Indústria brasileira ainda trabalha para aperfeiçoar a NR 12, cinco anos após entrar em vigor

Na avaliação da CNI, para que a norma seja efetiva e cumpra seu objetivo, deve ser viável do ponto financeiro e técnico

Desde 1º de janeiro de 2014, todo carro zero quilômetro produzido no Brasil passou a sair da montadora equipado de airbags para motorista e passageiro e freios ABS, um sistema antitravamento acionado na hora da frenagem. Avanço indiscutível para melhorar a segurança no trânsito, a medida continha um detalhe discreto, mas fundamental: os donos de parte dos 44,5 milhões de veículos em circulação, à época, que não dispunham dos itens, não foram obrigados a rumar às oficinas e custear sua instalação, adequando o velho ao novo, sob pena de serem multados.

A história acima serve para traçar um importante paralelo sobre como mudanças tão significativas, quando concebidas sem avaliação prévia de impactos, podem disseminar um desarranjo em setores da economia. No caso da indústria brasileira, a grande mudança veio na forma da Norma Regulamentadora nº 12 (NR 12), o conjunto de padrões de segurança de máquinas e equipamentos nas linhas de produção, vigente desde dezembro de 2010. Ao contrário da nova regra de airbags e ABS, no entanto, a NR 12 abrangeu todo o parque industrial, exigindo alterações em centenas de milhares de máquinas usadas país afora.

Aplicada à vida real, a NR 12 passou a considerar irregular todos os equipamentos instalados antes de 2010. Máquinas fabricadas e adquiridas dentro da lei e dos padrões de segurança e sem histórico de acidentes, da noite para o dia, poderiam ser lacradas e as empresas, multadas. “A distinção não deve ser feita entre uma máquina nova ou usada, mas sim entre segura e insegura. Não é razoável que uma norma retroaja e jogue na ilegalidade quase todo um parque industrial”, diz Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

INTERDIÇÕES – A CNI considera irrenunciável o cumprimento dos padrões de segurança e a máxima proteção do trabalhador na operação de máquinas. Uma norma complexa como a NR 12, no entanto, para que seja efetiva e cumpra seu objetivo, precisa ser viável do ponto financeiro e, sobretudo, técnico. Estimativas feitas por alguns setores da indústrias apontam a necessidade de grandes investimentos de recursos para adequar as máquinas. E muitos dos dispositivos minuciosamente descritos na NR 12 e que devem ser instalados são incompatíveis com o maquinário em uso.

O caso do polo calçadista de Nova Serrana (MG) ilustra bem o impacto da retroatividade da norma. Formado por 830 empresas, que empregam 20 mil pessoas, o parque industrial foi alvo de fiscalizações em massa. Até setembro de 2013, 1.399 notificações foram recebidas – via postal, sem visita de auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – dando 60 dias para adequação do maquinário às novas exigências da NR 12. Dados do Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Calçados de Nova Serrana (Sindinova) dão conta de que a atualização de apenas três dos 53 equipamentos utilizados no polo teria custo de R$ 67 milhões.

Presidente do Sindinova, Pedro Gomes da Silva, questiona os dados de acidentes de trabalho que teriam sido utilizados para justificar a fiscalização em massa. “Nova Serrana tem histórico baixo de acidentes na linha de produção. Fomos alvo da ação porque acidentes de percurso (casa-trabalho-casa) são contabilizados como acidente de trabalho”, relata. Segundo ele, mais de 100 máquinas foram interditadas e, para evitar a paralisia da produção nas empresas, negociações foram abertas para ampliar o prazo de adaptação. “As empresas não tinham condição de continuar trabalhando e as máquinas que a gente tinha o MTE não aceitava”, conta.

Assim como ocorreu no polo calçadista da região de Nova Serrana, a intensificação da atuação do MTE sobre o cumprimento das exigências da NR afetou a indústria como um todo. Segundo números do MTE, o número de autuações cresceu cinco vezes, entre 2010 e 2013 (ver quadro), e o número de máquinas interditadas subiu 365%, no mesmo período. Quando se analisa o dado por porte de empresa, as estatísticas mostram que 69% das fiscalizações ocorreram entre micro e pequenas empresas.

