A propriedade intelectual tem pressa no Brasil

Evento da CNI discute os desafios do Brasil em nível local e internacional para transformar produtos, serviços e ativos do país em negócios globais

“A visibilidade e a importância do tema já estão difundidos. Agora precisamos agir”, afirmou a coordenadora do programa de propriedade intelectual da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Diana Jungmann, sobre a situação da propriedade intelectual no Brasil, durante o Seminário Propriedade Intelectual: onde estamos global e localmente? que acontece hoje (31/10) em Brasília e teve a representante da CNI como moderadora. Representantes da indústria, do governo e de entidades representativas estão reunidos para discutir o posicionamento do Brasil e a modernização das políticas públicas nacionais e internacionais relacionados à propriedade intelectual. 

Segundo Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI, a realização do evento é fundamental para evidenciar a relevância do sistema de propriedade intelectual para o crescimento do Brasil: “Este seminário é mais uma oportunidade para fazer correções de rumo, já que não podemos ficar fora do mercado internacional. A criação de um ambiente favorável à defesa do conhecimento e da inovação é condição fundamental para a competitividade empresarial e para a geração de valor econômico”. Abijaodi reafirmou que um sistema eficiente de propriedade intelectual, com a repressão à pirataria, é decisivo para incentivar investimentos no Brasil e ressaltou a necessidade de modernizar o marco legal relativo à proteção do conhecimento.

Sobre o Brasil no exterior

“Existe a sensação de que o Brasil não desempenha a propriedade intelectual numa escala que esteja à altura da sua economia”, declarou Luiz Henrique do Amaral, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). Para o especialista, o país ainda engatinha nesse território e não pode se esconder da guerra de propriedade intelectual que acontece a partir de um jogo empresarial global.

Para a representante da multinacional General Eletrics (GE), o Brasil já entrou no mapa global da inovação e exerce um papel estratégico no mercado internacional. “Acreditamos nesse país, e a prova disso é que investimos US$ 500 milhões num centro de pesquisa construído no Rio de Janeiro”, explicou Gabriela Muniz, justificando que esse investimento só aconteceu porque, na visão da empresa, o Brasil vem se mostrando mais inclinado a fortalecer sua cultura de propriedade intelectual e já foi percebida uma mudança nesse sentido. Beatriz Amorim, vice-diretora da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), concorda: “Temos apenas quatro escritórios internacionais fora de Genebra, e um deles é no Brasil. Isso reflete a importância estratégica do país dentro do sistema internacional de propriedade intelectual”.

Oportunidades

Diante das novas geografias da produção e da inovação, o Brasil pode se beneficiar segundo Jorge Arbache, representante do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). “80% dos novos centros de pesquisa das multinacionais foram pra China e pra Índia, sendo que 80% desse total foram pra China. É um benefício conquistado pela atenção e pelo foco que esses países deram à inovação e à propriedade intelectual”, exemplificou Arbache para citar as chances que o Brasil pode ter com a chegada de centros de pesquisa de multinacionais, como o da GE, com a inovação feita para adaptar produtos que vêm de mercados estrangeiros.

Nesse sentido, o representante do BNDES destacou a exploração do Pré-Sal. “É uma grande nova fronteira de desenvolvimento. A tecnologia e a logística necessárias pra fazer uso dessa reserva ainda não foi dominada e temos isso a nosso favor. Esse vai ser o nosso programa espacial”, compara. Para Jorge Arbache, as novas fronteiras de desenvolvimento do país criam oportunidades de inovação e exploração econômica. “Além do Pré-Sal, também podemos citar a área de aviação, a exploração da biodiversidade brasileira e avançar em novos mercados que nem parecem tão receptivos a princípio, como o de commoditites”, explicou. 

