco correto na preocupação com o ajuste fiscal, o governo deveria dar atenção equivalente aos problemas enfrentados pelo setor produtivo, no qual parte importante das empresas não consegue gerar receita suficiente para o pagamento de juros. A opinião é de Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Instituto IBMEC. “O grande desafio é realmente a questão do capital de giro e a gestão financeira das empresas endividadas e com problemas de cobrir o custo financeiro”, afirma o especialista. Confira a entrevista concedida à revista Indústria Brasileira:

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o senhor avalia a redução da oferta de capital de giro para o setor produtivo?

CARLOS ANTONIO ROCCA - Com a recessão de 2015 e 2016, começou a aumentar a proporção de empresas inadimplentes. E o que fez o sistema bancário? Começou a aplicar restrições à concessão de crédito para se defender da inadimplência. Com isso, houve uma restrição na oferta de capital de giro e de financiamento em geral. No caso do capital de giro, houve uma queda muito forte. Foram mais de 20% em termos nominais na queda do estoque de capital de giro nesse período. Isso gerou uma combinação muito complexa: as empresas ficaram com dificuldade de geração de caixa até para cobrir despesas financeiras, com endividamento elevado e com restrição de crédito e capital de giro.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Os dados de 2017 permitem avaliar se esse período foi superado?

CARLOS ANTONIO ROCCA - Tem sido um período muito difícil, que não está totalmente superado. Essa situação afeta, ainda, uma parcela muito significativa de empresas. Numa amostra de cerca de 900 empresas da indústria de transformação com capital aberto e algumas de capital fechado, a última estimativa que temos, com base em dados de 2016, indica que algo como 45% das empresas tendo problemas de geração de caixa e, portanto, de pagamento de despesas financeiras. Isso justificaria uma preocupação das políticas públicas. Toda a preocupação recente, justificadamente, tem focado na questão do ajuste fiscal, que é uma condição necessária e essencial para que o país crie condições para reduzir a taxa de juros real e retome o crescimento. Mas, ao mesmo tempo, talvez não se tenha dado uma importância equivalente ao desafio enfrentado pelo setor produtivo.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como assim?

CARLOS ANTONIO ROCCA - Porque a indústria vem de um período anterior também muito difícil, especialmente a partir de 2011 e 2012, quando tivemos uma redução muito forte do índice de rentabilidade da indústria. Os números mostram que houve uma queda muito grande de rentabilidade e do volume de investimentos. E quando buscamos a origem desse problema, podemos verificar que está, basicamente, no fato de a indústria não conseguir transferir para os preços de venda o aumento de custo que teve. A indústria tem enfrentado um desafio de queda forte de vendas, com grande aumento de custos financeiros depois de vários anos seguidos de perda de rentabilidade. A exceção são empresas beneficiadas pela virada do câmbio, que ofereceu melhores condições de exportação.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O senhor falou que esse problema todo ainda não está totalmente superado...

CARLOS ANTONIO ROCCA -
Não está. Houve algum avanço, mas uma parcela considerável desse avanço acabou se concentrando nas empresas maiores, com maiores dívidas, por meio da renegociação com os bancos. Claro, os bancos acabam dando prioridade à renegociação das empresas com dívidas muito elevadas. Até porque a renegociação do varejo, das dívidas das pequenas e médias empresas, acaba sendo difícil de ser administrada e tem alto custo.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que pode ser feito para superar esse problema?

CARLOS ANTONIO ROCCA - A queda nas taxas de juros já provocou uma redução no custo do crédito bancário, mas ainda muito tênue. O grande desafio é, realmente, a questão do capital de giro e a gestão financeira das empresas endividadas e com problemas de cobrir o custo financeiro. Eventualmente se poderia examinar a possibilidade de um programa especial, da mesma forma que assistimos, em países desenvolvidos, um grande número de ações emergenciais para moderar os problemas do setor privado. E não estou falando aqui de subsídios. A nova política operacional do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que entrou em vigor no dia 3 de abril, começou a admitir recebíveis como garantia. Essa é uma mudança muito importante.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Por quê?

CARLOS ANTONIO ROCCA - Temos, no Brasil, muitos casos de empresas que teriam condições de oferecer recebíveis de curto prazo e ativos como garantia para operações de capital de giro. E o próprio BNDES tem algumas linhas que poderiam ser usadas por meio do sistema bancário. Há, ainda, a própria indústria dos fundos de direito creditório. Temos, hoje, diversas iniciativas com o objetivo de mitigar riscos por meio do registro de duplicatas, por exemplo. Esse me parece um caminho importante para ser examinado. Existe aí uma oportunidade de fazer um programa de ampliação da oferta de crédito para as empresas. Lógico que tem vários detalhes mas, de um modo geral, o problema não é falta de recursos. Há, de um lado, um grande volume de recursos e, de outro, um grande número de empresas precisando de financiamento de capital de giro. O que a gente tem de fazer é criar as pontes entre os recursos que existem, de um lado, e a demanda de crédito, do outro.

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