Da entrada na portaria à hora do almoço, a CLT dá dores de cabeça permanentes às empresas

Para o economista José Pastore, as decisões do TST na interpretação da legislação trabalhista são muitas vezes conflitantes e com pouca base na realidade

Estabelecer para seus 8.500 empregados a duração da pausa para o almoço, chamada pela CLT de intervalo intrajornada para repouso, tem sido uma dor de cabeça para a Hering, revela seu diretor de Administração, Carlos Amaral. 

O dispositivo, previsto no artigo 71, que fixa o mínimo de uma e o máximo de duas horas para o intervalo, é uma das 101 "irracionalidades" listadas no documento 101 Propostas para Modernização Trabalhista. Por uma razão: o TST (Tribunal  Superior do Trabalho), cujas decisões, na opinião do economista José Pastore, são "muitas vezes conflitantes e com pouca base na realidade", proibiu a redução do intervalo por negociação coletiva. A Justiça Trabalhista tem condenado as empresas a pagar o período de redução como hora extra.

Amaral relata ser tradição em Blumenau, em Santa Catarina, onde opera a principal unidade da Hering, e nos municípios vizinhos, de vocação têxtil, o intervalo de meia hora, fixado anteriormente em negociações coletivas. Segundo ele, a meia hora é do interesse dos próprios trabalhadores, que com isso saem mais cedo, às 17h30, e têm tempo para outros afazeres, como ir às compras no comércio da cidade, que fecha às 18h.

Além disso, conta ele, existe na região um sistema de transporte coletivo, as Linhas do Trabalhador, em que os ônibus, com horário fixo, deixam os empregados nas portas das fábricas. Sem a pausa de meia hora, o transporte coletivo para atender o trabalhador ficará tumultuado e deixará de funcionar com eficácia, prevê Amaral. 

O diretor da Hering lembra, ainda, que a decisão do TST não leva em conta a sazonalidade do trabalho no setor de confecções, que tem picos na época dos lançamentos das coleções de inverno e verão. "A negociação para reduzir o intervalo interjornada tem de ser feita, agora, empresa por empresa, e é sempre muito difícil com as delegacias regionais do trabalho, embora nossa relação com os sindicatos dos trabalhadores sejam muito boas", conclui  Carlos Amaral.    

DEPOIS DO PORTÃO -  Na interpretação do artigo 4º da CLT, que trata do período à disposição do empregador, o TST editou a Súmula 429, que considera como tempo à disposição da empresa o período que exceder 10 minutos entre a entrada na portaria até o local do trabalho.

Dessa forma, se o empregado entra pela manhã, sai e retorna no horário de refeição e deixa a empresa ao final do dia, são contabilizadas duas entradas e duas saídas que não podem ultrapassar 2,5 minutos cada para não extrapolar os 10 minutos máximos fixados pelo TST. Se isso ocorrer, o que exceder os 10 minutos será contabilizado como tempo à disposição da empresa e, portanto, pago como hora extra, aumentando os custos da empresa.

O documento 101 Propostas lembra ser comum que muitas empresas médias e grandes ofereçam, dentro das suas instalações, facilidades e conveniências aos seus trabalhadores, como postos bancários, bibliotecas, lanchonetes. Ocorre com frequência o trabalhador chegar mais cedo, por necessidades pessoais, como, por exemplo, deixar antes o filho na escola, e usar as facilidades até chegar ao local de trabalho.

"Para evitar riscos, as empresas só têm duas soluções: retirar as facilidades de dentro das instalações e agilizar os procedimentos entre a entrada na portaria e o início do trabalho ou impedir a entrada de funcionários antes do início do turno ou sua permanência após o turno, deixando o empregado do lado de fora", diz o documento. A CNI propõe que o trajeto entre a portaria e o local do trabalho não seja considerado tempo à disposição do empregador, o que pode ser feito por projeto de lei alterando o parágrafo primeiro do artigo 58 da CLT ou pela revisão da Súmula 429 do TST.

O diretor de Relações de Trabalho do grupo Fiat Chrysler, Adauto Duarte, diz que a nova regra prejudica o trabalhador, reduz a produtividade, aumenta a insegurança jurídica, estimula o contencioso, eleva o passivo das empresas e reduz o poder das entidades sindicais.

Duarte faz as contas: "diariamente, são quatro deslocamentos, portanto de 2,5 minutos para cada um. Se entre elevador e serviços de comodidade, entre o término e o início da jornada e as passagens pela portaria se passarem 10 minutos a mais por período, serão 40 minutos por dia que, acrescidos ao adicional de horas extras, serão no mínimo uma hora a ser paga a mais por dia. Se o trabalhador conversar pelo celular com um familiar ou amigo antes de sair pela portaria, o passivo trabalhista pode chegar a duas horas por dia".

Segundo o diretor de Relações de Trabalho da Fiat Chrysler, "o TST tem se mostrado aberto ao diálogo, o que nos leva a crer que, com a demonstração de que a Súmula 429 contraria a realidade e o interesse dos próprios trabalhadores e das empresas, o Tribunal deve revê-la". 

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