Marco legal: um desafio

O caráter burocrático e subjetivo das leis que deveriam fortalecer a propriedade intelectual e garantir um ambiente juridicamente seguro à inovação foi criticado durante o seminário da CNI. Ao falar sobre transferência de tecnologia nesse sentido, o presidente da ABPI comparou a situação do marco legal brasileiro no contexto global à visão de uma porteira colocada no meio de um grande campo, onde o Brasil tenta impedir a entrada e a saída de ativos e o resto dos mercados transita com fluidez por todo o espaço livre. “No âmbito legislativo, precisamos nos livrar da ideia de que tudo precisa ser muito complexo e difícil”, defendeu Luiz Henrique Amaral.

O advogado explicou que na área agrícola, por exemplo, se fala muito em explorar mas na hora de registrar os resultados desse processo existem muitas ressalvas e que, a pretexto de combater a biopirataria, o Brasil constrói uma estrutura que estimula essa prática nociva: “Quem está pesquisando nessa área fica totalmente engessado pra fazer registros junto ao INPI e explorar a nossa biodiversidade. A estrutura legislativa atual penaliza quem quer desenvolver com responsabilidade e precisa ser revista com urgência”. Gabriela Muniz concorda e ressalta que é preciso uma atenção maior aos segredos de negócio da indústria: “Não existe um diploma legal específico que os proteja. É uma garantia fundamental, inclusive para pequenas empresas”.

Melhorias no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pelo registro de marcas, patentes e indicações geográficas no Brasil, também são essenciais segundo os participantes do evento. Para a representante da GE, o Instituto precisa ser melhor aparelhado para diminuir o backlog, acúmulo do número de depósito de patentes para análise, questão que tem criado “um problema sério de imagem internacional para o Brasil” na opinião do presidente da ABPI. Luiz Henrique Amaral explicou que o órgão ainda não tem capacidade de aplicar os recursos gerados pelos seus usuários até hoje e precisa de mais autonomia para converter esse dinheiro em prestação de serviços. Gabriela Muniz, por sua vez, considera excessiva a interferência do INPI nos contratos de transferência de tecnologia e acredita que a cooperação entre escritórios internacionais semelhantes ao Instituto brasileiro é fundamental para o avanço da tecnologia e dos produtos genuinamente brasileiros no exterior.

Rumo ao Protocolo de Madri e ao PPH

O Protocolo de Madri é o tratado internacional que promove um registro único da marcas válido nos 84 países signatários da convenção. Trata-se de uma via mais rápida e econômica para o registro internacional de marcas, processo que no Brasil pode levar até seis anos hoje. A CNI, na fala do seu diretor de desenvolvimento industrial Carlos Abijaodi, e outras entidades, empresas e instituições brasileiras que promovem a propriedade intelectual defendem a adesão do Brasil ao Protocolo e, segundo o chefe da divisão de propriedade intelectual do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Itamaraty também. “Temos tanta pressa quanto a indústria. O MDIC [Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior] agilizou todos os trâmites necessários para permitir a adesão do Brasil ao Protocolo”, disse Kenneth da Nóbrega, depois que relatar que o Brasil tem tido uma atitude propositiva – e não defensiva – nos comitês da OMPI que debatem a situação da propriedade intelectual no país.

Com relação ao acordo bilateral Patent Prosecution Highway (PPH), que tem o objetivo de acelerar o processo de análise de patentes por meio da colaboração entre o escritório norte-americano de concessão de patentes (USPTO) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a postura do MRE é menos assertiva. “É um assunto que pressupõe uma densidade técnica para ser discutido que o Itamaraty não tem”, afirmou Kenneth da Nóbrega. O presidente da ABPI lamentou: “O PPH que acabou não saindo mostra um pouco do desafio que ainda enfrentamos. Enquanto alguns críticos falam que o acordo pode tirar nossa soberania, na verdade só vai diminuir nosso retrabalho”. Para a representante da GE, o Brasil precisa reavaliar o acordo. 

Sobre o evento


O seminário Propriedade intelectual: onde estamos global e localmente? aconteceu no edifício-sede da CNI, em Brasília,  e foi organizado pela instituição em parceria com o comitê empresarial da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), com o comitê de propriedade intelectual da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI) e tem o apoio do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.

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