Retomada do crescimento depende de avanços na agenda de reformas

Apesar dos efeitos da crise política sobre andamento dos projetos prioritários, entidades da indústria acreditam que é preciso manter instituições funcionando para país superar a mais grave crise econômica de todos os tempos

O presidente Michel Temer teria o que comemorar. A economia dá alguns sinais de que a recessão pode ter ficado para trás, com as contas públicas em melhor estado, o Produto Interno Bruto (PIB) reagindo e os juros em tendência de queda. Mas a delação do empresário Joesley Batista, do grupo J&F, colocou o país em nova crise de governabilidade, pouco mais de um ano após o traumático processo de impeachment.

“Estamos novamente convivendo com turbulências na área política, e isso cria incertezas entre os agentes conômicos, sobretudo quanto à continuidade da equipe econômica do governo federal, responsável por políticas e ações importantes para o país”, avalia Gilberto Peralta, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). “Temos que ter em mente a necessidade urgente de manter a continuidade das ações do núcleo econômico do governo federal e finalizar, o mais breve possível, as reformas em andamento. É preciso terminar essa pauta de reformas e o ajuste das contas públicas para poder começar uma nova agenda, a agenda do crescimento econômico”, diz Peralta.

A entidade realizou evento em maio no qual manifestou explícito apoio à permanência, em seus postos, dos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento), haja o que houver. “Não podemos aceitar que a disputa política pelo poder atrapalhe a gestão econômica responsável pela tentativa de sair da crise”, disse Peralta, na ocasião. Os dois ministros se mostraram confiantes de que o Congresso Nacional aprovará as propostas de reformas em discussão no Legislativo, apesar do agravamento da crise política. Henrique Meirelles, principal âncora do governo junto aos agentes econômicos, afirmou apostar no avanço da agenda proposta. Segundo ele, o Congresso Nacional seguirá votando projetos importantes como as reformas trabalhista e da Previdência Social. “Essa é a agenda em que o Brasil está engajado e vai continuar, independentemente de qualquer coisa”, afirmou, durante o evento.

Segundo Dyogo Oliveira, “não há paralisia no governo federal, que continua trabalhando para aprovar as reformas, controlar a inflação e concluir o ajuste fiscal”. Além disso, afirmou o ministro, o governo federal pretende ampliar gradualmente o financiamento privado na economia. “O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os bancos públicos estão orientados a financiar o setor privado”, afirmou.
 

Tadini, da Abdib, diz que andar para trás, neste momento, “seria um caos”

Apesar da posição otimista dos dois ministros, o setor produtivo está muito preocupado. No mesmo evento, o presidente da Abdib, Venilton Tadini, disse que mudar a agenda, neste momento, seria “um grande atraso” porque levaria à reavaliação da estratégia de investimentos das empresas. “Passamos por uma conjuntura recessiva grave, nunca vista na história e, quando o ajuste começa a dar resultados, não podemos voltar com a agenda para trás porque seria um caos”, disse. Para Tadini, apesar da crise política, o Congresso precisa ter responsabilidade e sensibilidade em relação às medidas necessárias para estimular a economia e a geração de empregos, que podem recolocar no mercado de trabalho milhões de brasileiros.

Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletro e Eletrônica (Abinee), defende que a sociedade e as entidades de representação pressionem o Congresso Nacional a favor da criação de um novo contexto regulatório que ajude a tirar o país da crise. “O Brasil não pode perder mais esse ano por causa de uma nova crise política. Quem paga a conta é a economia, que precisa voltar a crescer sem a contaminação desse ambiente nocivo”, argumenta. Para Barbato, “é necessário, nesse momento, fazer todo o esforço possível para que as reformas não fiquem paralisadas”. Embora a inflação esteja sob controle, diz o dirigente, o agravamento da crise política poderá fazer com que o Banco Central adote uma política mais conservadora no médio prazo.