ACIDENTES EM QUEDA – O aprimoramento das políticas de gestão de risco e redução de acidentes na indústria têm se mostrado eficazes nos últimos anos. Dados oficiais da Previdência Social mostram que a frequência de acidentes de trabalho no Brasil apresenta queda constante. Entre 2007 e 2013, a taxa acidentária total caiu 17,1% – de 1.378 para 1.142 ocorrências a cada 100 mil trabalhadores –, enquanto na indústria a queda foi de 22%. Os dados divulgados pela Previdência não mostram a parcela de casos que estão diretamente relacionados a máquinas e equipamentos afetados pela NR 12.

“De forma alguma está se defendendo negligência com segurança. A indústria tem reduzido seus índices de acidentes, mas precisamos viabilizar medidas que sejam praticáveis”, argumenta Fernando Pimentel, diretor- superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Segundo ele, um manual para orientar as mais de 55 mil empresas do setor foi elaborado com as melhores práticas de segurança, mas a adaptação de máquinas têm se mostrado um desafio, muitas vezes, insuperável para muitas empresas do setor.

Ele cita que a NR 12 tem afetado o que chamam de “máquina gargalo”, equipamento que, quando deixa de funcionar, afeta todo o fluxo produtivo de uma empresa. E, em alguns casos, o dispositivo de segurança que a NR 12 exige não traz ganho algum em termos de redução de riscos e, pior, reduz a produtividade de uma máquina sem histórico de ocorrências. “Um equipamento inseguro não pode funcionar de maneira alguma, mas não há motivo técnico que justifique adequação em uma máquina com ótimos níveis de segurança e com vida útil pela frente”, diz.

Propostas da indústria

1. Fim da retroatividade
Estima-se em R$ 100 bilhões o custo para a indústria adequar todo seu parque fabril às exigências da NR 12. Para a CNI, não é razoável – além de contrariar a boa prática internacional – que máquinas que cumpriam as normas de segurança quando foram fabricadas sejam colocadas na ilegalidade.

A boa prática internacional estabelece que as exigências da nova norma sejam aplicadas somente em máquinas e equipamentos novos. Mas no Brasil a NR 12 retroagiu e o parque fabril instalado dentro dos padrões da época de sua fabricação caiu na ilegalidade. A legislação de valer apenas para maquinário novo.

2. Distinção entre fabricante e usuário
Os padrões internacionais estabelecem que o fabricante é responsável pela segurança da máquina no ato de sua fabricação. Para a indústria, onde está o equipamento está instalado, isso ocorre apenas na interação do trabalhador com o maquinário. Mas a NR 12 impôs ao usuário a mesma responsabilidade cobrada do fabricante.

3. Tratamento diferenciado para MPEs
A adaptação das máquinas exigida pela nova NR 12 demanda das empresas grandes investimentos no chão de fábrica. Devido à menor capacidade financeira das micro e pequenas empresas, a CNI defende condições diferenciadas para o segmento que representa mais de 90% do setor industrial.


AVANÇOS ESSENCIAIS – Dentre as propostas da indústria (veja quadro), o fim da retroatividade da NR 12 – em sintonia com as boas práticas internacionais – é a mais capaz de eliminar a insegurança jurídica que afeta a indústria, atualmente. “Se a norma reconhecesse que as máquinas obedeceram a lei vigente na época em que foram adquiridas, resolveria 90% do problema do setor”, afirma José Batista de Oliveira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação (Abip), que representa mais de 65 mil padarias do país, 95% das quais micro e pequenas empresas.

Em junho de 2015, o MTE publicou portaria alterando algumas cláusulas da NR 12, como exigências feitas às micro e pequenas empresas, uma das reivindicações da indústria. Também foi revogado artigo que proibia a fabricação e exportação de máquinas fora dos padrões da NR 12, mesmo que para o país de destino da máquina de fabricação nacional essas regras não façam a menor diferença. Na prática, essa regra criou – ainda que por período limitado, já foi oportunamente revogada – uma descabida barreira técnica para a exportação de produtos brasileiros, um contrassenso quando a praxe é criar estímulos à abertura de mercados  para o “made in Brazil”.

 

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