BNDES deve recuperar seu papel, afirma professor da FGV

Nelson Marconi defende que a instituição chave no financiamento ao setor produtivo volte a oferecer crédito, reaquecendo a economia e aliviando o fluxo financeiro das empresas

Apesar de estar acuado pela crise política, o governo ainda tem instrumentos para ajudar a recuperar a economia. Um deles é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deveria retomar suas operações e fornecer crédito para o setor produtivo, avalia o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Outro instrumento seria a retomada das concessões, apesar das incertezas, diz ele, que também coordena o Fórum de Economia da FGV e dirige o Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da instituição.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - No atual cenário, o que ainda pode ser feito para melhorar a economia?

NELSON MARCONI - Até as eleições, em 2018, acho que vamos ficar andando de lado. Em função do ambiente político e do cenário econômico, o investimento privado ainda vai ficar retraído. A chance que o governo teria de estimular a atividade econômica seria aprofundar o programa de concessões ou estimular as exportações. O programa de concessões dificilmente avançará, por conta da conjuntura política, e o estímulo das exportações não é do feitio da atual equipe econômica, que tem uma preocupação maior em segurar a inflação e manter o dólar mais baixo, o que reforça a política monetária, mas prejudica as exportações. A longo prazo, as reformas previdenciária e trabalhista, em discussão no Congresso, são importantes, mas talvez o governo não consiga aprová-las na intensidade em que está propondo. Acredito que vão conseguir alguma coisa, mas ainda não dá para saber em que grau. E isso é uma pena.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - No caso das concessões, o Legislativo já aprovou um novo marco legal. Portanto, essa não é uma medida que depende mais do Executivo?

NELSON MARCONI - Sim. Minha dúvida é se haverá empresas participando desse processo sabendo que o cenário está tão incerto. Tenho um pouco de receio em relação aos investimentos porque ninguém sabe, hoje, se esse marco regulatório poderá ser alterado no futuro, se as atuais regras vão prevalecer. Mas avançar nas concessões é uma medida importante para estimular a economia.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Há espaço para o Banco Central continuar reduzindo a taxa de juros ao longo do ano?

NELSON MARCONI - Minha impressão é que eles vão reduzir o ritmo de queda dos juros, até para ver como os preços e o câmbio vão reagir nesse cenário de maior turbulência política. Se tiver uma alta muito elevada do câmbio, eles vão controlar mais a queda dos juros. Mas a princípio acredito que serão mais cautelosos e não vão manter o ritmo de redução da taxa básica de juros. Será uma surpresa se mantiverem. É bom a gente lembrar que a taxa real de juros continua muito alta, em torno de 7,5% anuais.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E as medidas microeconômicas, o que pode ser feito?

NELSON MARCONI - Nada impede que o governo adote medidas para melhorar o ambiente de negócios. Se a situação se estabilizar, com ou sem o atual presidente, haverá espaço para votar coisas menos polêmicas, como atualizar a lei de recuperação judicial ou medidas de estímulo às exportações. Mas acho que somente elas não serão suficientes para a retomada do crescimento, embora criem condições importantes para que depois, no futuro, o país estimule o nível de atividade do setor produtivo.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Em relação à reforma trabalhista?

NELSON MARCONI - Essa reforma é importante para flexibilizar uma série de pontos e facilitar a negociação, mas a proposta, da forma como está, reduz o poder de participação dos sindicatos e não acho isso muito bom. A legislação deveria deixar mais claro quais cláusulas poderiam ser negociadas de maneira mais descentralizada e fortalecer os sindicatos na negociação nacional. Isso ajuda a reduzir a insegurança jurídica. Diminui muito o poder do sindicato, mas a possibilidade de reduzir salário em períodos de recessão, com posterior recuperação, é uma possibilidade que não está prevista e amenizaria muito o desemprego, hoje em torno de 14 milhões de pessoas. Se você conseguir negociar algum tipo de redução temporária de salário, você sai muito mais rapidamente de uma crise. E não estou vendo a reforma mexer nisso. Outra coisa que não vejo é com relação às ações trabalhistas. Nada garante que haverá redução das ações, que são uma dor de cabeça grande para as empresas.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que pode ser feito para melhorar as condições de financiamento?

NELSON MARCONI - Primeiro é importante que o BNDES retome o papel dele enquanto fornecedor de crédito para a economia. Não dá para reativar a economia sem reativar o crédito. Além disso, há uma outra mudança importante no mercado de crédito como um todo que pode ajudar o mercado de capitais: hoje há uma acomodação do mercado financeiro em aplicar em papéis da dívida pública, uma espécie de mercado cativo e seguro. Para mudar isso, estimulando o investimento em outros ativos, é preciso acabar com a indexação da dívida pública. Ao fazer isso, você cria condições para que o mercado privado ofereça outras alternativas de crédito. Uma das alternativas pode ser o crédito de longo prazo. Não acho que o mercado, sozinho, vá ofertar a quantidade de crédito necessária.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O refinanciamento de dívidas com a Receita Federal, pode ajudar na recuperação?

NELSON MARCONI - As empresas estão muito endividadas e, numa situação dessas, a primeira coisa que fazem é deixar de pagar impostos como estratégia de sobrevivência. Esse parcelamento poderá ajudá-las a colocar em dia sua situação.

REPRODUÇÃO DA ENTREVISTA - As entrevistas publicadas pela Agência CNI de Notícias podem ser reproduzidas na íntegra ou parcialmente, desde que a fonte seja citada. As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. Em caso de dúvidas para edição, entre em contato pelo e-mail [email protected].

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