Na primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) após a delação de Joesley Batista, o Banco Central cortou a taxa de juros em um ponto percentual, para 10,25% ao ano. Esse é o menor patamar desde novembro de 2013. Embora destaque que a inflação está em queda, o BC deixa claro, na nota distribuída, que o cenário político, de fato, aumentou o grau de incerteza em relação ao ritmo de aprovação das reformas no Congresso Nacional. “O comitê entende, como fator de risco principal, o aumento da incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia”, que se dá tanto pela maior probabilidade de um cenário negativo, que dificulte a aprovação das propostas, quanto pela própria dificuldade de avaliação dos efeitos da crise sobre a inflação. Embora o governo tenha conseguido aprovar algumas propostas no Congresso na última semana de maio, o mercado financeiro já elevou as previsões de inflação para 2017 e 2018 e reduziu a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,50% para 0,49% neste ano, conforme pesquisa do Banco Central.

Há praticamente um consenso entre empresários, economistas e analistas políticos de que a aprovação de propostas mais polêmicas no Legislativo ficou ainda mais complicada depois das acusações feitas por Joesley Batista contra Michel Temer. “Tudo aquilo que depende do Congresso ficou mais difícil, mas não impossível. Nossa visão é que as reformas têm de continuar e os congressistas precisam pensar no Brasil e não em questões menores, que não têm a ver com o desenvolvimento futuro do país. Esse é o nosso desejo, que pode não se materializar diante da crise política”, afirma Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
 

Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção

Pimentel diz que é preciso encontrar um “consenso para resolver a situação que aí está, seja com o atual presidente, seja numa outra circunstância”. Para ele, o Congresso precisa ter a grandeza de pensar no Brasil, ainda que existam diversas medidas que dependem apenas do Executivo e que não precisam de uma discussão muito ampla. “Nesse aspecto, eu vejo como relevantes as medidas de desburocratização e facilitação do crédito. O Banco Central, por exemplo, fez mais uma alteração nos depósitos compulsórios que os bancos recolhem e que representa, em tese, a liberação de R$ 13 bilhões, que estarão disponíveis para empréstimos, ainda que isso não os obrigue a emprestar”, destaca o presidente da Abit.

Dentro do próprio Congresso há medidas que têm um apoio maior, como o programa de regularização tributária, diz o presidente da Abit. “Existem muitas resistências, especialmente por parte da Receita Federal, devido ao número enorme de parcelamentos que já ocorreram, mas o fato é que, se há um momento em que precisamos disso, é hoje. Existe, atualmente, uma grande dificuldade em conseguir uma Certidão Negativa de Débitos (CND). Não é que você vai contemplar quem recorrentemente fica inadimplente com a possibilidade de tê-la, mas é preciso pensar como equacionar temporariamente essa exigência da CND para que você possa evoluir nas condições de crédito”, avalia Pimentel.

Outro ponto importante no qual se pode avançar, segundo o presidente da Abit, são as negociações internacionais. “Esse é um tema que, num primeiro momento, pode seguir”, avalia. Para ele, é possível também avançar na desburocratização e na agenda do crédito porque há quase um consenso do que precisa ser feito. “Sem crédito nossa economia não volta. A decisão de liberar o dinheiro de contas inativas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) é um exemplo disso. Dificilmente alguém vai votar contra a medida provisória que liberou os recursos e que está trazendo liquidez para a economia. Além disso, ajuda a quitar dívidas”, afirma Pimentel.

Medidas de caráter administrativo também podem ser adotadas, facilitando a vida das pessoas, melhorando o ambiente de negócios e ampliando a oferta de empregos. A agenda de concessões públicas talvez seja a mais poderosa dessas decisões administrativas. Fernando Valente Pimentel lembra que “é fato que precisamos de investimentos fortes na infraestrutura” e diz que “o governo pode melhorar os marcos regulatórios, deixá-los mais transparentes e seguros para os investidores”, como no caso bem-sucedido dos últimos leilões de aeroportos. “Precisamos de mais licitações em linhas de transmissão, saneamento e rodovias. São áreas em que o Brasil carece de investimento e ainda depende da consolidação de marcos regulatórios que permitam aos investidores entrarem no nosso mercado com segurança. São marcos que passam pelas próprias agências regulatórias”, afirma o dirigente.

Humberto Barbato, da Abinee, também defende a realização de novas concessões. “Na nossa área, tivemos uma licitação importante de transmissão de energia elétrica. Mas é fundamental uma maior ampliação das concessões para que possamos ter um Estado mais moderno”. Para ele, “quanto mais inchado o Estado, maiores as chances de casos de corrupção como os a que estamos assistindo hoje”. Avançar nas concessões, afirma, permitirá não apenas reduzir os casos de corrupção, mas também diminuir a carga tributária, porque parte dos investimentos necessários passarão a ser feitos pelo setor privado.
 

Propostas da CNI para o programa de regularização tributária

Na lista de projetos que serão concedidos ao setor privado, anunciada pelo governo neste ano, há 55 novas concessões, além de propostas de renovações de parte das atuais concessões de rodovias, ferrovias, terminais portuários e linhas de transmissão de energia elétrica. O governo estima que esses projetos vão gerar investimentos de R$ 45 bilhões nas áreas de energia, transportes e saneamento, além de 200 mil novos empregos diretos e indiretos. A licitação de 35 lotes de linhas de transmissão de energia em 17 estados, por exemplo, deve resultar em investimentos de R$ 12,8 bilhões.

Além disso, o governo pretende leiloar blocos com potencial de abrigar reservas de pré-sal dentro no novo regime de concessão, que não obriga a participação da Petrobras como sócia. Essas áreas devem ser leiloadas no segundo semestre, conforme previsão da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na lista de ofertas da 14a rodada, há seis áreas na Bacia de Campos (RJ) que estão no limite exterior do chamado polígono do pré-sal, instituído em 2010 e restrito à partilha de produção. Nelas, a ANP identifica 11 estruturas subterrâneas que podem conter reservatórios do pré-sal. A agência estima que pode haver 13 bilhões de barris de petróleo nessas áreas.

“Mesmo que não sejam disparados hoje, esses marcos regulatórios são importantes porque podem dar um norte para quem vai trabalhar investindo no Brasil. Essa agenda para o Brasil não parar deve incluir, ainda, questões relacionadas ao crédito e aos juros, que ainda são muito altos. Parados não podemos ficar, mas devemos criar condições para que, mesmo num ambiente conturbado, encontremos soluções mais à frente, quando ficar mais claro o que pode acontecer no cenário político”, ressalta Pimentel, que também cita a necessidade de negociar novos acordos comerciais e melhorar a gestão administrativa do Mercosul.

Na opinião do diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes, “a primeira questão é que o Congresso não pode paralisar porque, além das reformas mais complexas como a previdenciária e a trabalhista, há um conjunto de projetos que pode melhorar o ambiente de negócios e ajudar o Brasil a crescer”. Ele cita, por exemplo, o projeto que convalida incentivos fiscais concedidos por governos estaduais para atrair investimentos e gerar empregos. “Ter uma regra clara ajuda a reduzir a insegurança jurídica”, afirma.

Outro ponto em que é possível avançar já, segundo Fernandes, é a regulamentação da compra de terras no Brasil por estrangeiros, que pode atrair novos investimentos. O texto, já aprovado em comissões do Senado confere, segundo a CNI, tratamento adequado para a matéria, pois não impede os investimentos no país por diversas atividades empresariais produtivas nos segmentos de florestas plantadas, cana-de-açúcar, biodiesel e outros ramos do agronegócio, autoprodutores, além de atividades de mineração.

“O Congresso não pode paralisar porque, além das reformas mais complexas, há um conjunto de projetos que pode melhorar o ambiente de negócios e ajudar o Brasil a crescer.”

José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI).


A medida é positiva porque permite a aquisição e o arrendamento de terras por pessoas jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas privadas, físicas ou jurídicas, estrangeiras e  companhias de capital aberto, com ações negociadas em bolsa de valores no Brasil ou no exterior. Além disso, mantém as limitações às aquisições de terras por empresas e por Organizações Não-Governamentais (ONGs) estrangeiras e convalida as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas  brasileiras durante a vigência da lei que regula a aquisição de terras por estrangeiros.

Fernandes lembra que a Agenda Legislativa da CNI lista 131 proposições consideradas importantes pelo empresariado industrial. Na agenda consta a convalidação dos incentivos fiscais de ICMS, que poderá afastar a insegurança jurídica de eventuais suspensões de benefícios e cobranças judiciais retroativas. Além disso, o projeto em discussão no Congresso equaciona o problema e pacifica a ordem jurídica, ao resguardar os créditos obtidos legitimamente pelas empresas. Outra medida destacada é a que cria um marco legal para as agências reguladoras, garantindo independência técnica e regulatória, o que também traz estabilidade e segurança jurídica.

A mudança na lei de licitações é mais um item relevante na pauta da Agenda Legislativa da Indústria em 2017. Para a CNI, a ineficiência e demora nos processos licitatórios elevam o custo, atrasam a realização de investimentos e não contribuem para a melhoria dos projetos de obras públicas. O texto em discussão no Senado prevê diversos avanços, como a unificação das modalidades de contratação e a modernização e desburocratização dos procedimentos administrativos. A entidade quer, ainda, um marco legal para o licenciamento ambiental. Hoje, a ausência de uma lei nacional sobre licenciamento gera confusão sobre procedimentos e insegurança.

Em discussão no Senado, o projeto de lei apresentado pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) dispõe sobre a proteção, o tratamento e o uso de dados pessoais e estabelece princípios, garantias, direitos e obrigações em relação ao tema. Para a CNI, esses dados podem ser encarados como insumos vitais para a tomada de decisão, num cenário em que a imensa quantidade de informação disponível permite que a concepção dos produtos, o design, os testes com novos materiais, os protótipos, a arquitetura da fábrica, a organização da linha de produção e o estoque de materiais estejam todos conectados. A aplicação da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) tem contribuído para aumentar a produtividade, com redução de custos e aumento da segurança do trabalhador.

A partir do texto enviado pelo governo Temer, deputados e senadores apresentaram proposta de mudança no programa de regularização tributária, outro item listado como prioridade pela indústria. A CNI considera que a medida deve ser aprimorada principalmente para contemplar novas condições de pagamento das multas e dos juros e definir parcelas mensais que representem um percentual da receita bruta de cada empresa, mas há resistência por parte do governo, em especial da Receita Federal. Para que um maior número de empresas possa aderir ao programa, a entidade defende um amplo conjunto de mudanças para aperfeiçoar a proposta original do governo.
 

O que pode ser feito na previdência de maneira rápida

Se a crise política inviabilizar totalmente a tramitação da reforma da Previdência Social, possibilidade considerada remota no cenário atual, o governo tem a possibilidade de implementar parte das mudanças previstas na proposta de emenda constitucional por meio de legislação ordinária, como medida provisória ou projeto de lei – situação que exige um quórum menor e, portanto, reduz as dificuldades políticas para aprová-las. Entre o que pode ser revisto com mais facilidade estão medidas que elevam as receitas, como as alíquotas de contribuição previdenciária, e que cortam despesas, como a fórmula de cálculo dos benefícios (aposentadorias e pensões), segundo o advogado Fábio Zambitte Ibrahim, especialista em direito previdenciário e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

“Boa parte do que está na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) pode ser mudada por lei. É o caso do tempo mínimo de contribuição e da fórmula de cálculo do benefício inicial. Mas o que a gente precisa ter em mente é que o principal, a fixação de uma idade mínima de aposentadoria, isso tem de estar na Constituição”, afirma Fábio Ibrahim, sócio do escritório Barroso, Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados. “Podemos focar em dois grupos: os requisitos para a concessão dos benefícios e as regras de cálculo da renda mensal”, diz. Segundo ele, todas as regras de cálculo da renda mensal estão em lei e são mais fáceis de mudar.

“Em relação aos requisitos de exigibilidade dos benefícios, alguns podem ser alterados por lei, como a carência do tempo mínimo de contribuição para o regime geral”, diz Ibrahim. “Eu não tenho estimativa de quanto isso pode representar de economia, mas a impressão que tenho é de que o governo já começou a fazer as contas. No entanto, há a preocupação de que, enviada para o Congresso, uma medida como essa sofra tanta alteração, como aconteceu no governo Dilma, que resulte num texto que aumente a despesa ao invés de diminuir”, avalia. Para ele, o ambiente político hoje dificulta a aprovação da reforma previdenciária, ainda que não a inviabilize.

A agenda pendente de reformas e avanços regulatórios, contudo, não pode ignorar os tópicos em que já foi possível avançar nos últimos meses. A introdução do teto de gastos do governo federal foi uma importante medida de saneamento das contas públicas e a regulamentação da terceirização aprovada neste ano dará segurança jurídica a empregadores e empregados para conduzir as relações de trabalho de comum acordo e com benefícios para todos.

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